Cidades

"Combate ao câncer melhorou", avalia o oncologista Paulo Hoff em entrevista

O desenvolvimento das pesquisas, a colaboração dos pacientes e as tecnologias usadas no tratamento tornaram a cura uma realidade

Thiago Soares
postado em 08/01/2018 06:00

Entre os mais diversos tipos de câncer, os de mama e pulmão são os mais comuns. No Brasil, estima-se que, em 2016, ocorreram aproximadamente 600 mil casos novos, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer. Se a presença da doença é evidente, o avanço nos tratamentos segue pelo mesmo caminho. Isso pode ter sido proporcionado pelo desenvolvimento das pesquisas associado às informações colhidas junto aos pacientes e seus familiares. Em entrevista ao Correio, um dos oncologistas mais renomados do país, Paulo Hoff, mostra com otimismo que é possível superar o câncer.

;Temos ferramentas que tornam o tratamento muito menos tóxico do que era no passado e existe uma preocupação com a reabilitação e a reinserção do indivíduo pós-tratamento de câncer na sociedade;, destaca o profissional, que é formado pela Universidade de Brasília (UnB).

O médico paranaense de 48 anos teve parte de sua carreira desenvolvida no renomado MD Anderson Center, de Houston, no Texas (EUA). No Brasil, comandou por 11 anos o Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Em 2017, depois de se tornar o profissional mais novo a assumir uma cadeira na Academia Nacional de Medicina (ANM), também assumiu o posto de presidente da Rede D;or, um dos maiores aglomerados de hospitais privados do país.

A primeira missão à frente da Rede D;or já vem com uma colaboração para Brasília: a capital vai receber um dos três centros clínicos especializados do país. São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) vão sediar as outras duas unidades. O investimento total será de R$ 1 bilhão. Estão planejados 140 leitos para o Distrito Federal. A inauguração está prevista para 2019 e o centro funcionará nas antigas instalações do Hospital Planalto, na 715/915 sul.

Os casos de câncer estão aumentando ou essa é uma impressão devido ao tema estar mais em evidência?

É real o aumento de incidência de câncer. No Brasil, hoje, temos cerca de 600 mil casos novos a cada ano. Há uma década era praticamente a metade desse número. Então, não há dúvidas do crescimento de casos. No entanto, hoje se percebe uma transparência no diagnóstico, que é mais preciso. Antes, as pessoas morriam e as causas eram desconhecidas. Atualmente, sabemos que alguns desses eram relacionados ao câncer. Há também a situação de mais pacientes vindo a público para contar das suas lutas contra a doença. Isso dá a impressão generalizada de que existem mais casos. A combinação de outros fatores, como o envelhecimento da população brasileira, modificou hábitos que acompanharam a urbanização do Brasil. Até os anos 1980, a maior parte da população era rural, depois disso, tivemos uma rápida urbanização e, com isso, ocorreram mudanças significativas na dieta, hábitos de exercícios e consumo. Isso pode ter colaborado com a modificação da epidemiologia do câncer no país.

Antes, o brasileiro descobria a doença em estado mais avançado. Podemos dizer que a população está mais atenta quanto à prevenção?

Sentimos uma maior preocupação dos pacientes e familiares em termos de diagnóstico, mas a realidade é que ainda temos muito a avançar. O estado de São Paulo, por exemplo, que é o mais rico da federação, ainda tem praticamente metade dos casos de câncer diagnosticados já em estágios avançados. O Brasil precisa ainda melhorar a prevenção.

Como fazer essa melhora?

O trabalho de conscientização deve ser permanente. A disponibilidade de serviços próximos aos pacientes é extremamente importante na hora de fazer a prevenção. É fundamental também mudar a cultura que as pessoas têm de medo do diagnóstico e entender que, quanto mais cedo for apurado, melhor para a cura da doença.

E qual o motivo de termos tanto medo do câncer?

Faz parte de um aspecto cultural. O câncer, por muitos anos, foi uma doença com tratamento difícil e com alta letalidade. As pessoas associam o diagnóstico a um sentimento de perda iminente. Isso mudou um pouco. Mesmo com todas as dificuldades do país, mais da metade dos pacientes com câncer se curam. É esse fato que temos que apresentar à população para que os diagnósticos sejam feitos mais precocemente e, consequentemente, ter a doença controlada.

Antes, as famílias buscavam esconder o verdadeiro diagnóstico dos pacientes de maneira a preservá-los. O fato de o paciente saber sobre a doença ajuda na recuperação?

Existe um espírito no Brasil que é muito familiar. Isso vem da cultura latina de proteção, que normalmente acontece com a preocupação de não apresentar o diagnóstico a um paciente para não criar uma expectativa negativa. No entanto, eu sou favorável que o mesmo saiba de sua situação, porque acredito que isso ajuda em seu tratamento. Quando se tem consciência, o tratamento se torna menos doloroso psicologicamente. Se a verdade é ocultada, posteriormente, o paciente desconfia e isso pode acarretar uma perda de relação com médicos e familiares. Ainda que explicar o diagnóstico possa levar a um momento de tristeza e de preocupação, acredito que os ganhos são grandes.

