Cidades

Um ciclista morre atropelado a cada 18 dias nas vias do Distrito Federal

Até novembro, 18 ciclistas morreram nas vias do Distrito Federal, quase o total de fatalidades registradas no ano passado. Especialistas defendem a redução do limite da velocidade nas pistas a fim de aumentar a segurança

Jéssica Eufrásio*, Otávio Augusto
postado em 01/12/2017 06:00
A ciclista Helayne Silva foi atropelada por um ônibus na Esplanada:

Neste ano, a cada 18 dias, um ciclista morreu nas vias da capital federal. Prova de que andar de bicicleta no DF é perigoso. O ano sequer acabou e o número de vítimas é quase o mesmo do de 2016. Se os próximos 30 dias seguirem a tendência de todo o ano, é provável que haja mais mortes em 2017 do que em todo o ano passado. Dezoito pessoas morreram em tragédias envolvendo bicicleta, sendo seis casos em rodovias. No ano passado, houve 19 mortes.

A mais recente vítima, Larissa Alexandre de Queiroz, 32 anos, não resistiu após ser atropelada por um ônibus na quarta-feira, na QI 22 do Guará. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentou reanimar a vítima durante uma hora, mas ela não resistiu à parada cardiorrespiratória. Uma testemunha disse à polícia que o motorista do coletivo avançou o sinal vermelho. Ele está preso.

Apesar da violência contra os ciclistas, as estatísticas revelam que, nos últimos 15 anos, aconteceu uma redução significativa desses acidentes fatais. Entre 2002 e 2006, 288 perderam a vida. De 2007 a 2011, 218. E, no período de 2012 a 2016, 130. Destaque para 2015, quando ocorreu aumento em relação aos dados anteriores. Naquele ano, 32 morreram ante 20, em 2014.

Elba Albuquerque perdeu o irmão, homenageado em livro:

[SAIBAMAIS]Mesmo assim, especialistas e autoridades de trânsito concordam que inserir a bicicleta em meio aos carros é uma tarefa delicada. ;Trabalhamos todos os dias para que as mortes não aconteçam. No cotidiano, buscamos incentivar a harmonia, sobretudo entre motoristas e ciclistas. A bicicleta é um veículo e deve ser respeitado. O que vemos no dia a dia no trânsito é a ingestão de álcool, a falta de atenção, o uso do celular e a falta de cortesia;, afirma o diretor-geral do Departamento de Trânsito (Detran), Silvain Fonseca.



O diretor-geral do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), Henrique Luduvice, garante que várias intervenções têm sido realizadas para melhorar a paz do trânsito. Ele menciona a construção de ciclovias em Taguatinga, no Guará, em Águas Claras, Santa Maria, no Gama, Lago Oeste, na Estrutural e no Grande Colorado. A intenção do Executivo local é ampliar os 400km de ciclovias para 750km. ;Campanhas educativas, melhorias na sinalização, obras e melhorias de infraestrutura sempre são investimentos necessários, mas tem de haver uma elevação da consciência da democracia no trânsito. É preciso uma convivência pacífica e harmônica;, conclui. Não está descartada a redução das velocidades máximas em vias do DF, como a que ocorreu no Lago Norte nesta semana.

;Ambiente hostil;


Professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques ressalta que o trânsito do DF tem se tornado cada vez mais um ;ambiente hostil;, sobretudo para quem não utiliza um veículo de quatro rodas. ;Esse desrespeito precisa ser trabalhado de modo que permita a convivência harmoniosa. O trânsito é um local de cooperação e de compartilhamento de espaço;, destaca.

O coordenador-geral do grupo cicloativista Rodas da Paz, Bruno Leite, reforçou a queda no limite da velocidade das vias da capital federal. ;O tráfego deve ser moderado. A escala de velocidade deve ser na medida das pessoas, não da velocidade veicular. Devem ser moderadas. Temos de pensar na cidade e nas pessoas que estão na cidade;, defende. Ele também lamentou a morte de Larissa no Guará. ;A gente nunca pode achar que uma morte de ciclista, no trânsito, é algo banal, fortuito;, protestou.

