Cidades

Pontos culturais abandonados por anos no DF começam a ser reabertos

A lista de monumentos abandonados que começam a ser devolvidos à população após renovações conta com o Museu de Arte de Brasília

Sarah Peres - Especial para o Correio
postado em 15/01/2018 06:00
[VIDEO1]Dos 271 pontos culturais distribuídos pela área central e nas regiões administrativas do Distrito Federal, 17 são administrados pela Secretaria de Cultura. Cinco deles estão fechados e vivem uma saga digna de filme. Com as portas trancadas para o público, os alunos e os artistas, o vazio assola as construções ao longo dos anos. Mas o anúncio dos trabalhos de revitalização e ampliação dos locais trouxe esperança para essa história, que também contada nas ruas de diversas cidades da capital federal, por meio de iniciativas independentes do poder público.

A lista de monumentos abandonados que começam a ser devolvidos à população após renovações conta com o Museu de Arte de Brasília (MAB), desativado em 2007; o Teatro Nacional Claudio Santoro, lacrado para visitação em 2014; o Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo, fechado desde 2014; além do Centro de Dança, no Setor de Autarquias Norte, e do Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul, com atividades suspensas desde 2013.

A reforma do Museu de Arte de Brasília foi iniciada em setembro do ano passado

A expectativa era reabrir esses dois últimos locais no segundo semestre de 2017, mas as reformas atrasaram. Agora, a Secretaria de Cultura planeja inaugurar os espaços renovados em janeiro e março, respectivamente. As aulas do Centro de Dança devem voltar após o carnaval. Lá, as obras custaram mais de R$ 3 milhões. Embora a fachada esteja pronta, uma das portas de entrada está sem vidro e escorada somente por um pedaço de madeira. A parte interna continua vazia.
No Espaço Renato Russo, o valor gasto ultrapassou R$ 4,9 milhões. Os escombros da reforma ainda estão acumulados em um dos cantos internos, que ganhou nova estrutura no teto. Na área externa, permanecem as rachaduras e as cores dos grafites nas paredes perderam a força.

A ampliação e revitalização estrutural do MAB foi iniciada em setembro do ano passado, com orçamento de quase R$ 7,7 milhões. A previsão de entrega é 13 de outubro. O trabalho dos pedreiros começa a dar uma nova cara ao museu, abandonado por 10 anos. Ali, os únicos sons são os da betoneira, da furadeira e das conversas entre os trabalhadores. O antigo acervo incluía obras de Tarsila do Amaral e Iberê Camargo, transferidas para o Museu Nacional, na Esplanada dos Ministérios.

O Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo será substituído pelo Parque Audiovisual, segundo a Secretaria de Cultura. Não há previsão para o início das obras, mas o espaço será construído no Trecho 3 do Setor de Clubes Esportivos Sul. A reabertura do Teatro Nacional ocorre em partes. O Foyer da Sala Villa-Lobos foi reaberto ao público em 7 de dezembro, e a primeira fase da reforma, na Sala Martins Penna, ainda não começou.

A cidade vive

Enquanto pontos culturais no Plano Piloto são revitalizados para se destacarem em meio ao concreto, comunidades locais se encarregam da tarefa de manter a cultura viva no DF. Com esforço próprio, elas enchem cada região de cores, de arte e de transformação social. Espaços abandonados, antes temidos pelos moradores, agora são um chamado à participação e ao engajamento da comunidade, que encontra atividades gratuitas e produtos e serviços oferecidos por pequenos empreendedores locais, em um ciclo virtuoso que amplia as opções de cada região. Confira a seguir as histórias de alguns desses projetos.

Beco da Cultura

Um dos primeiros centros comerciais de Brasília, construído em 1950, o Mercado Sul, localizado na QSB 12/13, em Taguatinga Sul, começou a se destacar na cena cultural a partir de 1980.

Com os artesãos, floresceu o desejo por um espaço que respirasse cultura. Em 2015, artistas ocuparam as lojas abandonadas no local, expandindo a atuação dos coletivos. A partir daí, o movimento ficoua conhecido como Mercado Sul Vive, conforme explica a produtora cultural Dani Rueda, 33, (foto) moradora de Taguatinga Sul. ;Um dos espaços ocupados estava vazio há 17 anos. Temos um processo judicial, mas nos foi permitido continuar no local até o julgamento, que determinará se ficamos com as lojas ou não;, afirma.

