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Na Guariroba, Abadião marca lembranças do início do Ceilândia Esporte Clube

Também guarda a tradição de famílias de pioneiros que participaram da construção da capital

postado em 27/03/2016 08:10

O ex-zagueiro Brito participou do primeiro jogo no estádio, vestindo a camisa alvinegra do time da casa

O Ceilândia Esporte Clube faz parte da história da cidade e também foi responsável por criar lembranças inesquecíveis para moradores e fãs do futebol. Donglissimar Batista Lima, 56 anos, estava em campo na partida de inauguração do Abadião, em 1983. O Ceilândia enfrentou o Goiás e venceu por 2x1. ;Você estar numa equipe da cidade é sempre bom, e foi uma das primeiras vezes que nós vimos o estádio cheio;, conta.

;Hoje, está mais arrumado. A grama era horrível, era quase terra. Tinha mais mato do que grama;, relembra ele, que é conhecido como Brito. O apelido é homenagem a um ex-zagueiro, da Seleção, que passou pelo Vasco e pelo Botafogo, time do coração de Donglissimar. O Brito do Ceilândia também era zagueiro. Foi formado nas bases do Gama e chegou a jogar na seleção Brasiliense de 1979 e 1980. Atuou por quase três anos no alvinegro e lembra-se com carinho daquela época. Jogadores como Marquinhos Bahia, Joãozinho, Ticão e Dorival faziam parte da equipe. ;Foi o começo de uma base boa do Ceilândia;, afirma.

Uma das histórias marcantes do tempo que passou no time foi o jogo contra o Brasília pelo Campeonato Brasiliense. O Taguatinga dependia de uma vitória do Ceilândia e um dos dirigentes de lá prometeu recompensar os alvinegros caso ganhassem. ;O Brasília era muito forte, favorito, mas parece que vem a rivalidade do clássico e nós ganhamos deles;, relata. Depois da partida, os representantes do Taguatinga foram ao vestiário para entregar um cheque. ;A diretoria não quis aceitar. Faz parte da carreira, ganhamos o jogo por merecimento. Eles acabaram dando o dinheiro para uma creche.;

Brito se aposentou cedo, aos 24 anos. Em 1995, fez um curso de arbitragem e hoje apita jogos em campeonatos. Dos quatro filhos, dois homens e duas mulheres, nenhum se encantou pelo esporte. Agora, ele passa a paixão para o neto, Igor Bonifácio, 6 anos, que está sempre ao lado do avô. ;Onde eu vou, ele vai. É meu talismã.;

Torcida
Até hoje, Brito é reconhecido por alguns torcedores da época, que assistiam aos treinos e aos jogos da beira do campo. Um desses fãs incondicionais do Ceilândia é o promotor de Justiça do DF Wilton Queiroz, 56 anos. Ele é o criador de uma página extraoficial que conta a história e acompanha a trajetória recente do time.

Wilton relata que abria o jornal e só via notícias ruins sobre a cidade. As únicas histórias positivas eram relacionadas à atuação do alvinegro. Por isso, decidiu criar o site, para que nunca faltassem boas coisas para se falar da região. Hoje, o Ceilândia é o único time que tem lugar no coração de dele e o responsável por manter o elo entre ele e a região administrativa, para onde se mudou aos 10 anos de idade, vindo da Vila Bernardo Sayão. ;O Ceilândia me mantém muito preso a Ceilândia. Eu sou obrigado a ir até lá;, diz.

O promotor chegou a jogar no primeiro time de juniores do Ceilândia. Wilton não mede esforços para registrar e contar essa história a todos os outros admiradores. Já escreveu o relato de ex-jogadores como Risadinha ; autor do primeiro gol da história do Gato. Na década de 1990, surgiu também o Ceilandense, que hoje joga na segunda divisão do futebol do DF. ;Foi aí que o Ceilândia ganhou o apelido de Gato, porque o pessoal queria matá-lo e ele não morria. O time chegou a abandonar o campeonato no meio da disputa e aí foi para a segunda divisão do DF.; Depois de voltar à elite, foi campeão da primeira divisão do Candangão em 2010 e em 2012.

Grande família
A Guariroba também abriga alguns dos pioneiros de Brasília e de Ceilândia. O Teatro Nacional, os sinos da Catedral Metropolitana e até mesmo o prédio que fica na esquina de casa são algumas das obras que Francisco Rodrigues da Silva, 77 anos, ajudou a erguer. O trabalho de moldador foi o que sustentou a família desde a mudança da Bahia para a capital federal.

