Cidades

Abandonada, mansão de Valmir Amaral é alvo de ladrões e de moradores de rua

Antes frequentada por políticos e empresários, propriedade é constantemente invadida. Família deixou a casa em agosto, após uma decisão judicial tomá-los a construção, que ocupava área pública

Renato Alves
postado em 05/01/2017 12:34

[VIDEO1]

Conhecida pelas festas e pela invasão de área pública, a mansão do empresário e ex-senador Valmir Amaral, 56 anos, virou abrigo de bandidos e moradores de rua. O único caseiro designado para cuidar da propriedade, no Conjunto 1 da QL 8 do Lago Sul, uma ponta de picolé que invade área de proteção ambiental, não consegue impedir a entrada dos invasores e os constantes furtos.

Leia mais notícias em Cidades

O político e a mãe dele deixaram a casa em agosto, após uma decisão judicial tomá-los a construção. Mas eles abandonaram muitos pertences no imóvel, como móveis e aparelhos eletrônicos. Desde então, ladrões levaram, ao menos, seis televisores, botijões de gás e itens de acabamento, como maçanetas.

[SAIBAMAIS]Uma equipe do Correio esteve no endereço na manhã desta quinta-feira (5/1) e constatou o abandono e o vandalismo. A casa estava toda fechada. Na garagem, havia dois carros antigos, de colecionadores, uma Mercedes Benz e uma BMW, ambas cobertas por lona. A piscina estava com água escura, suja. O campo de futebol foi tomado pelo mato. Três viveiros não tinham pássaros.

A desocupação na casa da família de Valmir Amaral ocorreu em 22 de agosto de 2016. A área, de 19,8 mil metros quadrados, incluía terras públicas, onde Amaral construiu garagens, guaritas, heliponto, salão de festas, quadra de tênis, capela, viveiros, quadra poliesportiva, campo de futebol, sauna, banheiros, além de trechos pavimentados e três deques.

Antes frequentada por políticos e empresários, propriedade é constantemente invadida. Família deixou a casa em agosto, após uma decisão judicial tomá-los a construção, que ocupava área pública

CNH e passaportes recolhidos

Em uma decisão inédita, em novembro de 2016, a Justiça do DF mandou recolher o passaporte e a carteira de habilitação de Valmir Amaral e de três parentes dele, como forma de forçá-los a pagar uma dívida avaliada em R$ 8 milhões. A juíza Joselia Lehner Freitas Fajardo, da Vara Cível de Planaltina, acatou argumentos de um credor do conglomerado Amaral, representado pelo escritório de advocacia Neolaw.

A decisão levou em conta o Novo Código de Processo Civil, que estabelece novas regras para execuções de dívidas. Na decisão, a juíza levou em conta o alto padrão de vida que Amaral mantém, apesar da falência das empresas na área de transporte. A família não tem patrimônio em seu nome e a Justiça já tentou de todas as formas buscar bens para executar dívidas.

Na decisão, a juíza usou de certa ironia. Ao suspender o direito de dirigir, a magistrada registrou: ;Se não possuem veículos, também não precisarão de carteira de motorista para dirigir;. Sobre o confisco dos passaportes, a juíza ressaltou: ;Atualmente no Brasil apenas viajam para o exterior as pessoas com alto padrão aquisitivo, tendo em vista a alta do dólar e o período de recessão econômica;.

Baladas, carros de luxo e decadência

Vidrado em baladas, empresário com amigos influentes, um político feijão com arroz. Foi transitando entre esses papéis que Valmir Amaral fermentou os negócios do pai, Dalmo Josué do Amaral, construiu um patrimônio milionário, chegou ao Senado Federal, tornou-se pivô de uma rede de intrigas familiar e de escândalos de corrupção que respondem pela recente dilapidação de seu império, no auge durante a parceria com o ex-governador Joaquim Roriz, mas agora em evidente decadência. Em maio de 2012, teve a coleção de carros de luxo, lanchas e apartamento penhorados pela Justiça.


Em evidente decadência Valmir Amaral teve, em maio de 2012, a coleção de carros de luxo, lanchas e apartamento penhorados pela Justiça
Valmir Amaral experimentou uma rápida ascensão. Único filho homem de Dalmo e de Ana Amância do Amaral, foi ele quem tomou a dianteira da primeira empresa, a Santo Antônio, criada pelo pai em sociedade com três tios. Dalmo é de uma geração que cavou fortuna na nova capital. Em 1968, ele vendia caminhões de areia. Como Roriz e Nenê Constantino, que se tornou outro magnata do transporte, a família Amaral começou fazendo frete da matéria-prima do concreto. Época em que o Distrito Federal ainda era um rincão.

Brasília ficou pronta. Roriz largou as carretas de areia e entrou para a política. Dalmo Amaral seguiu no transporte, mas trocou os caminhões por uma modesta frota de ônibus que atendeu às primeiras rotas da Santo Antônio no Entorno. Já nesta época, a família Amaral cruzou, pela primeira vez, o caminho com Luiz Estevão de Oliveira Neto, outro personagem que mais tarde seria determinante na trajetória de Valmir. Com a ajuda do tio Lino, Luiz Estevão começou em Brasília vendendo pneus. Dalmo era um de seus clientes mais assíduos.

A cidade projetada para abrigar o poder seguiu crescendo, com Roriz mais poderoso a cada mandato e Dalmo, mais rico. Com o tempo, as empresas de transporte terrestre se multiplicaram, com as permissionárias Rápido Veneza, Rápido Brasília, Viva Brasília, além das demais operadoras de linha intermunicipais Esa e Transprogresso. Mas o chão ficou limitado para os Amaral. Começaram, então, a explorar os ares. Tornaram-se donos de helicópteros e de aviões. Abriram uma empresa de táxi aéreo, a Esat, com sete aeronaves.

Como riqueza e campanha política sempre andam próximas, a relação da família Amaral com Roriz só cresceu. Dalmo e o filho, Valmir, tornaram-se conhecidos financiadores de campanhas na cidade. Não apenas pelas posses, como os aparatos aéreos que colocavam à disposição de seus escolhidos, mas pelo estilo folclórico com que atuavam no processo eleitoral.

Em 1998, a amizade entre Dalmo e Roriz uniu Valmir e Luiz Estevão. Roriz disputaria o governo contra Cristovam Buarque. Valmir foi o indicado de Roriz para a suplência de Estevão na vaga de senador da República. Venceram todos. Mas quem mais usufruiu da vitória foi Valmir, que sem nunca ter levado um voto ocupou o mandato por seis anos e seis meses. Três vezes mais do que o titular, envolvido no escândalo de superfaturamento das obras do TRT de São Paulo e cassado em 2000. Sete anos depois, envolvido em outra crise, a da Bezerra de Ouro, era a vez de Roriz deixar prematuramente o tapete azul com menos de um ano de mandato.

Apesar de abatido por denúncias de que suas empresas teriam se valido de empréstimos ilegais do Banco de Brasília (BRB), Valmir Amaral se segurou no mandato. Foi até o fim do mandato e, embora filiado primeiro no PMDB e depois no PTB de Gim Argello, nunca mais disputou um cargo eletivo. A falta de traquejo para a política, no entanto, não o impediu de fazer bons amigos no Senado. Um deles, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). A relação ficou tão próxima que Valmir comprou propriedades em Alagoas e chegou a desfilar com Renan pelos ares alagoanos em época de campanha.

Ivete Sangalo, Leonardo, Chitãozinho

Se Valmir ostentou poucos atributos políticos, descontou na vida social. Apreciador cavalos, ele jogava tênis e adorava passear de lancha no Lago Paranoá. Quando morava na QL 8 do Lago Sul, o empresário ficou conhecido pelas festas embaladas por cantores da moda. Já soltaram a voz na residência do ex-senador gente como Ivete Sangalo, Leonardo, Chitãozinho e Xororó, dupla que animou as bodas de ouro dos pais, em 2010.


Quando morava na QL 8 do Lago Sul, o empresário ficou conhecido pelas festas embaladas por cantores da moda. Já soltaram a voz na residência do ex-senador gente como Ivete Sangalo, Leonardo, Chitãozinho e Xororó, dupla que animou as bodas de ouro dos pais, em 2010
A festa milionária teve mil convidados. Entre os bens pendurados pela Justiça em meio a uma briga pela dissolução da sociedade familiar, há uma Lamborghini Gallardo, uma Ferrari, um Porsche. Desde 2012, os possantes estão em poder da Justiça.

Fim do conglomerado de ônibus

Em fevereiro de 2013, veio o mais duro golpe no clã Amaral. Um decreto publicado no Diário Oficial instituiu uma situação inédita na capital do país: a intervenção em parte do sistema de transporte público coletivo do Distrito Federal. A partir do dia 22 daquele mês, o governo do DF assumiu o controle, a administração e a operação das empresas Viva Brasília, Rápido Veneza e Rápido Brasília, integrantes do Grupo Amaral, do ex-senador.