O acompanhamento psicológico também é essencial?

Toda pessoa que recebe um diagnóstico precisa de um tipo de apoio. Em algumas situações, o paciente tem o apoio da própria família, mas muitas das vezes os parentes também não estão preparados para lidar com todas as emoções que afetam o indivíduo com a doença. A possibilidade de um apoio por um especialista da área de psicologia é sempre favorável.

A menor incidência de casos que terminam em morte é ligada à evolução dos estudos? Como está o desenvolvimento de pesquisas no Brasil e mundo?

A curva de mortalidade por câncer nos países mais desenvolvidos está em constante queda há 10 anos. Ou seja, é claro o impacto positivo dos novos tratamentos e métodos de diagnóstico do que se espera no tratamento da doença. No Brasil, ainda não temos dados claros, mas não há dúvidas de que as pesquisas trouxeram terapias que estão modificando os tratamentos. Um exemplo é o caso de câncer muito avançado em nível metastático e incurável: passaram a ser frequentes as situações em que a pessoa tinha expectativa de vida de poucos meses e hoje, com tratamentos modernos, passa a ser de anos. Pode até ser que não se cure, mas o fato é que houve evoluções. Antes, eram muitos os casos considerados incuráveis. Hoje, se cura. O exemplo clássico é do câncer de intestino com metástase no fígado: há 15 anos, era considerado incurável, hoje 60% dos pacientes conseguem cura e ficam livres do tratamento depois de cinco anos. Tudo devido aos avanços dos estudos clínicos.

Estamos próximos da cura de todos os tipos de câncer?

O câncer é um conjunto de doenças enormes e similares, com causas, evoluções e tratamentos distintos. Dificilmente se terá uma cura para o câncer. Temos curas para diversos tipos de câncer. Hoje, já curamos um grande número de pacientes. Agora, se você me perguntar de um remédio milagroso que vai curar todos os tipos de câncer, vou te responder que a biologia diz que isso é díficil ainda de acontecer. Se me questionarem se vamos ter uma expectativa vasta de pacientes a serem curados com terapias, acredito que não estamos distantes.

O uso das tecnologias como a robótica é uma tendência?

A incorporação da tecnologia robótica faz parte de um contexto maior de terapias que buscam resolver o problema do paciente da forma menos invasiva possível e com menos traumas para o organismo. É uma tendência que vem para ficar. Isso quer dizer que todo paciente deve ser submetido a uma cirurgia robótica? Não. Teremos casos em que o paciente terá vantagens com a cirurgia robótica e teremos outros com mais sucesso na cirurgia tradicional. Isso depende do tratamento direcionado pelo cirurgião. Há a questão do custo, que é diferente e um pouco maior. Mas existem situações em que a cirurgia começa a ser substituída por outros procedimentos menos invasivos, como a radiologia intervencionista, a radiocirurgia, entre outros. A tecnologia chegou para ficar.

É possível ter qualidade de vida após o câncer?

Sim. Temos ferramentas que tornam o tratamento muito menos tóxico do que era no passado e existe uma preocupação com a reabilitação e a reinserção do indivíduo pós-tratamento de câncer na sociedade.

Como superar o câncer?

O câncer é superado com informação e participação. Tratar a doença exige um trabalho em equipe. Isso vem do médico, do farmacêutico, do nutricionista, do enfermeiro, do dentista, de todos os profissionais da área de saúde envolvidos e do próprio paciente e sua família. Você tem de formar um time que esteja instruído e que seja harmônico. Acredito que é assim que se supera o câncer.

O tratamento integral é importante nessa superação?

É importante que nós, médicos, passemos a entender que não estamos tratando o câncer e, sim, um paciente que neste momento está com uma doença que precisa ser tratada. A pessoa deve ser tratada em todos os aspectos, e isso vai do físico ao psicológico.

Falando em equipe, qual a situação do Brasil em relação aos profissionais da área?

O Brasil tem uma relação do número de oncologistas ainda abaixo do de habitantes. Isso melhorou nos últimos anos, mas muito pode ser feito. Teve um esforço com a abertura de cursos de residência em oncologia. Existem pessoas muito inteligentes na área espalhadas pelo país. Acredito que a oncologia brasileira é destaque na América Latina e a tendência é de que isso melhore.

A criação de centros especializados no país, incluindo o de Brasília, com expectativa de inauguração em 2019, vai contribuir com os tratamentos?

É importante que se olhe o tratamento do câncer como uma estrutura em que se tem pontos de acessos próximos aos pacientes. A concepção de estruturas de apoio mais complexas, como grandes centros especializados, onde se terá tecnologias mais sofisticadas, é mais favorável para os pacientes. A ideia é de termos o tratamento próximo do paciente, com todo o apoio necessário.

Quais os desafios da oncologia?

Acredito que seja dar aos pacientes o que existe de mais tecnologicamente avançado, atingindo o melhor resultado possível com menor impacto na qualidade de vida. O desafio também é garantir que as pessoas sejam reinseridas na sociedade e voltem a ter uma vida normal.

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