Enquanto isso, em casa, Zélia Álvares da Silva, hoje com 75 anos, cuidava dos 13 filhos e de vários outros que eles adotaram e criaram nos 55 anos de casados. ;Quando tem festa aqui, não precisa convidar ninguém não;, brinca Joaquim da Silva, 47 anos, um dos filhos do casal. Ela católica, ele evangélico, dão uma lição de harmonia e respeito.

O momento das refeições mostra a típica mistura do Nordeste com Ceilândia. Mesa com comida simples, saborosa e farta, que recebe todos os que tiverem na casa ou de passagem. As conversas em voz alta e os desentendimentos parecem que vão culminar em briga, mas, no fim, todos se entendem, numa celebração diária da história de superação dos pais.

Prometidos um para o outro desde criança, Seu Francisco e Dona Zélia, que são primos, visitam todos os anos os parentes na Bahia e no Tocantins. Para ela, recompensou dedicar a maior parte do tempo à criação dos filhos. ;Valeu a pena, porque, na minha casa, pude criar meus filhos sendo bons cidadãos, bons pais de família, boas esposas;, diz. Ele, só precisa acrescentar uma coisa: ;Eu amo essa aqui;, diz, estendendo a mão sobre o ombro da companheira. ;E vice-versa;, diz ela.

Assista no site
O Correio preparou um vídeo para homenagear Ceilândia no aniversário de 45 anos. Veja em www.correiobraziliense.com.br


História
Entre 1922 e 1987, foi disputado o Campeonato Brasileiro de Seleções, que reunia os melhores jogadores de cada unidade da Federação. Na época da criação, o nome oficial era Campeonato Brasileiro de Futebol, mas mudou depois da início do campeonato nacional de clubes, em 1971, o Brasileirão, disputado até hoje.

Memórias de um povo incansável e lutador
Quando se mudou da Vila do IAPI para Ceilândia, Viridiano Custódio de Brito, 57 anos, viu a mãe lutar por melhorias para a cidade e participou de muitas dessas conquistas. O barraco em que moravam tinha dois cômodos, mas, quando chegou à nova terra, levado por caminhões do governo, apenas algumas tábuas se salvaram e só deu para montar um cômodo. Nessa época, a mãe trabalhava como lavadeira e Viridiano andava quilômetros para levar a ela a comida que cozinhava. ;Quando nós chegamos aqui a Ceilândia, não tinha água, luz nem esgoto;, lembra. ;A gente era muito pobre, mais pobre ainda que hoje.;

Ainda criança, trabalhou como engraxate e vendedor de jornal. O primeiro emprego com carteira assinada foi aos 14 anos, na Casa das Cortinas. Também trabalhou na construção civil até começar a atuar na área de assessoria política, na década de 1990. A trajetória de luta social começou ainda ao lado da mãe, que fazia parte da Ação Cristão Pró-Gente, que deu origem ao Movimento dos Incansáveis, em 1978. Na época da criação da cidade, o governo militar prometeu cobrar um preço simbólico pelos terrenos, mas, quando a regularização começou, era cobrado o valor de mercado. O grupo foi para a Justiça e conseguiu o direito de pagar o montante combinado.

Mais tarde, Viridiano precisou começar a própria luta. Em 1983, participou da formação da Associação dos Inquilinos, movimento com mais de 80 mil pessoas que reivindicou moradia e, no fim de 1985, conseguiu os lotes da Expansão do Setor O. Viridiano se mudou com a mulher e os dois filhos e pensou que poderia, finalmente, descansar em casa. Mas os terrenos tinham água, luz e esgoto. E só. Não contava com infraestrutura básica.

Por meio da Associação Comunitária da Expansão do Setor O (Aceso), da qual é um dos coordenadores, conseguiram conquistar todos esses direitos. E ainda faz parte do Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor (Mopocem), que reivindica melhorias para a cidade como um todo. ;Aqui, as pessoas são muito lutadoras;, garante. E emociona-se ou relatar a sua relação com a cidade: ;É uma vida, né? Você chega criança e vê a cidade crescendo. Vê o primeiro hospital, o primeiro centro de saúde, a primeira escola;.

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