Cidades

Documentos explicam origens da grilagem de terras no Distrito Federal

Além do monitoramento de associações ligadas à habitação, a Secretaria de Segurança Pública acompanhou a atuação de grileiros na região

Helena Mader
postado em 08/02/2017 06:00 / atualizado em 19/10/2020 14:15

Em setembro de 1986, manifestações por habitação tomaram conta do DF. À esquerda, moradores de Sobradinho cobram lotes. À direita, a população da então Vila Paranoá

 

A luta por moradia e as invasões de terras públicas são dois pilares da política do Distrito Federal. Nas últimas décadas, a condescendência das autoridades diante da grilagem e as promessas de habitação caminharam juntas. Documentos da Secretaria de Segurança Pública do DF, mantidos sob sigilo desde os anos 1980, mostram as origens do movimento pela casa própria e, paralelamente, a atuação de grileiros em várias cidades. Os arquivos revelam a passividade do governo diante de um problema que se mostrava evidente à época. Também dão detalhes dos bastidores do surgimento de políticos que alavancaram carreiras à custa do sonho de moradia de milhares de brasilienses.

No quinto dia da série “Brasília Confidencial”, construída com base em acervos abertos neste mês pelo Arquivo Público do Distrito Federal, o Correio revela como os militares monitoraram a atuação de associações de inquilinos e de organizações em defesa da criação de novos assentamentos. Esses movimentos são a raiz de muitas cidades do Distrito Federal. Poucos anos depois, pressionado pelas lideranças do setor, o então governador Joaquim Roriz criou localidades como Recanto das Emas e Samambaia.
 

Agentes da Secretaria de Segurança Pública também cadastraram e interrogaram alguns integrantes dessas entidades, identificados como possíveis grileiros ou líderes de invasões. Um deles se notabilizou nos anos 2000 pelas mesmas acusações: o ex-deputado José Edmar. No acervo do Arquivo Público, há uma ficha do ex-parlamentar, que, segundo investigações da época, teria envolvimento com a invasão de terras em cidades como Taguatinga.

Os líderes dos movimentos, de acordo com os relatos, chantageavam o governo e pressionavam pela liberação de assentamentos. Um dos documentos detalha como o grupo ocupou uma área na região da Boca da Mata, na QSE, em Taguatinga. “Em 4 de julho (de 1985), constatou-se a existência de 300 barracos, construídos nos últimos 30 dias. Constatou-se também que aproximadamente 170 pessoas trabalhavam na montagem de 50 novos barracos. A Polícia Militar evitava a entrada de materiais (tábuas, telhas etc.), afim de inibir o intento dos invasores”, diz um trecho de documento com carimbo de confidencial.

Além do monitoramento de associações ligadas à habitação, a Secretaria de Segurança Pública acompanhou  a atuação de grileiros na região
 
Essa mesma ocorrência descreve um encontro comandado pelos líderes do movimento, entre eles José Edmar. “Na referida reunião, que contou com a presença de 1,2 mil pessoas, ficou decidido que, caso o GDF não atendesse as reivindicações, os invasores deveriam invadir a área denominada Samambaia”. Em 10 de julho, apenas seis dias depois da inspeção anterior, o número de barracos tinha saltado de 300 para 8 mil. “As construções são feitas por grupos de invasores que acorriam à área motivados por boatos em Taguatinga e em Ceilândia de que quem invadisse qualquer terreno seria o dono”, detalha um relatório das autoridades.

Desembarque

Poucos dias depois, a Terracap conseguiu na Justiça uma decisão determinando a reintegração de posse da área invadida. “Os trabalhos de remoção desenvolveram-se dentro da normalidade, ressalvando-se pequenos incidentes. Alguns invasores instigados por José Edmar de Castro Cordeiro armaram barricadas, tentando impedir a entrada do policiamento no local da invasão”, descreve um relatório oficial da Secretaria de Segurança Pública.

Em 1985, as notícias sobre a oferta de lotes em Brasília corriam o país, o que motivou uma forte onda de migração. Documentos mostram o desembarque de pessoas de vários cantos do Brasil, especialmente de municípios baianos. No Trecho 2 do SIA, a polícia identificou, em outubro daquele ano, “a presença de 11 famílias oriundas das cidades de Irecê, Ibotirama e Bom Jesus da Lapa, Estado da Bahia, totalizando 60 pessoas entre adultos e crianças, que estão abrigadas em barracas naquela área”. No mesmo dia, 30 famílias se instalaram na margem direita da Estrada Parque Taguatinga (EPTG), próximo ao viaduto da linha férrea. “As famílias mencionadas têm características de ciganos em sua indumentária e em seus adornos, apesar de terem negado sê-los”, descreve um documento.

A invasão da Estrutural começou na mesma época. Há relatórios que detalham a ocupação, quando ela se limitava a um pequeno assentamento. “Outro foco de invasão está concentrado junto à Via Estrutural, lado direito no sentido Plano Piloto—Taguatinga, onde existem, aproximadamente, 70 barracos, todos levantados ao lado do aterro sanitário do Serviço de Limpeza Urbana. Naquele local, residem cerca de 350 pessoas, que sobrevivem dos restos de lixos ali depositados”, diz ficha de 1984.

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