Cidades

"UnB perde um talento": amigos prestam homenagem a cientista assassinado

Amigos e colegas do Departamento de Física da UnB rendem homenagens a Arlon, descrito como um acadêmico talentoso e diferenciado. Pesquisa elaborada por ele recebeu elogios de universidade britânica

Isa Stacciarini, Ricardo Faria - Especial para o Correio
postado em 09/12/2017 08:00
Christian Maciel (E), Diego Veloso (C) e Oscar Cardoso se emocionaram ao descrever o amigo Arlon Fernando da Silva: parceria criada na UnB

;A UnB e o Brasil perderam um grande talento.; Com essa frase, o diretor do Departamento de Física da Universidade de Brasília (UnB), Felippe Beaklini, lamentou, ontem, a morte do doutorando Arlon Fernando da Silva, 29 anos. Atacado a facadas em frente à Câmara Legislativa enquanto seguia de bicicleta para casa, o pesquisador era considerado um prodígio por colegas e professores de pós-graduação.

Morando em Brasília desde 2013, Arlon mudou-se para a capital federal logo após terminar a graduação em física na Universidade Federal do Paraná (UFPR). No fim do mesmo ano, foi aprovado no mestrado da UnB e logo emendou o doutorado. Reservado, vegetariano e de poucos recursos financeiros, ele usava a bicicleta diariamente para ir do Sudoeste à UnB, no fim da Asa Norte, onde se especializava em material genético e nanopartícula. ;Talvez ele fosse o nosso maior destaque. Era muito dedicado e disposto a ajudar quem o procurasse;, elogiou Jorlândio Francisco Félix, orientador de Arlon.

[VIDEO1]

[SAIBAMAIS]Segundo Jorlândio, um estudo realizado por Arlon e apresentado pelo orientador na semana passada, na Universidade de Southampton, na Inglaterra, recebeu elogios. Uma reunião entre eles serviria para apresentar os resultados do encontro e fazer alguns ajustes. ;Era para ter sido na quinta (dia da morte), mas ele remarcou para hoje (ontem). Infelizmente, não pude mostrar. Fazer pós-doutorado na Inglaterra era o sonho dele;, lamentou. E completou: ;A UnB e o instituto (de física) perderam um aluno e um colaborador incrível; (leia Depoimento).



Durante todo o dia, amigos e professores se mobilizaram na UnB. Colega de pós-graduação e amigo de Arlon havia quatro anos, Diego Veloso não acredita que o pesquisador tenha reagido à abordagem. ;Era um cara tranquilo, estudioso e batalhador. Por mais que seja forte, creio que ele tenha tentado fugir;, opinou. Emocionado, Diego lamentou a perda. ;Foi uma covardia. Perder a vida por causa de uma bicicleta? Não tem cabimento;, afirmou.

O professor Marcelo Parise também mostrou perplexidade. ;Nós perdemos um valor para a ciência inestimável, e, eu, um amigo.; Emocionado, Parise revelou que trabalhava nos últimos tempos com Arlon em um artigo científico sobre nanociência. ;Nós pretendíamos publicá-lo no ano que vem. Faltavam alguns ajustes;, disse. Questionado se levaria adiante o projeto, ele afirmou que é o correto a se fazer. ;É uma forma também de homenagear o Arlon. Ele tinha um talento fenomenal;, concluiu.

Uma colega de Arlon deixou um vaso de flores na mesa em que o pesquisador da UnB passava até 14 horas

Paixões

Amigos e colegas do Departamento de Física da UnB depositaram um vaso com flores brancas na mesa em que Arlon passava de 12 horas a 14 horas por dia. ;Foi uma homenagem a um amigo que sempre nos ajudou. Não dá para acreditar;, disse o amigo e colega de pós-graduação Felipe Rodrigues, 28. O jovem trocou mensagens com Arlon, por meio do WhatsApp, na quarta-feira. Nelas, o estudante paranaense reforçou o desejo em consolidar um projeto voltado para alunos do ensino médio. ;Ele projetou quase tudo. Enviou-nos mensagens explicando como funcionaria;, revelou.

Amigo, vizinho e companheiro de pedal, Artur Castelo Branco tinha o costume de voltar com Arlon para casa. ;Passávamos sempre pelo mesmo trajeto no qual aconteceu a tragédia. Apesar de nunca termos sofrido nada, ali é um lugar perigoso e escuro;, queixou-se. Segundo ele, o amigo tinha a meta de chegar aos 5 mil quilômetros pedalados neste ano. ;Ele botou como objetivo e conseguiu. Infelizmente, a última marcação do aplicativo não foi concluída;, disse.

Uma das pessoas mais próximas do pesquisador, Ítalo Sanglard, 24, entrou no apartamento de Arlon, na tarde de ontem, acompanhado de policiais da 5; Delegacia de Polícia para resgatar os gatos do amigo. No entanto, os animais não foram encontrados. Ítalo, então, lembrou-se que o doutorando havia doado os felinos por causa de uma regra do condomínio que não permite animais de estimação. ;Ele era um dos melhores cientistas e alunos. Conseguia fazer doutorado, era professor substituto e publicava artigos científicos. Passava o dia todo na UnB;, ressaltou.

Reservado, o pesquisador ocupava o tempo com os estudos, os passeios de bicicleta e a paixão pela banda alemã Rammstein. Arlon, inclusive, mencionou o trecho de uma música do grupo na dissertação de mestrado, concluído há cerca de dois anos. ;Ninguém sabia mais de economia do que ele;, explicou Ítalo.

Nas redes sociais, muita gente lamentou a morte de Arlon. Maria Isabel Dranka escreveu: ;Infelizmente, seu tempo de aproveitar a vida foi tirado por algo tão irrelevante e de forma tão brutal;. E continuou: ;Vou sempre lembrar de você com amor, amizade e companheirismo. Juro que não vou te esquecer e cada vitória será com um pensamento em você;, acrescentou.


"Vou sempre lembrar de você com amor, amizade e companheirismo. Juro que não vou te esquecer e cada vitória será com um pensamento em você;
Maria Isabel Dranka, em comentário no Facebook

[VIDEO2]

Depoimento


;É uma perda para o Brasil;

Jorlândio Francisco Félix, professor e orientador de Arlon

;Era um aluno excepcional, diferenciado. Pessoalmente, um aluno extremamente tranquilo, com futuro brilhante. A pesquisa dele estava indo muito bem, inclusive apresentei os resultados dele na Inglaterra, na semana passada, para um grupo de pesquisa que fazemos uma colaboração. O pessoal gostou e pediu sigilo nos resultados por serem inovadores. O Arlon estava muito feliz por conta disso. Ele tinha vários planos para 2018 por conta desses excelentes resultados da pesquisa, que trabalhava com essas amostras que eram produzidas na Inglaterra. Enfim, nós tínhamos uma reunião hoje (ontem) pela manhã para discutir os próximos passos da pesquisa para 2018. O último contato tinha sido na quinta, quando marcaríamos essa reunião. O Arlon era excepcional, um excelente estudante. É uma perda para o Brasil, o país investiu nele. Estava indo para o segundo ano do doutorado. O país perdeu um excelente pesquisador.;

Jorlândio Francisco Félix, professor e orientador de Arlon

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação