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Saiba quais são as dificuldades enfrentadas na previsão do tempo

Meteorologistas falam ao Correio sobre a tarefa de monitorar o clima, principalmente nesses dias de crise hídrica

Otávio Augusto
postado em 22/10/2017 06:33
Luiz Cavalcante, meteorologista: errar a previsão é normal
Nunca o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) esteve tanto em evidência. Qual brasiliense não quer saber se os próximos dias serão de estiagem ou chuvosos? O Correio acompanhou durante dois dias a previsão do tempo na capital federal. Uma rotina ininterrupta, tensa, repetitiva e que leva meteorologistas a extremos.

Desde a crise energética, em 2001, o protagonismo do Inmet jamais alcançou tamanho status. Na última semana, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB), secretários, presidentes e técnicos da Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) e da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa) estiveram lá. Queriam saber a tendência de chuvas na cidade para definir as próximas medidas do racionamento. Visitas desse tipo estão virando rotina.

Desvendar o que as imagens hipercoloridas dos satélites e dos radares trazem e unir isso aos cálculos matemáticos de supercomputadores é uma tarefa que se repete em média a cada 15 minutos. A capital conta com seis estações meteorológicas, entre automáticas e físicas, que fazem a medição da velocidade dos ventos, da temperatura e da umidade do ar. Os dados vêm de Brazlândia, Gama, Planaltina, Paranoá e Plano Piloto.

A cada atualização captada por antenas superpotentes, os meteorologistas anotam, calculam e analisam informações. Todo o trabalho é transformado em números que o leitor confere no jornal, na tevê ou escuta pelo rádio. Para acompanhar as intempéries do clima, seis profissionais se dividem em três turnos de trabalho para que os dados sejam atualizados em tempo real.

Evolução


Há 35 anos, Luiz Cavalcante, 61 anos, bate ponto no Inmet. Ele foi um dos primeiros meteorologistas a chegarem ao órgão, em 1982. ;No começo, eram engenheiros e físicos que faziam a previsão do tempo. A primeira turma de meteorologistas chegou ao Inmet em 1981;, conta. O primeiro concurso para a carreira ocorreu em 1985. ;Fiz a prova e criei raízes aqui;, detalha. Conhecedor do clima da capital alerta: ;Tivemos uma seca semelhante à que vivemos hoje em 1963. Não ficamos sem água porque a população era menor;, explica.

Cavalcante é um velho conhecido do brasiliense. Na década de 1980, ele foi um pioneiro a apresentar a previsão do tempo na televisão. ;Eu saio nas ruas e ainda hoje as pessoas me reconhecem. Em lojas e restaurantes, é natural alguém soltar uma piadinha: ;vai chover?;, ou ;errou a previsão ontem, viu?; Isso é normal;, conta.

Natural de Natal, Cavalcante estudou na Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba. Orgulha-se de ter testemunhado a evolução da profissão. ;Os equipamentos, no começo, eram rudimentares. As imagens, muitas vezes, eram ilegíveis;, lembra. Ele conta que um dos primeiros computadores do Inmet foi doado pelos Estados Unidos. ;O governo não tinha dinheiro para comprar. Não tínhamos como nos comunicar com eles;, detalha.

Um único tema tira o bom humor de Cavalcanti: desastres naturais. ;O episódio mais triste da minha vida foi antecipar a tragédia na região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, quando morreram quase mil pessoas. ;Tantas vezes prevemos fenômenos que não se confirmam. Pedi a Deus que aquele não se confirmasse. Queria ter errado a previsão;, lamenta.


Tendência


Outro servidor da velha guarda é Manoel Rangel, 65 anos. Ele chegou ao instituto em janeiro de 1983. O paraibano de sotaque forte guiou a reportagem durante um plantão noturno no Inmet. ;A grande tendência do clima é a instabilidade. Isso é um complicador para a vida do meteorologista. Não é uma receita de bolo. Se hoje é uma coisa, amanhã é outra totalmente diferente;, explica ele, ao receber a equipe do Correio no Centro de Previsão.

A meteorologia nos Estados Unidos, por exemplo, tem papel de destaque no governo e na sociedade. O gabinete do presidente possui um núcleo exclusivo para abastecê-lo com informações do tempo. ;Isso é natural em outros países, sobretudo aqueles que sofrem com temperaturas baxíssimas, furacões, tornados e outros desastres naturais. Aqui, as atenções são quando está seco, ou se as chuvas não cessam;, pondera a geógrafa Gal Oliveira.

Bem-humorada, ela mostra o espaço onde estão mais de 10 computadores recebendo as imagens captadas. Para chegar à sala, no primeiro andar, é preciso atravessar duas portas. O local tem temperatura controlada por causa dos equipamentos. Lá, sempre faz frio. Em média, 19;C. ;Antes as imagens eram em preto e branco e de poucos lugares do planeta. Isso exigia muito mais tratamento para a interpretação. Agora, as fotos chegam em tempo real, em altíssima resolução e de toda a parte;, conta. Gal trabalha no Inmet desde 1995.



Destaque mundial


O Inmet em Brasília tem um protagonismo mundial. Aqui são condensadas todas as informações das capitais brasileiras e dos países da América do Sul para serem enviadas aos principais centros meteorológicos do mundo: Estados Unidos, Austrália e Rússia. É uma importante ferramenta da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Diariamente, às 9h, os profissionais fazem um briefing nacional, quando os dados regionais são consolidados.

;Quando uma estação do ano vai acabar e outra se inicia, o trabalho do meteorologista é essencial, onde tudo pode acontecer. Saber se a chuva vai se estender, por exemplo, é muito difícil. O tempo é complexo e instável. Há 30 anos, o ciclo do clima era mais bem definido;, destaca Rangel. Ele explica que a definição das estações no calendário é um registro técnico. ;A natureza não obedece a isso. A única coisa a que ela se submete são as leis da física. Se tiver uma combinação de fatores para uma tempestade, vai ocorrer independentemente do período no calendário;.





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