Cidades

Delações atingem a política do DF: Agnelo e Filippelli receberam R$ 15 mi

Depoimento de João Antônio Pacífico, ex-executivo da Odebrecht, revela que ex-governador e ex-vice receberam pagamento ilícito para acelerar a conclusão das obras do Centro Administrativo

Helena Mader
postado em 13/04/2017 06:00
Centro Administrativo do GDF, em Taguatinga
A apressada inauguração do Centro Administrativo do Distrito Federal (Centrad), no último dia da gestão de Agnelo Queiroz (PT) e Tadeu Filippelli (PMDB), foi motivada pelo pagamento de propina aos então governador e vice-governador do DF. O relato faz parte do depoimento de João Antônio Pacífico, ex-executivo da Odebrecht, divulgado ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) depois da quebra de sigilo das oitivas. Segundo o empresário, a Odebrecht teria negociado o repasse de R$ 15 milhões à dupla, em troca de agilidade na liberação do Centrad, em Taguatinga. O consórcio formado pela Odebrecht e pela Via Engenharia alega ter investido R$ 1,05 bilhão e esperava acelerar o início do pagamento das contrapartidas do governo.

Segundo João Antônio, Agnelo e Filippelli teriam designado Hermano Carvalho, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, para intermediar as tratativas. O objetivo era arrecadar recursos para a campanha à reeleição de ambos. O ex-executivo da Odebrecht contou ter indicado o funcionário Ricardo Ferraz para participar da negociação. A documentação incluída na delação traz 10 telefonemas entre Hermano e Ricardo, de 19 de agosto a 22 de setembro de 2014. ;O codinome utilizado para designar os pagamentos a Agnelo Queiroz e Tadeu Filippelli era o mesmo: comprido/cumprido;, diz o trecho de um dos anexos da delação de João Antônio (veja fac-símiles).
Ex-governador e o ex-vice-governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz e Tadeu Filippelli
O empresário explicou, em depoimento, que o GDF estava inadimplente em relação a várias obrigações decorrentes do contrato do Centrad, o que trazia prejuízo às empreiteiras. ;Nesse cenário, diante da proximidade das eleições de 2014, condicionamos o pagamento dos valores ilícitos ao cumprimento de tais obrigações, tendo sido essa a maneira utilizada por CNO (Odebrecht) e Via para pressionar o Governo do Distrito Federal a se empenhar no cumprimento de suas obrigações perante o Centrad;, detalha o ex-executivo.

João Antônio definiu, então, um cronograma de liberação de recursos, conforme houvesse avanços nas tratativas relacionadas ao Centrad. Após a entrega da primeira fase das obras e o início das contraprestações fixas, haveria o pagamento de propina de R$ 1 milhão a Agnelo e mais R$ 2 milhões a Filippelli, segundo o delator. Quando o GDF aprovasse um aditivo para incluir a compra de mobiliário no contrato, o petista receberia mais R$ 1 milhão. Se o governo aprovasse um aditivo referente ao aumento do escopo do contrato, para incluir obras e serviços, Filippelli seria beneficiado com R$ 1 milhão, e o consórcio ainda repassaria R$ 2,5 milhões adicionais à dupla. A aprovação do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, prevendo o pagamento pela defasagem do índice de reajuste, renderia R$ 2,5 milhões a Agnelo.

De acordo com a delação do ex-executivo, Fernando Queiroz, representante da Via Engenharia, se encarregou de apresentar essas tabelas ao então vice-governador Filippelli e combinar os termos do ajuste, pois, segundo João Antônio, ;tinha mais acesso ao referido agente político;. ;E tal acerto efetivamente ocorreu;, garante o ex-executivo da Odebrecht.


Garantias

O delator revelou aos procuradores e ao juiz Sérgio Moro que teve encontros sobre o assunto com Filippelli, no Buriti. ;Após a confirmação do ajuste, tive algumas reuniões sobre o contrato do Centrad com o vice-governador no gabinete dele, no Palácio do Buriti, e em almoços havidos na residência oficial ou em restaurantes de Brasília;, disse. ;Nesses encontros, embora eu não tenha tratado abertamente com o vice-governador sobre o pagamento de propina, ficava evidente para mim que ele tinha total conhecimento do acerto e das etapas previstas nas tabelas, tendo demonstrado claramente seu interesse no cumprimento.; João Pacífico disse não ter tido encontros com Agnelo, mas acrescentou: ;Acredito que os valores que seriam pagos em seu benefício e as respectivas contrapartidas tenham sido pactuados por Fernando Queiroz diretamente com o vice-governador;. ;Na minha percepção, o governador tinha ciência do acerto.;

Segundo o delator, Filippelli receberia um valor maior nos acertos ;pelo fato de ele ter desempenhado papel de destaque no governo;. Para o delator, ele teria mais condições de cumprir o acerto.

Uma das grandes preocupações do consórcio era a efetivação das garantias contratuais, uma obrigação do governo desde a assinatura da concessão, em 2009. Segundo João Antônio, essa cláusula só foi cumprida no fim de 2013, quando foram assinados os contratos de garantia. Essa etapa era imprescindível para que o Centrad obtivesse a liberação dos financiamentos dos projetos nos bancos, que se recusavam a financiar uma PPP sem garantias do GDF. O documento traz o detalhamento de um repasse de R$ 2 milhões, que teria sido feito a Filippelli em fevereiro de 2014.


Habite-se

Outra etapa importante foi a entrega da primeira fase das obras. Só depois disso o consórcio poderia começar a receber os repasses do governo. Em uma carta de julho de 2014, o governo se comprometeu a cumprir essa obrigação e a condicionou à entrega do edifício, ;que, sabidamente, apenas seria concluído em outubro de 2014, após as eleições;. ;Justamente em razão da assinatura da carta mencionada, a CNO optou por antecipar o pagamento de metade do valor que seria devido ao governador.; Os registros mostram um repasse de R$ 500 mil em setembro de 2014.

Apesar do empenho do governador em liberar as obras, mesmo depois da derrota nas eleições, um parecer da Procuradoria-Geral do DF, publicado em novembro de 2014, vetou repasses do GDF ao consórcio até que o ex-executivo pudesse, efetivamente, usar as edificações. Diante do impasse, as empresas se mobilizaram para conseguir pelo menos o habite-se da primeira fase. ;Embora o habite-se não tenha sido uma contrapartida expressa e previamente pactuada para pagamentos ilícitos, houve um empenho por parte do governo em viabilizá-lo, como forma de compensação pelo recebimento antecipado de um pagamento ilícito referente a uma etapa que não se concretizou;, conta o delator. Segundo ele, Antônio Sabino, que era administrador de Taguatinga, foi exonerado por ter se recusado a liberar o documento, sendo substituído por Anaxímenes dos Santos, que entregou o habite-se.

Tadeu Filippelli classificou como ;absurdas; as declarações de João Antônio Pacífico. ;Desconheço completamente esses fatos e considero absurda a fala desse senhor. As declarações não têm sentido, não têm cabimento.; Segundo Filippelli, ele nunca teve nenhum tipo de interlocução com Hermano Carvalho, citado pelo delator como suposto interlocutor nas negociações. A reportagem não conseguiu contato com o advogado de Agnelo Queiroz, Paulo Guimarães.

Em nota, a Odebrecht entende ;que é de responsabilidade da Justiça a avaliação de relatos específicos feitos pelos seus executivos e ex-executivos. A empresa está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas.;


Confira as delações:

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