Cidades

Estevão está sob suspeita de pagar propina a servidores na Papuda

Ex-senador tinha acesso a regalias proibidas para outros resos, como chocolate e café. Ele prestou ontem depoimento na Justiça Federal e reencontrou a família

Helena Mader, Isa Stacciarini
postado em 02/02/2017 06:00

Ex-senador tinha acesso a regalias proibidas para outros resos, como chocolate e café. Ele prestou ontem depoimento na Justiça Federal e reencontrou a família

A Polícia Civil investiga a concessão de regalias a presos do Complexo Penitenciário da Papuda, em especial para o ex-senador Luiz Estevão. A principal linha de apuração é que houve pagamento de propina a servidores para que fosse liberada a entrada de produtos proibidos. Com isso, o empresário pode acrescentar mais um crime à sua extensa ficha criminal: corrupção ativa. As irregularidades levaram à exoneração de dois diretores do sistema prisional. Ontem, Estevão prestou depoimento em uma audiência na Justiça Federal, em uma ação penal por sonegação fiscal. Na chegada à oitiva, ele confirmou que havia chocolate e café em sua cela. O ex-senador aproveitou as poucas horas de liberdade para se reunir a sós com a família, apesar de decisão judicial que determinou o isolamento do preso, por infração disciplinar (leia mais na página 22).

Luiz Estevão está isolado com mais 10 detentos, segundo ele mesmo confirmou ontem aos jornalistas que acompanhavam a audiência. O recebimento de produtos proibidos, como macarrão e chocolate importados, uma cafeteira e cápsulas de café, foi descoberto no fim de dezembro, após uma inspeção realizada na cela do ex-senador e na cantina que fica no mesmo bloco. Agentes constataram as regalias e encaminharam a denúncia à Justiça (veja Entenda o caso). A juíza da Vara de Execuções Penais (VEP), Leila Cury, constatou que ;o mesmo (Luiz Estevão) estaria sendo privilegiado em relação ao recebimento de alimentos diferenciados;.

Em uma edição extra do Diário Oficial do Distrito Federal de ontem, o governador Rodrigo Rollemberg exonerou o diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP), Diogo Ernesto de Jesus, e o diretor adjunto da unidade, Vitor Espíndola Sales de Souza. Eles serão substituídos por João Vitor da Anunciação e Tiago Veloso Machado, respectivamente. Os novos chefes são agentes de atividades penitenciárias. O principal cotado para gerir o CDP era o delegado Johnson Kennedy Monteiro, diretor da Penitenciária I do DF. Além de desrespeito a normas do sistema, Estevão é acusado de desacato a um diretor do presídio ao ser questionado sobre a presença de itens proibidos em sua cela.

Propina

A Polícia Civil descarta que a entrada de produtos proibidos para beneficiar Luiz Estevão tenha ocorrido por uma falha administrativa. Os investigadores estão certos de que os itens não chegaram ao local por meio de visitantes nem foram transportados de forma oculta, com um drible no esquema de segurança. Os policiais à frente do inquérito sigiloso, aberto para apurar o caso, acreditam que o ex-senador teve acesso aos privilégios graças ao pagamento de propina. Portanto, servidores podem ter facilitado a chegada dos itens ao ex-parlamentar. Caso a suspeita se confirme, os funcionários responsáveis responderão por corrupção passiva.

Paralelamente às investigações na Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco), promotores do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) tentam desvendar como o empresário conseguiu ter acesso aos artigos proibidos. Hoje, completa uma semana que o preso foi transferido para a solitária. Ele ficará isolado por 10 dias em um cubículo de 16 metros quadrados. Ao chegar ontem para a audiência, o próprio empresário confirmou as irregularidades. ;Tinha chocolate e café, sim;, declarou.

Liberdade

Ex-senador tinha acesso a regalias proibidas para outros resos, como chocolate e café. Ele prestou ontem depoimento na Justiça Federal e reencontrou a famíliaO empresário passou a tarde fora da prisão, sem algemas, no prédio da Justiça Federal, na 510 Norte. Escoltado por policiais federais, ele chegou para prestar depoimento às 15h40, usando um uniforme branco de presidiário. Antes de subir para o 4; andar, onde fica a 10; Vara Federal, ele trocou o traje de detento por uma calça jeans e uma camisa polo azul. Estevão teve a chance de se reunir com o advogado Marcelo Bessa e seguiu para a audiência, ao lado do defensor. Escutou o depoimento de cinco testemunhas de acusação e de uma informante. Depois, respondeu a todas as perguntas do Ministério Público Federal e da juíza Adriana Hora Soutinho de Paiva.

A audiência de instrução e julgamento realizada ontem na Justiça Federal se refere a uma ação penal, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2012. Os supostos crimes remontam aos anos 1990, quando empresas ligadas a Luiz Estevão atuaram na obra do metrô do Distrito Federal e teriam sonegado impostos.

A CIM Construtora e Incorporadora de Moradia recebeu dois cheques no valor de R$ 2,2 milhões, em 1995, por pagamentos referentes à construção. Mas a empresa que era oficialmente responsável pela empreitada era a firma Moradia Sociedade e Cotas de Participação, que, posteriormente, se fundiu à Saenco Saneamento e Construções. Os repasses feitos à CIM Construtora não foram contabilizados nem geraram o pagamento de impostos. O MPF alega que Luiz Estevão foi o responsável pela sonegação fiscal. Porém, ele alegou que não respondia pelas empresas, pois, à época, era deputado distrital. Pediu, então, a extinção da ação penal. Mas os procuradores da República sustentam que o ex-parlamentar continuou controlando as empreiteiras.


Entenda o caso

Alimentos proibidos

Os privilégios de Luiz Estevão foram descobertos após denúncia feita para o TJDFT durante o recesso de fim de ano do Judiciário. Segundo o processo, o diretor adjunto do CDP, Vitor Espíndola, teria ido à Papuda, em um sábado, fora do horário de expediente, na companhia do presidente do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias (Sindpen-DF), Leandro Allan Vieira, e permanecido na cela do ex-senador por mais de uma hora. Após a volta do recesso, a juíza da Vara de Execuções Penais, Leila Cury, encaminhou um ofício à Sesipe e ao MPDFT para que apurassem o caso. Foi, então, realizada uma vistoria da Sesipe, na quinta-feira da semana passada, quando foram encontrados alimentos e objetos não permitidos na cela de Luiz Estevão e na cantina frequentada por ele. Desde então, Estevão está em uma solitária. Segundo a Justiça do DF, ele desrespeitou normas do sistema e desacatou o coordenador-geral da Sesipe, Guilherme Nogueira.


Palavra de especialista

Privilégio e desordem
;É evidente que em um ambiente tão pouco agradável, para não dizer hostil, como o ambiente prisional, essas iniquidades ou desigualdades produzem algum tipo de constrangimento para quem não tem o privilégio. Além disso, elas podem refletir, ainda mais, a desigualdade social e até de critérios no tratamento de presos. Isso reflete o completo desarranjo do sistema prisional. É um sistema desigual, fragmentado, no qual as divergências entre os indivíduos abrigados no mesmo lugar expressam essa desordem, que, de alguma maneira, é causa e consequência do desarranjo interno. Eu acredito que, certamente, essas diferenças paradoxais, para mais ou para menos, só podem agravar a situação;.

George Felipe Dantas,
consultor em segurança pública e coronel reformado da PM

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