Cidades

Alvo da polícia, invasão no Setor de Clubes Sul abriga mais de 80 pessoas

No local, quatro pessoas foram presas nesta segunda-feira (19/2) por instalações clandestinas de energia elétrica e de água

Otávio Augusto
postado em 20/02/2018 06:00
Invasão fica ao lado do CCBB, perto do Palácio do Jaburu e do Palcácio da Alvorada: maioria dos moradores sobrevive da reciclagem de lixo

O cerrado do Trecho 2 do Setor de Clubes Esportivos Sul, um dos metros quadrados mais nobres da capital federal, esconde uma favela que abriga cerca de 80 pessoas. Crianças e idosos moram em meio a muita lama, lixo e nenhuma infraestrutura. Os barracos de madeirite têm como vizinho o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A menos de 1km, fica o Palácio do Jaburu, a residência oficial do presidente Michel Temer. A 3km está a Praça dos Três Poderes.

Até então desconhecida da maioria dos brasilienses, a invasão se tornou alvo da Polícia Civil. Agentes da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul) foram à localidade atrás de uma dupla acusada de roubar uma bicicleta em dezembro de 2017, na também vizinha Ponte JK. Mas um vazamento de água chamou a atenção dos policiais. Além dos dois suspeitos do roubo, contra os quais havia um mandado de prisão, prenderam quatro pessoas por instalações clandestinas de energia elétrica e de água.

De acordo com o delegado João Ataliba Neto, os acusados de manter e se beneficiar das gambiarras vão responder por furto qualificado. Já os acusados do roubo da bicicleta responderão por roubo. Ele tiveram a prisão temporária de cinco dias decretada pela Justiça. A vítima do roubo deve reconhecer os suspeitos hoje. Se condenados, eles podem pegar até oito anos de prisão.
Crianças

O meio-fio quebrado denuncia a passagem de carros e carroças, mas os barracos ficam escondidos pelas árvores. Cerrado adentro, a invasão se revela. Um amontoado de lixo, o esgoto a céu aberto e os casebres de madeira não deixam dúvidas da ocupação. Crianças correm entre cachorros e lama. A ausência do poder público consolidou a favela.
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Passava das 16h de ontem quando Marcilene Modesto, 37 anos, acendeu uma fogueira na porta do barraco. A fumaça era para espantar mosquitos. Ela mora no local desde 2005. Veio de Pilão Arcado, no interior da Bahia, atrás de sonhos que não se realizaram: emprego e moradia. ;Vivi uma ilusão. Pensei que iria ter uma vida melhor. Lá (na terra natal), passava necessidade de comida, aqui, passo de tudo;, contou a mãe de dois filhos.

A invasão é dividida em módulos, mas as famílias se aglutinam sem uniformidade. A renda por barraco não passa de R$ 350 mensais. O dinheiro é fruto da venda de materiais recicláveis. ;Já peguei muita carroça de madrugada para conseguir botar comida dentro de casa;, detalha Marcilene, que estudou até o 8; ano. ;Desde sempre procuro emprego formal, mas nunca encontrei uma oportunidade;, concluiu.

Assim como Marcilene, a maioria dos moradores veio do Nordeste. Sentado nos restos de um sofá, o catador de materiais recicláveis Manoel Evangelista, 51 anos, observava o trabalho da reportagem. Ele veio para o Planalto Central em 1989. Trouxe na mala o desejo de estabilidade socioeconômica. Hoje, vive em vulnerabilidade social. A favela virou seu endereço em 2000.

Uma das pessoas presas era Daiane Faria da Silva, 30 anos, mulher de Manoel. O choro engasgado conflitava com o sentimento de revolta. ;A polícia chegou como se fôssemos bandidos. Meteram o pé na porta e tiraram as crianças a força;, ressaltou. Ele não vê problemas no furto de água e eletricidade. ;Qual invasão não tem isso?;, questionou, ao apontar para os restos de fios e canos arrebentados.

Após a ação policial, ficou o medo de derrubadas. ;Não temos para onde ir. Queremos levar uma vida digna, com casa e trabalho decente, mas não conseguimos;, desabafou Manoel. Marcilene emendou: ;Esta é a primeira vez que pais e mães de família são levados daqui dessa forma. As famílias que vivem aqui são direitas.; Na noite passada, os barracos de Manoel e Marcilene foram iluminados à luz de velas.

Destino

Esta é a segunda vez em dois anos que gambiarras de água e energia elétrica são desligadas na favela próxima ao CCBB. Em maio de 2016, uma força-tarefa da Agência de Fiscalização (Agefis) combateu ligações clandestinas. Na ocasião, ninguém foi preso. Os barracos, à época, de lona e telha foram removidos. Assistentes sociais da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social estiveram no local, mas não houve pedido de cadastramento para pedido de auxílios ou benefícios.

Ontem, o Correio pediu ao GDF explicações sobre o que será feito com a favela. Até o fechamento desta edição, o governo não respondeu se monitora a região e se vai retirar os moradores.

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