Marcados pelo medo


Além das vítimas, quem sofre com os acidentes são os parentes. A servidora pública Elba Albuquerque, 34 anos, perdeu o irmão Floriano Sampaio e Silva, 50, em maio. Ciclista amador, Floriano foi atingido por um carro perto de casa, no Park Way. Apesar de o motorista ter permanecido no local do acidente, ela conta que não fez questão de saber qual seria a condenação dele na Justiça. ;A morte do meu irmão foi uma punição bem grande para ele. A gente espera que a pessoa não cometa mais essa imprudência, mas nada vai trazê-lo de volta;, lamenta.

Emocionada, Elba lembra as homenagens feitas a Floriano e ressalta que a situação depende de mudanças gerais. ;Não há espaços adequados para os ciclistas circularem e ainda faltam campanhas educativas, mas também cabe a nós zelar pela vida do outro em nome da coletividade;, afirma.

A contadora Helayne Silva, 41, sofreu um acidente de trânsito em 2013 após sair da Universidade de Brasília (UnB). Ela pedalava na Esplanada dos Ministérios quando foi atingida por um ônibus. O motorista fugiu, e ela quebrou um braço e uma mão. ;Nunca consegui entrar com uma ação contra o motorista. Todos estavam preocupados em me salvar. Ninguém pegou o número da placa;, relata.

Helayne observa mudanças na consciência dos próprios parentes. ;Depois do acidente, a minha família passou a ver como são grandes os riscos de morte no tráfego. Quando há um ciclista dentro de casa, você acaba multiplicando essa consciência do cuidado e do respeito entre os demais;, diz a ciclista.

Quatro perguntas para:
Helder Gondim, pai do ciclista Raul Aragão, morto em acidente de trânsito em 22 de outubro

Até novembro, 18 ciclistas morreram nas vias do Distrito Federal, quase o total de fatalidades registradas no ano passado. Especialistas defendem a redução do limite da velocidade nas pistas a fim de aumentar a segurança

Que avaliação o senhor faz do processo de
investigação do
acidente até a denúncia pelo MP?
Os acidentes de trânsito são em uma quantidade tão grande que a polícia tende a banalizar os casos. No caso específico do atropelamento do Raul por Johann Homonnai, pareceu-nos que a delegacia encaminhou o processo rápido demais ao MP sem se aprofundar na busca de esclarecimentos. A polícia também não tomou as medidas necessárias de proteção à sociedade, desde o relaxamento do flagrante à não apreensão da licença da CNH do infrator. Embora tenha estado com ela em mãos, simplesmente copiou para constar no inquérito e a devolveu ao advogado do infrator. Por quê?

E o que espera do julgamento?
TJDFT significa Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Assim, esperamos Justiça da egrégia corte. Não a Justiça de Talião, não a vingança, mas uma contribuição à prevenção de novos casos, com uma pena que sirva para aliviar a consciência de quem cometeu o erro gravíssimo de retirar a vida de um semelhante, tornando-se um homicida, e servir de exemplo aos demais cidadãos.

Que ações deveriam ser adotadas para que acidentes
como do seu filho e de tantos outros não aconteçam?
Retirar, definitivamente, o direito de dirigir a quem foi irresponsável ao trafegar a 100 km/h em uma via que não foi planejada para tal. Nem seria uma pena, mas uma medida de resguardo social. Automóveis são meios de transporte e não de lazer. Embriagar-se de adrenalina dá no mesmo do que com álcool, caso leve ao homicídio. Muitos pais são irresponsáveis ao trocar o afeto necessário à maturidade dos filhos por presentes perigosos. Um carro não é um videogame, não se pode simplesmente recomeçar o jogo depois do game over.

E como o Raul contribuiu para o respeito
no trânsito por meio
da atuação como ativista?
O ativismo de Raul é o mesmo de Gandhi, de resistência passiva. A quem lhe dizia ser perigoso pedalar, respondia: ;Perigoso é dirigir feito doido. Pedalar é suave;.
* Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

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