Cidades

Cárie faz estragos pelo DF; casos da doença são altos em regiões carentes

Mesmo sem estatísticas, governo admite elevado percentual do problema, decorrente de falta de higiene bucal em regiões carentes

Otávio Augusto
postado em 22/10/2017 06:30
Kézia (C), 8 anos, está prestes a perder um dente. A mãe reclama que a família não é atendida pela rede pública
Imagine uma menina de 8 anos perder dentes para a cárie. Isso acontece na capital federal e com uma frequência alarmante. Brasília está cariada. Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) mostra que 56,7% das crianças entre 6 e 7 anos do Paranoá têm cárie. A situação se repete na Estrutural. Lá, 61,6% sofrem com a doença. Longe de ser um problema pontual, a enfermidade é um mal contínuo na cidade. Apesar de não ter estatísticas, a Secretaria de Saúde destaca que Planaltina, Brazlândia, Ceilândia e toda a área rural reúnem a mesma tendência.

A celeuma tem causa específica: dieta ruim e prevenção precária. O fator socioeconômico colabora com esse panorama. Faltam dentistas, políticas de saúde e informação. A situação degringolou de tal forma que 24% das crianças perdem o dente. Outras 19% convivem com a dor. Mais que investimentos governamentais, acreditam especialistas, é necessária a transformação comportamental.

A menina de 8 anos que está prestes a perder um dente se chama Kézia Marques e mora na chácara Santa Luzia, área carente da Estrutural. Ela vive com a família, pai, mãe e mais dois irmãos, num barraco de madeira. A única vez que se sentou em uma cadeira de dentista foi para receber o diagnóstico irreversível. O dente está comprometido e precisa ser arrancado. ;Tudo começou com uma manchinha, que virou uma dor e acabou desse jeito;, conta a mãe da menina, a dona de casa Débora Marques, 22 anos.

A perpetuação de histórias como a de Kézia são as complicações futuras. Para se ter ideia do que o desleixo com a saúde bucal causa, um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2015, mostra que 11% da população brasileira é totalmente desdentada.

Na casa de Kézia, os irmãos, uma menina gêmea e um garoto de 5 anos, não frequentam o dentista. A família não é atendida pela rede pública. Os médicos do Programa Saúde da Família não acompanham aquelas pessoas. ;Nunca recebi uma visita ou orientação. Faço com os meninos aquilo que acho correto, como escovar os dentes após as refeições;, destaca Débora.

Dieta e escovação


O abismo entre a população e o acesso aos tratamentos é a principal falha. A coordenadora da pesquisa da UnB, professora Soraya Coelho, acredita que cárie não é somente um problema de saúde, mas, sim, social. ;A cárie é uma doença cumulativa e a tendência é se agravar. Isso impacta na falta de apetite, no crescimento da criança, no desempenho escolar e na convivência social;, explica. A especialista acompanha esse cenário desde 2008. Os primeiros resultados da pesquisa foram divulgados em 2011 e o mais recente, no ano passado.

O que Soraya percebe no consultório médico é a falta de informação. ;Os pais, quando conversam com a gente, se sentem culpados. Eles têm dificuldades de acesso ao tratamento público e não têm condições de pagar. O que é preciso ser feito é o controle da dieta com baixa ingestão de doces, sucos industrializados e refrigerantes, além da escovação com creme dental com flúor;, acrescenta. Em média, as crianças que participaram do estudo têm 3,2 dentes com cárie.

Um projeto de monitoramento do Hospital Universitário de Brasília (HUB) acompanhou 180 mães antes do nascimento dos bebês. Elas assistiram a palestras e participaram de oficinas sobre saúde bucal. Metade das mães voltaram com os filhos ao serviço preventivo. ;Observamos que o fato de elas terem voltado pelo menos uma vez ao ano e terem seguido as recomendações reduziu em 46 vezes as chances de os filhos terem cárie em relação às crianças que deixaram de participar;, conta Soraya.

A professora de odontologia da Universidade Católica de Brasília, especialista em odontopediatria, Cinthia Castro, explica que grande parte das crianças desenvolveu cárie desde cedo e que a disseminação é rápida. ;Em áreas com nível socioeconômico maior e com atividades de promoção à saúde, há redução da prevalência da doença. O problema é que as lesões são extensas e se espalham rapidamente. Temos que prevenir para a doença não vir;, alerta. Ela se preocupa com casos severos quando os dentes permanentes são prejudicados.


Deterioração

A cárie está relacionada à desmineralização do dente, que ocorre quando tipos específicos de bactérias produzem ácidos que destroem o esmalte do dente e a camada logo abaixo dela, a dentina. Os ácidos removem os minerais dessa camada, e a falta de tratamento pode resultar na cárie. Existem três sintomas que mostram a doença: dor de dente, dores ao mastigar e sensibilidade ao ingerir alimentos ou bebidas quentes, frias ou doces. Diversos tipos de bactérias vivem na boca e se acumulam nos dentes em uma película pegajosa chamada placa bacteriana.


Em números


40%
Total da população que tem acesso a serviço público de odontologia

11
Centros especializados em odontologia que atendem à população no DF

61,6%
Percentual de crianças entre 6 e 7 anos que têm cárie na Estrutural

106
Equipes de saúde bucal que promovem prevenção e tratamento na cidade


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