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UnB 55 anos: conheça o professor que é o pai da astronomia na universidade

Por meio de laboratório, observatório e oficina, José Leonardo Ferreira leva conhecimento até para além dos muros acadêmicos

Renato Alves
postado em 24/03/2017 06:00
Apaixonado por física desde criança, para José Leonardo Ferreira, nem o céu é o limite

José Leonardo Ferreira vive com a cabeça no espaço há quase 40 anos. De sorriso fácil, hábitos e vestes simples, o experiente professor é considerado o pai da astronomia na Universidade de Brasília (UnB). Coordenador do Laboratório de Física de Plasma e do Observatório Astronômico, ele se dedica a estimular estudantes a desvendarem os segredos do universo ; inclusive, alunos do ensino médio da rede pública, a quem ensina a fabricar telescópio com material barato. Entre outros feitos, colocou a instituição candanga no seleto grupo das entidades de monitoramento de asteroides perigosos e cometas.
A vida do professor de 61 anos é estreitamente ligada à de Brasília e à da UnB, instituição que completa 55 anos no mesmo dia em que a capital faz 57. Nascido em Uberaba (MG), José Leonardo se mudou com a família quanto tinha 6 anos. Os pais decidiram trocar o Triângulo Mineiro pelo Centro-Oeste apostando no futuro promissor de uma cidade em construção. O casal desembarcou no Distrito Federal em 1961, com os três filhos pequenos, em meio à poeira dos canteiros de obras. ;Fã de JK, a minha mãe embarcou no sonho dele.;

Comerciante, a mãe logo montou um salão de beleza e uma loja de roupas no Setor Comercial Sul. O pai, técnico em fisioterapia, encontrou emprego no Hospital Distrital, o atual Hospital de Base. Os pais matricularam os filhos na Escola Parque 308 Sul, da qual eram vizinhos. ;Eu me considero um produto do Anísio Teixeira;, comenta José Leonardo, reverenciando o educador que dirigiu a UnB e executou medidas para democratizar o ensino brasileiro e defendeu a experiência do aluno como base do aprendizado, criando, por exemplo, as escolas parques do DF.

A física entrou na vida de Leonardo quando ele tinha 12 anos. ;Minha mãe me deu de presente um brinquedo caro, o Engenheiro Eletrônico, da Philips. Com ele, montei o meu primeiro rádio;, lembra. Também foi a mãe quem o mandou para um colégio interno, em Anápolis (GO). ;No Colégio Couto Magalhães, aprendi a gostar de matemática, graças a um professor alemão, bem alto, magro e rígido;, ressalta. A física ele aprendeu para valer no antigo pré-universitário Sigma, em Brasília. ;Ele tinha ótimos professores de física.;

Alvo da ditadura

Ingressando na UnB em 1974, José Leonardo concluiu o curso de física três anos depois. ;Nessa época, tive a minha maior decepção na UnB. Como vivíamos em uma ditadura, ninguém podia reclamar. Mas um professor contou à (revista) Veja que um telescópio caríssimo, do nosso departamento, estava parado, deteriorando-se por falta de manutenção. A denúncia foi publicada e ele, demitido imediatamente. Nunca consertaram o telescópio, comprometendo o projeto de criação do laboratório de astronomia;, lembra.

Apesar do episódio, o plano de José Leonardo era seguir a carreira acadêmica na universidade brasiliense. Mas, em 1977, quando almejava iniciar o mestrado, a reitoria o puniu severamente. Ele e outros estudantes da UnB haviam participado, em maio, de um ato público que culminou em uma greve contra sanções administrativas aplicadas a estudantes pelo reitor José Carlos de Almeida Azevedo, nomeado pelo governo militar. Como consequência, em 18 de julho, Azevedo expulsou 30 alunos e suspendeu outros 34 (leia Memória).

José Leonardo entrou na lista dos suspensos por ser o representante estudantil do curso de física. Perseguido na UnB, percebeu que a única saída para continuar os estudos era procurar outra instituição. ;Fui para a Universidade de São Paulo (USP), onde me especializei em física nuclear;, conta. Da universidade paulista, seguiu para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), contratado. ;Lá, conheci a astronomia, à qual me dedicaria desde então;, observa. Pelo Inpe, ele viajou o mundo em trabalhos de cooperação internacional. Conheceu o que de mais avançado havia na sua área.