No total, são quatro lojas ocupadas. Uma é chamada de Casa Multiuso, que passa por reforma. A Casa de Ofício agrega a loja do Bicicentro, de aluguel, oficinas e montagem de bicicletas; a costuraria; a Ecoloja, de economia solidária e com materiais biodegradáveis; e o Becomposto, de agricultura urbana.

Em 10 de fevereiro, a partir das 15h, a tradicional Ecofeira terá a primeira edição de 2018, com apresentações culturais, feira artesanal e comidas.
O Mercado Sul foi um dos primeiros centros comerciais de Brasília, construído em 1950

União cultural

Localizada em Taguatinga Norte, a ocupação do Batalhão das Artes cresce em meio à praça abandonada da Associação Comercial e Industrial de Taguatinga (Acit). Em julho de 2017, o antigo posto da Polícia Militar recebeu coletivos de todo o DF, que viram no espaço uma possibilidade de fomento à cultura.

A artista popular Tetê Alcândida, 58, (foto) moradora do Sol Nascente, explica o objetivo dos trabalhos. ;A proposta é que façamos atividades de utilidade pública. Por isso, somos vários grupos reunidos em prol de ações culturais e opções de lazer para trazer vida à praça, que foi esquecida pelos moradores;, relata. A ocupação colaborativa conta com mais de 13 coletivos.

Em fevereiro, o espaço oferecerá oficinas e feiras de artesanatos nas segundas e terças-feiras, em horário comercial. As coloridas paredes, grafitadas pelo grupo Mulheres Grafiteiras, substituíram a paisagem monocromática. O local ganhou ainda um canteiro de horta urbana, com árvores frutíferas que dão abacate e maracujá. ;Queremos realizar uma casa de farinha no quintal e plantar árvores pela praça. Também estamos recebendo doações de livros, geladeiras velhas e estantes, para montarmos bibliotecas abertas nas redondezas;, afirma Tetê.

Transformação pela capoeira

Tambor, pandeiro e berimbau ditam o ritmo das palmas e dos cantos em iorubá ; língua oriunda das religiões de matriz afro-brasileira, como o Candomblé ; que ecoam no beco na QNP 1/5 do setor P Norte, em Ceilândia. Enquanto isso, os corpos dançam equilibrados, em um jogo de capoeira na área externa do Espaço Cultural Filhos do Quilombo, criado em meados de 2010. ;Como o lugar ficou vazio, a área ficou degradada e moradores temiam passar aqui, por ter se tornado um local de assalto e tráfico;, aponta o agente cultural e líder comunitário Thiago Dutra da Silva, 27, o Lagartixa. Agora, o objetivo é ampliar o espaço com um teatro de arena feito de pneus e cimento, uma casa de farinha no quintal, a construção da praça Quilombo, além de uma sala de computação, tudo para atender a comunidade.

O Quilombo se tornou referência para Matheus Damascena, 21, professor de capoeira e participante do projeto. ;A capoeira mudou minha vida completamente. Eu comecei bem novo e vi que não compensa ficar na rua, a esmo. Hoje, a capoeira não é apenas identificação cultural, mas a minha profissão;, ressalta. Com o tempo, o projeto se expandiu para outras áreas de Ceilândia. Além do espaço cultural, quadras poliesportivas, escolas e espaços de cultura como o Menino de Ceilândia recebem as aulas de capoeira.
Escolas e espaços de cultura como o Menino de Ceilândia recebem as aulas de capoeira

Música e oficinas

Em um descampado da EQ 304/307, atrás de uma escola pública, em Santa Maria Sul, um galpão se destaca. O espaço, ocupado em agosto de 2011 pelo coletivo Família Hip-Hop, oferece serviços gratuitos aos moradores. Ocupado, pertencia à antiga Associação da Criança e do Adolescente (Acac), desativada em 2006. A ocupação começou com o encontro Mutirão Hip-Hop, conforme explica Alex Martins Silva, 43 anos, (foto) coordenador do Espaço Cultural Moinho de Vento e do Família Hip-Hop. ;Realizamos uma limpeza completa no espaço, jogando fora os materiais que tinham apodrecido com o tempo. Depois, colocamos telhas e arrumamos tudo. Fizemos grafites nas paredes, enquanto rolava muito break e rap;, relembra.

O coletivo mantém um estúdio de produção musical, que passará por uma reforma estrutural, a fim de melhorar o espaço. Ainda há oficinas de dança, de teatro e de serigrafia. Tudo de graça. ;As pessoas que agora compõem o coletivo são mais jovens, que fizeram aulas conosco e quiseram fortalecer o movimento. Mas os nossos trabalhos são abertos a todos, quem quiser apenas aprender, é só vir também;, convida Alex.

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