Cidades

Campeões do desrespeito à Lei Seca matam no trânsito

Nos últimos 10 anos, 115 motoristas acabaram multados de cinco a 14 vezes por assumirem o volante embriagados nas vias do Distrito Federal. Desse grupo, quatro provocaram acidentes com morte e um causou lesões graves na vítima

Adriana Bernardes
postado em 11/09/2016 06:05
Blitz da Lei Seca no Eixo Monumental: motoristas bêbados também serão monitorados por câmeras
Na última década, 115 motoristas desrespeitaram, sistematicamente, a lei seca no Distrito Federal. Desse grupo, um em cada 28 matou no trânsito enquanto dirigia alcoolizado. Infratores contumazes, eles acumularam entre cinco e 14 multas só de Lei Seca nos últimos 10 anos. Alguns tiveram a carteira suspensa, cumpriram a punição, voltaram para as ruas e caíram novamente na fiscalização. A habilitação de outros acabou cassada. Nem todos pararam de dirigir ou de cometer crimes no trânsito.

Na série Infratores contumazes da Lei Seca, o Correio mostra quem são os motoristas que ignoram sistematicamente a proibição de dirigir alcoolizado. E como o comportamento dessa parcela da população pode custar uma vida.

A lista a que o Correio teve acesso com exclusividade revela que os 115 motoristas mais flagrados entre 2006 e 2016 praticaram mais do que apenas infrações no tráfego brasiliense. Após consultar um a um os nomes no site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a reportagem constatou que 31 ; ou 27% do total ; respondem a processos de crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Destes, quatro, ou seja, 13%, mataram enquanto dirigiam alcoolizados, e um provocou lesões graves na vítima e fugiu sem prestar socorro.

O pedreiro Adevandro Barbosa dos Santos, morador do Itapoã, está entre os que pegaram o volante alcoolizados e provocaram acidente com morte. Mesmo com a CNH suspensa por dirigir embrigado, ele conduziu o veículo após ter bebido. De acordo com o processo, ele invadiu a pista contrária e bateu de frente com a moto pilotada por Sirenio Figueredo Guimarães. Um dos braços da vítima foi arrancado. O acidente aconteceu em 3 de fevereiro de 2013. Sirenio não resistiu aos ferimentos.

Adevandro foi submetido ao teste do bafômetro seis horas e meia após a batida fatal. Mesmo com a demora, o resultado apontou 2,19 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. A partir de 0,3 é considerado crime. Ele foi preso em flagrante. Cinco meses depois do acidente, o juiz Renato Castro Teixeira Martins, do Tribunal do Júri do Paranoá, decidiu mandar o réu para júri popular. A defesa, feita por profissionais do Núcleo de Prática Jurídica do UniCeub, apelou ao TJDFT, e os desembargadores desclassificaram a conduta para homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção do veículo ; o crime é previsto no CTB.

O coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do UniCeub, Renato Oliveira Ramos, explica que, no entendimento dos magistrados, o réu não se embriagou para tomar coragem e cometer o homicídio. ;Ele bebeu. Dirigiu porque precisava voltar para casa e, no caminho, aconteceu o acidente. Sendo assim, não há como caracterizar a conduta dele como dolo eventual;, argumenta. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) recorreu da decisão, e o processo aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Doutor em saúde pública, o professor da Universidade de Brasília (UnB) David Duarte afirma que os recordistas de flagrantes em lei seca, certamente, assumiram o volante sob efeito de álcool muito mais vezes do que foram flagrados. ;Uma pessoa que é pega uma vez por ano, com certeza dirigiu alcoolizada pelo menos 100 vezes nesse período;, assegura. O especialista se ampara em duas pesquisas. A mais recente, feita com estudantes da UnB, revelou que 25%, ou 10 mil alunos, admitiram ter guiado embriagados no mês anterior ao questionário. A outra, realizada há cerca de quatro anos, apontou que 200 mil motoristas dirigem alcoolizados por semana no DF.

Cartas marcadas
Para tirar das ruas os infratores contumazes da Lei Seca, o Departamento de Trânsito (Detran) prepara uma operação especial. Além de ir até a residência desses motoristas para recolher a habilitação, o órgão está cadastrando o nome deles no sistema dos equipamentos conhecidos como OCRs (câmera que faz a leitura da placa e acusa se o carro tem pendência). ;Ainda que não haja restrição para o veículo, o agente saberá que o condutor está com a CNH suspensa ou cassada e outra equipe será acionada para fazer a abordagem;, antecipa o diretor de Policiamento e Fiscalização do Detran, Silvain Fonseca.

A autarquia também deu início à Operação Cartas Marcadas. Ela consiste no monitoramento e na abordagem desses motoristas nas vias. ;Quem tiver com a carteira suspensa e for pego dirigindo, vai enfrentar um processo de cassação do documento. E, depois, só voltará a dirigir quando se habilitar novamente;, alerta.

Crimes
Entre os delitos de trânsito, estão o homicídio; a lesão corporal; deixar de prestar socorro à vítima; dirigir alcoolizado (a partir de 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões) ou com a CNH suspensa; e disputar racha.

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