Volta para casa

Após mais de uma década em São Paulo, o mineiro de Uberaba decidiu voltar a morar em Brasília, em 1992. ;Não era esse o meu plano, mas a minha mãe estava com câncer e decidi cuidar dela. Fui cedido pelo Inpe ao Ministério da Ciência e Tecnologia;, explica. Mas ele detestou a burocracia oficial. E, para não ter que deixar a capital e a mãe, fez concurso para professor da UnB, em 1994. Aprovado, trouxe para a universidade candanga o conhecimento e os equipamentos do Inpe. Montou o Laboratório de Física de Plasma.

A partir de então, a UnB começou a pesquisar fenômenos de relevância espacial. ;Fizemos, e ainda fazemos, parte de vários projetos de colaboração internacional. Um deles, com o Canadá, para eliminação de poluentes usando plasma ; o quarto estado da matéria, presente em 99% de tudo o que existe no universo;, ensina o professor. Em 2000, ele reencontrou, em uma conferência na Hungria, colegas pesquisadores da França. Dessa reunião, surgiram parcerias para pesquisas com satélites. Em seguida, o Laboratório de Física de Plasma da UnB passou a desenvolver tecnologia para o Inpe.

Com o laboratório em pleno funcionamento, José Leonardo passou a se dedicar a outros dois xodós: o Observatório Astronômico Luiz Cruls e a Oficina de Astronomia da UnB. Inaugurado em outubro de 2016, o observatório fica na Fazenda Água Limpa, no Núcleo Rural Vargem Bonita. Equipado com um telescópio de médio porte, tem como umas das finalidades estimular o ensino de física entre alunos, dar apoio para disciplinas da área na universidade e ajudar as pesquisas da pós-graduação. Já a Oficina de Astronomia, montada no subsolo do ICC Sul, tem como principal meta difundir a astronomia entre estudantes de todas as idades. Nela, o professor e os voluntários ensinam até a fabricar telescópio com canos de PVC e outros materiais baratos ; ideia que leva a escolas públicas do DF, por meio de oficinas.

Mesmo aposentado desde 2014 (recebe um abono permanência), o sexagenário José Leonardo, com pós-doutorado pela Universidade da Califórnia, não pensa em parar. ;Não me vejo fazendo outra coisa. Só pretendo largar a UnB quando não tiver mais forças para trabalhar.; O professor também não quer deixar Brasília, onde mora com a filha, uma professora de inglês. Devido ao câncer, a mãe dele morreu em 1996. O pai, em 2005. Sobre a situação atual da UnB, ele vê mais virtudes do que problemas. ;A atual reitora e os seus antecessores passaram mais tempo correndo atrás do prejuízo. A instituição não tem dinheiro, mas tem um capital humano que a mantém entre as melhores do país.;

R$ 200 mil
valor do projeto do Observatório Astronômico Luiz Cruls, da UnB

US$ 37 mil
valor do telescópio, comprado em 2009, mas só usado a partir de 2016

Memória: Câmpus invadido

Em maio de 1977, a UnB sofreu uma série de invasões militares. Estudantes e professores protestaram na L2 Norte pedindo a demissão do reitor José Carlos de Almeida Azevedo. Em 19 de maio, pela manhã, ocuparam a praça Édson Luís e os arredores da Faculdade de Educação para uma assembleia. Depois, dirigiram-se, em passeata, até a reitoria, onde fizeram novos protestos em frente ao Restaurante Universitário. De imediato, o reitor suspendeu 16 alunos identificados como líderes das manifestações. No dia seguinte, estudantes decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. O reitor chamou a Polícia Militar, que tomou o câmpus e bateu em estudantes. Em 6 de junho, por volta das 12h, tropas militares invadiram mais uma vez a instituição, prendendo estudantes e intimando professores e funcionários. Em 17 de junho, houve na primeira reunião do Conselho Universitário (Consuni) desde a criação. Na pauta, as punições aplicadas pelo reitor. À exceção dos professores José Carlos Coutinho e Marco Antônio Rodrigues Dias, o Consuni legitimou as sanções e suspendeu as aulas por 30 dias. Azevedo mandou abrir inquérito, que culminou na punição de 64 estudantes.

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