Cidades

STF obriga a retirada das grades em prédios residenciais do Cruzeiro

Ministro do STF dá decisão final sobre o cercamento dos prédios residenciais do bairro, o que obriga a retirada. A instalação vai contra as normas estabelecidas para a área tombada de Brasília

Isa Stacciarini
Thiago Soares
postado em 16/12/2017 07:30 / atualizado em 08/10/2020 14:41
Prefeito comunitário do Cruzeiro Novo, Ênio Ferreira da Silva:

As grades que cercam os pilotis dos prédios do Cruzeiro Novo terão de ser retiradas. Colocando fim à polêmica que se arrasta há 23 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determina a remoção. Não cabe mais recurso da decisão do ministro Celso de Melo. Ela, porém, não fala em prazo para o cumprimento. Juristas ouvidos pelo Correio afirmaram que o GDF tem que iniciar as derrubadas logo após ser notificado.

Por integrar área tombada, os edifícios da região administrativa deveriam respeitar as regras estabelecidas no plano do urbanista Lucio Costa para as superquadras do Plano Piloto: a livre circulação sob os prédios erguidos em pilotis nas áreas residenciais (Leia Para saber mais). Mas os moradores cercaram todos os prédios com a alegação de que as grades lhes dariam segurança. A Justiça, no entanto, considerou que elas são uma “mutilação”.

O Cruzeiro Novo tem 78 quadras e 324 prédios. Os moradores da cidade prometem resistir contra a retirada das grades. Eles defendem o cercamento por uma questão de segurança. Segundo estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do DF, desde 2015 não ocorre assalto a residência na localidade. Naquele ano, houve duas ocorrências de roubo a residência e apenas uma em 2014. Para os moradores, isso é fruto também do cercamento.



Circulação 


O prefeito comunitário do Cruzeiro Novo, Ênio Ferreira da Silva, ressalta que os crimes no Cruzeiro são menores, se comparados às outras regiões do DF, justamente por causa das grades. “Somos cumpridores das leis, mas não vamos aceitar a remoção”, afirma. “Nas Asas Norte e Sul, as quadras são em semicírculos, não circulam muitos carros. Aqui, temos vias de circulação, ou seja, temos muita circulação de pessoas. Com a retirada, os bandidos teriam maior facilidade”, pondera. Ele pretende mobilizar os moradores, mas não sabe como reverter a decisão.

Moradora há 30 anos do bloco E da 911 do Cruzeiro Novo, Rosemar Araújo, 58 anos, usa o pilotis para brincar com o neto, Nathan Magalhães, 4. “Não terei tranquilidade para deixar ele aqui”, diz, por acreditar que a remoção vai favorecer a ação de bandidos. “Com grade, já conseguiram entrar no prédio e levar a bicicleta do meu filho. Imagine sem.”


O aposentado Manoel Neto, 54 anos, mora no Cruzeiro Novo desde os 7. Quando chegou, havia poucos prédios e nenhuma grade. “Era uma outra época, se podia andar com segurança por toda Brasília”, lembra. Na quadra onde mora há becos. Com a retirada das grades, ele teme a violência. “A grade é para garantir que nossas casas não sejam invadidas pelos bandidos. Seriam necessário o policiamento 24 horas por dia, o que é algo difícil.”

Integrante do movimento Urbanistas por Brasília, Cristiano de Souza Nascimento é contra as grades. “A questão da segurança pode ser resolvida de outras formas, como exigir do poder público mais policiais. Inclusive, há o entendimento de que as grades protegem até certo ponto, porque a insegurança pode estar do lado de fora, esperando”, observa.

O arquiteto e urbanista cita os blocos das asas Norte e Sul, que não são gradeados. “As pessoas viveram uma característica do Cruzeiro, que não existe mais, e as grades continuaram. Talvez tenha sido uma solução para uma época que passou e os moradores continuaram apegados por uma questão cultural.” 

O GDF apenas informou que “aguardará a notificação da Justiça para adotar as medidas necessárias ao cumprimento da decisão”.



Entenda o caso

Vai e vem que dura 23 anos

A Lei Distrital nº 1.063, de 1996, permitiu o cercamento das residências do Cruzeiro. Mas, em 2005, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com ação direta de inconstitucionalidade, argumentando que só o Poder Executivo poderia propor leis sobre o fechamento de áreas públicas. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) acatou o pedido e suspendeu o efeito da lei.

Em 2008, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) colocou em pauta uma ação do Iphan e decidiu pela retirada das cercas do Cruzeiro Novo, em respeito ao tombamento de Brasília, mas não estipulou prazos. Um ano depois, a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) exigiu que os moradores derrubassem muros e grades, além de pagar multas. Mas, em 4 de setembro de 2009, atendendo a apelos da comunidade, o então governador José Roberto Arruda sancionou a Lei Complementar nº 813, que normatizava o uso de grades no Cruzeiro Novo. Pela norma, as cercas frontais, laterais e de fundos deveriam ficar afastadas 1,2m do meio-fio e 2,5m de outras barreiras. O cercamento também é permitido pelo Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB).

Para saber mais

Três décadas de tombamento

Brasília detém o título de Patrimônio da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 1987. No mesmo ano, o Governo do Distrito Federal baixou um decreto para regulamentar o tombamento. Em 1990, o Governo Federal também sancionou uma lei para definir as escalas urbanísticas do tombamento: monumental, residencial, gregária e bucólica.

A área de preservação de Brasília tem cerca de 112km² e é delimitada a leste pela orla do lago Paranoá, a oeste pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), ao sul pelo córrego Vicente Pires e ao norte pelo córrego Bananal. Fazem parte da área tombada a Candangolândia, o Sudoeste, a Octogonal, o Cruzeiro, além dos setores de clubes. Isso significa que todos eles têm de seguir a escala urbanística e o plano diretor definidos há 30 anos. Portanto, é proibido colocar grades que impeçam a circulação de pessoas através de pilotis de prédios dessas áreas.



Pouca criminalidade

No Cruzeiro, os índices de criminalidade são menores do que em outras regiões do Distrito Federal. De janeiro a setembro deste ano, as ocorrências mais registradas foram de roubo a pedestre. Houve 89 casos desse tipo nos nove primeiros meses do ano, seguido de 57 episódios de furto em veículos, 36 registros de uso e porte de droga e 31 ocorrências de roubo de veículo.

Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB Frederico Flósculo, a questão de segurança pública precisa ser uma combinação de política pública e educação comunitária. “A retirada das grades dá oportunidade de o governo fazer o que nunca fez. Uma política de segurança com o envolvimento da comunidade. Essa ideia de colocar grades, muros e tentar cercar a casa da gente raramente é uma boa ideia”, pondera.

Segundo ele, a solução é uma atitude civilizada com a comunidade para que as pessoas possam se organizar e cultivar o urbanismo e a área pública com investimento em educação. “Se tirarem as grades e a comunidade não receber amparo, os moradores vão ter toda razão de se sentirem desprotegidos. Mas, se alguém disser que é certo proteger a população com grades, está falando uma grande besteira.”

A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública e perguntou sobre o que será feito sobre a sensação de segurança da população após a retirada das grades, além de questionar como a polícia atua no endereço e o cenário da violência no Cruzeiro. O órgão se limitou a dizer, por meio de nota, que “não houve na região registros de homicídios, latrocínios e de roubos a residência no período de janeiro a outubro deste ano.”

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