Cidades

Tradicional quermesse do Templo Budista atrai gente de todos os credos

Em uma reverência à cultura oriental, mistura dança, gastronomia, oficinas e apresentações artísticas e religiosas. Tudo na mais completa harmonia

Ricardo Daehn
postado em 10/08/2017 06:00
Prestigiada por mais de 30 mil pessoas, ao longo do mês de agosto, com supervisão dos monges Ademar Kyotoshi Sato e Cristina Sato, a tradicional quermesse no templo budista é a mais importante das celebrações do local
Se é pela juventude que se chega ao novo, talvez o melhor jeito de se descobrir e rever conceitos prévios que cercam a ideia de uma quermesse esteja nas observações de sete jovens que estiveram numa das noites da 44; Quermesse do Templo Shin Budista Terra Pura (315/316 Sul), numa festividade estendida por todos os fins de semana do mês de agosto. ;No contato, a gente percebe que os orientais são mais centrados e conscientes;, comentou a estudante Giovana Paes, 17 anos, pela primeira vez no evento.
Entre as tendas de 25 expositores, ela encontrou uma desejada camiseta da banda k-pop BTS, da Coreia do Sul. No encontro do grupo de amigos de Giovana, todos na faixa dos 16 anos, Letícia Montalvão aproveitou para aprofundar os conhecimentos sobre budismo: ;Vejo a quermesse como um meio de se revelar uma cultura diferenciada. Acho que o budismo é uma filosofia de vida;.

No lugar das corriqueiras baladas, os estudantes do ensino médio Guilherme Aguera (que idealiza uma futura viagem para o Japão); Caio Takatsu, admirador das apresentações de dança do evento há três anos; e Lucas Pamplona, consumidor voraz das comidas típicas das barraquinhas ; que prometem o ;melhor yakisoba da cidade; ; juntaram-se a Enzo Nakazato, que tem cidadania japonesa.

Enzo conta que, em viagem ao Oriente, percebeu nuances culturais aparentes no ambiente dos festejos da quermesse do templo brasiliense: ;Há uma organização que valoriza, segue regras pelo que é certo, e ninguém reclama;. No meio do grupo, Guilherme Lucca estava empolgado com a katana (espada associada aos samurais), comprada por R$ 80 no evento.

Prestigiada por mais de 30 mil pessoas, ao longo do mês de agosto, com supervisão dos monges Ademar Kyotoshi Sato e Cristina Sato, a tradicional quermesse no templo budista é a mais importante das celebrações do local, que tem ainda no calendário o Festival das Luzes (maio) e o Festival das Flores (abril). Qualquer caminho ; seja por filosofia, seja por religião ou modelo de vida ; é validado, na prática dos preceitos budistas.

;Nas nossas festas, entram católicos, espíritas, evangélicos. Aqui, não se pede que as pessoas mudem suas histórias. O templo não tem só budistas. O fundamento budista é o de, nesta vida, a pessoa se liberar de sofrimento. Não se trata, aliás, de um prisma individual: a pessoa deve estimular a liberação de outros também;, explica a monja Cristina Sato, há 15 anos integrada à prática budista.

Com doações de alimentos revertidas para instituições carentes, os festejos deste ano desembocarão na renda para a primeira reforma do templo ; inaugurado em 1973 e considerado Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília. À frente dos trabalhos do evento, cerca de 200 pessoas acirram o maior objetivo da quermesse: aprofundar o espírito de vizinhança entre os brasilienses, com oferta de bonsai, voluntariado em oficinas, apresentações culturais, venda de mangás e de quimonos.

A festa é para todos


;Na festa, há meditação e ampliamos a visão budista medieval, prezando um evento que não seja sectário. Com o centenário da imigração japonesa (em 2008), abrimos a quermesse, que, originalmente, surgiu, há décadas, pela disposição de 10 famílias japonesas que se aplicavam na festa, mas numa escala caseira;, conta a monja Cristina Sato. No Japão, o dia de finados transcorre entre15 de julho e 15 de agosto. E a quermesse tem por objetivo a reverência aos antepassados. ;Lembrando deles, cada vez mais, notamos o quanto somos interdependentes. Os orientais celebram a comunhão de vida e de morte, ao contrário dos ocidentais;, esclarece.

Monitor voluntário da oficina de origami, Roberto Gandara, 36 anos, conta que, aliada à meditação, as práticas com as dobraduras de papel o ajudaram a apagar traços de uma depressão. Adepto do origami aos 8 anos e afastado dessa expressão artística por 18 anos, Roberto contabilizou apoio do budismo na superação de difícil fase da vida.

À frente da apostila de origami, que incluía do simplório ensinamento da confecção de um copinho de papel até o árduo trabalho de criação, em papel, de um tsuru (ave sagrada e clássica, representante de prosperidade e de paz), a analista de planejamento Rosa Kazuko, 32, divertia-se na oficina com a filha Catarina Yoko. A feitura de uma raposa estilizada e de uma mera caixinha em dobradura distraíam as duas.

;Aqui, todo mundo é bem-vindo: não vejo o budismo como religião, mas como uma doutrina. Ele me ajuda a encontrar paz de espírito, autoconhecimento e ajuda no reconhecimento de pequenas coisas que, cotidianamente, não damos muito valor;, observou Rosa, neta de japoneses, e versada em origami, desde criança.

Aos 14 anos, a filha Catarina aproveitou para conhecer mais das culturas orientais. ;Gosto de mangá, que eu conheci por causa do meu irmão Vicente. É um outro universo, tanto em termos de desenho quanto de leitura: é tudo bem diferente do que estamos acostumados;, observa.

Super Onze, Pokémon e Dragon Ball Z são alguns dos mangás que fazem a cabeça de Vicente, 12, que deixou Ceilândia Norte por algumas horas de diversão no templo, ao lado do pai, Gabriel Rego, e do irmão Manoel Tadashi, 9. No momento especial da convivência familiar, durante a quermesse, o pequeno Vicente é quem apresenta os benefícios do origami: ;Ele me ajuda no movimento de coordenação motora e ainda me acalma um pouco em alguns momentos de raiva;.


Três gerações unidas pela paz
Evangélica, a técnica em contabilidade Ilca Farias, 53 anos, é exemplo do caráter ecumênico dos visitantes da quermesse do templo budista. ;Nosso Deus é um só! O budismo traz harmonia e muita paz. Aqui, tem-se um ambiente sem brigas, com enorme tranquilidade. Quem vem uma vez ao evento nunca mais deixa de vir;, defendeu Ilca, que, em família, integra três gerações de frequentadoras do evento, ao lado da filha, a advogada Beatriz Farias, 24, e a neta Geovana, 4, que arriscou passos de dança na tradicional bon odori ; ;dança do finado;, em reverência a antepassados.

Professora de taekwondo, Beatriz usufrui das festividades há sete anos. ;Há danças que comemoram a colheita, e, no budismo, o monge se junta à comunidade nos festejos. Nosso templo, em Brasília, tem artes marciais desenvolvidas num ótimo centro de treinamento. Adorei ver as apresentações de kung fu, que tem movimentos que agregam e engrandecem.; Ela ressalta que gosta de acompanhar as exibições de taiko (tambores japoneses) que têm competição e revelam ótima energia corporal dos músicos. ;Com o budismo, a gente vê que o universo transfere aquilo que se oferta: para se colher harmonia no mundo, por exemplo, é preciso cultivá-la consigo;, conclui.


Programe-se

44; Quermesse do Templo Shin Budista Terra Pura (315/316 Sul)

Em agosto, aos sábados e domingos, das 17h às 22h. Festa homenageia os antepassados, na concepção budista. Apresentações de kung fu, de odori (dança típica japonesa) e 25 expositores. Degustação, com opções de yakisoba, guioza e tempura. Três tipos diferenciados de combos (em média, R$ 30, cada). Entrada, R$ 10. A meia (R$ 5) válida para estudantes, idosos e doadores de 1kg de alimento não perecível.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação