Cidades

Nove entre 10 jovens mortos na área metropolitana de Brasília são negros

Essa realidade tem consequências devastadoras. Além de famílias destruídas pela dor, há uma enorme perda para o futuro da cidade

postado em 29/03/2016 06:03
Aos 23 anos, com dois filhos - o mais novo de apenas 1 mês -, Jeane já é viúva: o marido foi assassinado aos 23 anos
Entre 2010 e 2012, 818 jovens negros entre 15 e 29 anos foram assassinados na Área Metropolitana de Brasília, que inclui o Entorno. No mesmo período, foram 91 óbitos entre os jovens brancos na mesma faixa etária, de acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Tamanha disparidade demonstra que, para o negro, manter-se vivo pode ser considerado um feito. E muitos dos que sobrevivem precisam driblar a falta de oportunidades. Ela é real. E, se não mata o corpo físico, mata a inocência. Por vezes, leva também ao crime. Em todos os casos, deixa órfãos.
Tanto especialistas quanto os movimentos que lutam para abrir os olhos das autoridades em relação ao massacre dos jovens negros reforçam a teoria do extermínio dessa parcela da juventude. ;Em todos os países colonizados, os colonizadores tiveram como plano, durante e após o fim da escravidão, a extinção do povo negro. A ideia jamais foi integrá-los à sociedade. Mesmo que esse assunto não seja falado, não quer dizer que esse desejo de embranquecimento da população não tenha se mantido;, aponta Sherwin Morris, coordenador do Instituto Cultural Congo Nya, organização sem fins lucrativos que promove a cultura negra em São Sebastião.
Para Morris, os negros continuam sendo o principal alvo por conta das desigualdades sociais reforçadas pelo racismo desde a escravidão. ;Hoje, fala-se muito em negros aparecendo na televisão, negros conquistando altos cargos, isso é uma parcela minúscula. Sabe onde eles estão entrando mesmo? Na cadeia e no cemitério;, atesta. O entendimento da própria cor e de como ela é vista na sociedade é essencial para que o jovem negro possa vencer as estatísticas ; algo que passa pela educação.
O assistente social Leonardo Ortegal, que atualmente prepara sua tese de doutorado analisando o impacto da cor da pele nos casos de homicídios ocorridos no DF, explica que há uma sensação entre os adolescentes negros de que eles são culpados, até que se prove o contrário. ;Mas apenas uma parcela deles tem noção de que a pele está envolvida nisso. Minha pesquisa vai se desenrolar em políticas sociais e iniciativas de enfrentamento a esse extermínio, e um dos elementos nesse processo é a tomada de consciência da sua cor. Quando isso acontece, você percebe de que forma isso te atinge socialmente.;
Até porque os desdobramentos dessas mortes não terminam na hora em que o corpo é enterrado. ;Eles geram gastos em termos de medicina legal, inquérito policial, acionamento do Judiciário e do Ministério Público, gerando uma sensação de insegurança. Há também o impacto na saúde mental da família, porque é uma onda de devastação que prejudica a todos;, garante Ortegal.
Jeane Pereira, 23 anos, está sendo obrigada a lidar com esse choque emocional. Ela tem 23 anos e dois filhos. A mais nova, Juliana, de apenas 1 mês, não chegou a ver o pai vivo. André Luiz Aguiar Rodrigues morreu em dezembro do ano passado, aos 23 anos. De acordo com Jeane, ele foi assassinado depois que bateu o carro na moto de um homem, na Estrutural. ;Quando a gente foi atrás do dinheiro para pagar o que quebrou dela, esse cara veio por trás e esfaqueou meu marido;, lembra. Jeane agora está vivendo com a família de André. Sem poder trabalhar, já que a filha menor ainda é muito nova, a jovem está em um momento em que não sabe o que fazer da vida. ;Eu tenho medo. Estou recebendo ajuda, mas não sei como vai ser daqui para a frente.;
Se o presente torna-se um fardo para quem enfrenta a dor de lidar com um parente morto, o futuro vira uma incógnita. ;A taxa de fecundidade do Distrito Federal é a menor do Brasil e a população está envelhecendo, fazendo com que a pirâmide etária se inverta. Teremos menos gente contribuindo e mais gente precisando de aposentadoria. Os assassinatos dos jovens negros exigem uma reflexão que vai além do impacto das mortes;, garante a demógrafa Lucilene Dias Cordeiro, autora do estudo Jovens negros e não negros: mortalidade por causas externas na Área Metropolitana de Brasília.

O que será deles?
Com as mãos para trás e a cabeça baixa, Caio*, 16 anos, um dos internos da Unidade de Internação de São Sebastião, chega para conversar com a reportagem. Falando rápido, o garoto franzino e de dentes proeminentes não nega: está ali porque não encontrava oportunidades. ;Eu tentava procurar emprego, mas sempre me achavam novo demais. Então, decidi procurar outra forma de ganhar dinheiro.; No começo, a facilidade o surpreendeu.
As benesses chegavam sem esforço e, mesmo com os avisos dos familiares, ele não achava que corria riscos ; afinal, pensava, era menor de idade. Há um ano e oito meses na instituição, seu pensamento mudou. ;Essa história de que a gente não fica preso é mentira. Só em ficar longe da família já mostra que a gente está preso também. Quando cheguei aqui, tinha só 14 anos. Agora, vou fazer 17. Tenho que dar mais valor para minha mãe;, reflete.
Quando sair do sistema de sanções imposto aos adolescentes infratores, Caio vislumbra emprego e outros sonhos. A esperança que ele nutre é míster também para o futuro do Distrito Federal. O Estado precisa garantir, além da sobrevivência dele, a ressocialização.
Caso também de Augusto*. Aos 17 anos, está há três meses internado em São Sebastião. E garante que essa passagem pelo sistema não mudou em nada seu desejo de estudar direito para tornar-se um delegado. ;Moro com meus tios e lá em casa temos livros de direito até em cima da geladeira. Tenho certeza que vou conseguir realizar esse sonho. Tive que adiar um pouco, mas tenho o apoio da minha família, conversamos sobre isso e eles me disseram que vão fazer tudo o que for necessário para que eu conquiste isso.;
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