Cidades

Amigos e familiares se despedem do jornalista José Negreiros

Corpo do jornalista, morto em decorrência de um câncer na segunda-feira, foi enterrado no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília

Ana Maria Campos, Bernardo Bittar
postado em 13/02/2018 13:17

José Negreiros foi correspondente internacional no Correio Braziliense, editor de Brasil, Economia e Política e ocupou o cargo de editor executivo do jornal

Amigos e familiares do jornalista José Negreiros prestaram a última homenagem ao mestre da comunicação nesta terça-feira (13/2). Maranhense, Negreiros tinha 68 anos e morreu na segunda-feira, vítima de um câncer. O velório e o enterro foram realizados no cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.

Filho do jornalista, o músico Tiago Negreiros comentou que os últimos dias do pai foram difíceis. ;O espírito de quem fica nunca está pronto para perder quem vai. A doença consumiu muito meu pai nesses últimos tempos, mas não deixamos ele sozinho em nenhum momento;, comentou emocionado.

Entre as pessoas que foram prestar as últimas homenagens estava um de seus grandes amigos, o também jornalista Armando Mendes. ;Somos amigos há tanto tempo que não dá para contar. O José tinha uma visão de pauta que hoje é raro de encontrar. Ele conseguia transitar muito bem nesse território de política e economia e o seu grande hobby era fazer um jornal perfeito;, disse Mendes.

Na capela, uma coroa de flores com o Soneto da Fidelidade, do poeta Vinícius de Moraes, era assinada pela viúva de Negreiros, a jornalista Luciana Bezerra. ;De tudo, ao meu amor serei atento antes e com tal zelo, e sempre, e tanto;, estava escrito. Além da esposa, José Negreiros deixa três filhos: Tiago, Cíntia e Beatriz.

Amigos e familiares lotam Capela 10 do cemitério Campo da Esperança no último adeus ao jornalista José Negreiros

Paixão pela notícia

O jornalista era conhecido por ter faro para talentos. ;Do jeito que deixou as malas, não vai ficar.; Era assim, com uma metáfora, que Negreiros se referia a um novato que chegava à redação sem garra e paixão pela notícia. Aos apaixonados, ele generosamente dedicava horas de sua rotina atribulada de chefe, com observações que poderiam melhorar a próxima reportagem.

Seu foco principal, no entanto, era sempre o leitor. Gostava de traduzir histórias que pareciam importantes aos olhos do mundo político, para que qualquer pessoa simples pudesse entender o real impacto dos fatos em sua vida.

Era um jornalista em tempo integral, sem horário de expediente. Todos que conviveram com Negreiros contam histórias de um profissional incansável, rigoroso, exigente e desconfiado de versões, como todos os jornalistas deveriam ser. Muitas vezes, sarcástico. Adorava ironias. Era maluco pela profissão. E intenso. Nunca escrevia sobre qualquer assunto sem se aprofundar. Discorria sobre temas com conteúdo.

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Futuro do jornalismo

Foi assim até os últimos dias. Mesmo sofrendo com a doença, que provocava dores fortes, não parou de trabalhar e de apurar. Mesmo fora de redações, ele não deixava de refletir sobre os rumos da profissão nesses tempos de fake news e apurações frágeis pela concorrência digital.

Desde o início do ano, estava internado na UTI em um hospital de Brasília, por conta de uma recidiva do câncer que começou na próstata. Os familiares se revezavam nos cuidados e no carinho. Muitos amigos se despediram.

A amigos, como o sociólogo Fernando Jorge Caldas Pereira, revelou, em longas conversas, sua preocupação sobre o futuro da comunicação. Jornalista da época em que se investigava à exaustão e se segurava uma reportagem pela incerteza da apuração, Negreiros enxergava com cautela esses novos tempos. Via, com surpresa, como o jornalismo crescia progressivamente em velocidade, mas perdia em profundidade. Achava que as novas gerações eram especialistas nas novas ferramentas da internet e das redes sociais, mas não mergulhavam como deveriam nos conteúdos. Os mais antigos, por sua vez, não acompanhavam a evolução da tecnologia. Os dois mundos precisavam se encontrar, acreditava.

Carreira de sucesso

Nascido em São Luís, Negreiros formou-se pela Universidade de Brasília (UnB) e se tornou um respeitado jornalista político e econômico. No Correio, passou por várias funções. Foi correspondente internacional, editor de Brasil, Economia e Política, e ocupou o cargo de editor executivo. Ele também passou pelas redações do Jornal do Brasil, da Gazeta Mercantil, de O Estado de S. Paulo e de O Globo.

Atualmente, trabalhava na empresa de análise política Arko Advice. Era consultado por vários políticos, pelas análises que fazia dos cenários. Ao longo da carreira, trabalhou com o então deputado Sigmaringa Seixas (PT/DF) e com o senador José Serra (PSDB/SP). Foi o chefe da comunicação da campanha de Cristovam Buarque à Presidência da República, em 2002. Em 2016, assessorou a candidatura da professora Márcia Abrahão, eleita reitora da Universidade de Brasília (UnB), a primeira mulher a assumir o posto, depois de uma vitória no primeiro turno.

Na redação do Correio, era um dos primeiros a chegar e só saía depois de pensar a edição do dia seguinte, muitas vezes já pela madrugada. Ávido leitor, não deixava de olhar cada reportagem publicada no jornal. Era, acima de tudo, rigoroso com o próprio trabalho. Nos últimos tempos, lamentou não ter estudado mais sociologia e ciência política. Não aceitava comentários rasos, sem profundidade.;Era um cara extremamente raro, preciso, sensível e profundo. Assessorou muita gente, mas nunca foi tiete, nem algoz de ninguém;, descreve Fernando Jorge.

Os amigos contam que Negreiros tinha muito orgulho do trabalho que realizou no Correio. Ele acreditava que tinha aproximado o jornal dos moradores da cidade, com uma cobertura mais intensa sobre o cotidiano dos moradores do DF. Tinha um cuidado extremo com as pautas e a repercussão dos assuntos. Traçava um plano de ação para a apuração dos fatos. ;Ele era encantado pelo furo, pela notícia exclusiva;, diz o jornalista Paulo Fona, hoje secretário de Comunicação do GDF. Fona trabalhou cinco anos com Negreiros no projeto de mudanças na editoria de Cidades, quando o caderno cresceu de duas para oito páginas, na década de 1990.

Ricardo Noblat, um dos grandes amigos de Negreiros, conta que os dois trabalharam juntos durante sete anos no Jornal do Brasil e oito no Correio Braziliense. Os amigos escreveram, ao lado dos também jornalistas Gilberto Dimenstein, Bob Fernandes e Roberto Lopes, O complô que elegeu Tancredo, livro-reportagem sobre os bastidores que levaram à candidatura do presidente que nunca tomou posse.

O senador Cristovam Buarque conta que viveu momentos importantes de sua trajetória política com Negreiros. ;Negreiros me acompanhou em todas as cidades ao redor do país, assistindo a todas as minhas dificuldades e me ajudando a formular os discursos. E ainda era uma companhia muito agradável, conversávamos muito esperando os voos em aeroportos. Era muito intenso e tinha muito conteúdo;, disse o senador.


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