Um decreto publicado no Diário Oficial instituiu uma situação inédita na capital do país: a intervenção em parte do sistema de transporte público coletivo do Distrito Federal. A partir do dia 22 daquele mês, o governo do DF assumiu o controle, a administração e a operação das empresas Viva Brasília, Rápido Veneza e Rápido Brasília, integrantes do Grupo Amaral
Para promover a medida, o governo preparou uma operação diretamente coordenada pelo governador Agnelo Queiroz (PT) e pelo vice Tadeu Filippelli (PMDB). Acompanhados por policiais, técnicos e analistas do DFTrans e técnicos da Secretaria de Transportes vão assumir a administração das empresas que transportavam 100 mil passageiros por dia (mais de 2,2 milhões por mês).

A operação das linhas ficou a cargo da Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB), sob a supervisão do presidente da empresa pública, Carlos Alberto Koch, com o aproveitamento da frota, estrutura e pessoal das três permissionárias privadas. Cobradores e motoristas serão mantidos, mas o governo terá o controle do fluxo de caixa, da arrecadação e da parte administrativa.

O mecanismo é denominado na Lei Orgânica do DF como ;assunção; dos serviços. O objetivo do governo era o reequilíbrio para manter a operação e fazer valer as obrigações das três permissionárias que vinha sendo sistematicamente descumpridas há meses tornando-as campeãs em reclamações de passageiros de ônibus principalmente na saída Norte do DF. As empresas tinham a concessão de linhas em Planaltina, Sobradinho, São Sebastião, Paranoá e Itapoã em ligação com o Plano Piloto. Para atender a necessidades diárias e manter o sistema em operação, o GDF abriu uma linha de crédito para custear despesas emergenciais, com um limite de R$ 15 milhões.

O Grupo Amaral começou a ser desfeito após ser limado da licitação das linhas de ônibus do DF, a primeira da capital. O processo começou em 2011 e terminou em 2013.

Os rolos do ex-senador

Valmir Amaral entrou para a política em 2000 na vaga aberta pelo senador cassado Luiz Estevão. Ganhou sete anos de mandato sem ter de passar pelo teste das urnas. Como o antecessor, Amaral também é alvo de uma série de acusações de negócios considerados irregulares e fraudulentos.

Empréstimos irregulares

Pouco após estrear como senador, surgiram denúncias de empréstimos irregulares envolvendo as empresas dele e o Banco de Brasília (BRB). O Grupo Amaral tinha uma dívida de R$ 6 milhões com o banco estatal, que já era cobrada na Justiça, e mesmo assim arrancou um novo empréstimo, de R$ 4,6 milhões.

Sem concorrência

Já na vaga de suplente de senador, Amaral ganhou 88% de 218 novas linhas de ônibus abertas em Brasília, sem licitação. Entre elas, as mais rentáveis da TCB, como a GranCircular, o que levou a estatal a quase extinção. Tudo graças a decreto assinado pelo aliado político Joaquim Roriz, então governador, em 2001. Amaral financiou as campanhas de Roriz e Estevão.

Escândalo sexual

Em 2005, um barco de Amaral naufragou no Rio São Francisco, no norte de Minas Gerais, e matou três dos seus empregados. Além dos mortos, na embarcação, estavam duas meninas, e mais seis funcionários do político. Todos participavam de uma festa, que teria sido organizada por ele, às margens do rio, onde ficou ancorado um luxuoso barco do então senador. Havia suspeita de exploração sexual de menores, mas o Senado e a Polícia Civil mineira não levaram as investigações adiante.

Invasão no Lago Sul

Em 2006, Valmir Amaral trocou a casa de classe média em Sobradinho por uma mansão no Lago Sul. Em nome do pai dele, Dalmo Amaral, a propriedade virou caso de polícia. A Justiça do DF aceitou uma denúncia do MP contra ele, em janeiro de 2007, por acusação de ocupar irregularmente área verde. O empresário ergueu - na área pública entre a margem do lago e o que deveria ser o limite da propriedade -garagens, heliporto, campo de futebol com arquibancadas e quadra de tênis. Além disso, construiu três píeres, avançando sobre as águas.

Briga em família

Tia de Valmir Amaral, Dalva Rosa do Amaral o acusa de ter invadido as linhas de ônibus de sua pequena empresa de transporte coletivo em Planaltina de Goiás. Mas nem mesmo com a decisão judicial que obteve em seu favor, ela conseguiu retirar os ônibus de Valmir de sua área de atuação.

Bens penhorados

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) mandou penhorar os bens de empresas do ex-senador Valmir Amaral, no valor de R$ 38,5 milhões, em maio do ano passado. A quantia se refere à participação de Dorival Josué do Amaral e Luzia Domingos Caixeta do Amaral, tios do ex-parlamentar, na dissolução societária de 11 empresas do Grupo Amaral.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação