Cidades

Pacientes com fortes dores têm dificuldades em ter acesso aos 'opioides'

Os opioides têm um controle rígido no Brasil. No DF, apenas 500 pacientes estão aptos a recebê-los

Otávio Augusto
postado em 17/06/2016 06:05

As dores insuportáveis de Amélia, que faz tratamento contra câncer no abdome e no útero, foram amenizadas após o uso de morfina


Não importam a queda do cabelo, as longas filas e as intermináveis internações quando a dor é a principal companhia de um paciente. Para frear o sofrimento persistente, alguns recorrem aos opioides ; analgésicos superpotentes. Na capital federal, os que padecem de dores crônicas de forte intensidade vivem um calvário. Seja pela falta de acesso à assistência, seja porque os médicos receitam analgésicos inadequados, uma vez que a burocracia cria entraves ao fornecimento do produto. A Secretaria de Saúde atende cerca de 500 pessoas com pelo menos quatro medicamentos desse tipo: codeína, morfina, metadona e oxicodona. A desinformação é barreira a ser vencida e a falta de dados locais é fator complicador.

Há um ano e dois meses, a dona de casa Amélia Lopes Alves, 66 anos, trata de um câncer no abdome e no útero. A moradora do Setor P Sul, em Ceilândia, chegou ao ponto de não ter forças para se levantar da cama. ;Sentia uma dor que eu não consigo explicar. Mexer a perna é impossível;, detalha. Com o passar do tempo, a cadeira de rodas passou a fazer parte da rotina. ;Conto com a ajuda da minha filha;, pontua a idosa, que faz quimioterapia no Hospital Universitário de Brasília (HUB), na 602 Norte.


O remédio mudou a minha realidade de uma forma que não tenho palavras para explicar. Ainda sinto dores quando atraso o remédio ou em dias críticos, as tenho ma sobrevida melhor para lutar contra doença;

Amélia Lopes Alves, dona de casa


Atualmente, Amélia se trata com morfina. A idosa ingere o superanalgésico a cada quatro horas. ;O remédio mudou a minha realidade de uma forma que não tenho palavras para explicar. Ainda sinto dores quando atraso o remédio ou em dias críticos, mas tenho uma sobrevida melhor para lutar contra a doença;, conta. Mesmo com a melhora, as dificuldades emperram o tratamento. ;Às vezes, falta analgésico ou os médicos não querem receitar. É preciso ter muita sensibilidade;, argumenta a mulher, que na segunda-feira tinha apenas uma dose do medicamento.

Para padronizar o acesso aos opioides, o Executivo local pretende lançar, no próximo mês, um protocolo de atendimento. A normatização para toda a rede será a mesma adotada no Hospital de Apoio de Brasília. ;Nosso objetivo é tornar a avaliação da dor algo de mais fácil acesso e com as orientações adequadas de tratamento. O documento regula a avaliação da intensidade da dor, a localização e a classificação do paciente. Com isso, vamos ter estatísticas epidemiológicas e adequação melhor da medicação;, explica a chefe de Cuidados Paliativos do Hospital de Apoio, Elaine Pereira Barbieri de Carvalho.

Nas farmácias de Alto Custo, os pacientes que retiram esses medicamentos precisam apresentar documentos e exames preconizados pelo Protocolo de Dor Crônica do Ministério da Saúde. Trimestralmente, o médico do paciente deverá, por meio de documentos padronizados, prestar esclarecimentos sobre a continuidade do tratamento. A entrega dos referidos itens é feita mensalmente, mediante apresentação de receita médica de controle especial e apenas para as pessoas cadastradas. ;Há um controle rigoroso, dentro das unidades, do estoque desses medicamentos e da dispensação dos mesmos para os pacientes;, ressalta nota da Secretaria de Saúde.

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Risco

Os opioides têm variáveis perigosas. O uso desse tipo de substância é muito controlado no Brasil, de forma que os casos de dependência entre doentes ou os de uso recreativo são relativamente raros. Pesquisas mostram que a ação desses medicamentos é semelhante à do crack. Há relatos de enfraquecimento do sistema de defesa do organismo ou até de morte das células do sistema nervoso central. ;A dose terapêutica e a dose excessiva são muito próximas. A euforia e a diminuição da ansiedade e da depressão aumentam o risco de o paciente se induzir ao vício;, destaca oncologista Marcos Antônio dos Santos, chefe da Unidade de Oncologia HUB.

O especialista acompanha o tratamento de Amélia. Para o médico, 80% da população não têm acesso aos opioides por preconceito. ;O paciente encara que está na fase final e vai morrer. O estigma é uma dificuldade muito grande. Isso, aliado à burocracia, cria gargalos grandes para prescrever a medicação;, explica. Para ele, é preciso ;adequar a estratégia de manejo; por as substâncias serem altamente viciantes. ;Se por um lado os opioides são um problema gravíssimo nos Estados Unidos, com 20 mil mortes por ano, por causa da dependência e da superdosagem, por outro, no Brasil a burocracia tem de ser revista. Temos que ter um grau de controle, mas aqui é exagerado;, critica Marcos.

Fernando Carneiro, presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, salienta que a regulamentação do uso desses medicamentos burocratiza a aplicação na clínica diária. ;Mesmo com medidas governamentais, a rede pública, em sua forma plena, não está preparada para o atendimento desses pacientes; refuta o especialista em dor (Leia Três perguntas para).


Cerca de 50% dos pacientes com dor crônica são subtratados e com manejo inadequado de medicamento. Para a professora de medicina do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Ana Márcia Gaudard, o acesso restritivo compromete o tratamento dos pacientes. ;Precisamos capacitar quem prescreve. O profissional que recebe esses pacientes tem que estar preparado para identificar a dor crônica e vencer a questão cultural em relação aos opioides;, explica a especialista, que durante nove anos coordenou o Programa de Medicamentos Excepcionais de Alto Custo da Secretaria de Saúde.

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