Cidades

Jovens brasilienses se aventuram em monumentos públicos e cachoeiras

"Esportes radicais" muitas vezes são feitos sem os cuidados necessários para a prática, como falta de capacete e de outros equipamentos. Especialistas alertam para a gravidade

Guilherme Goulart
postado em 23/02/2018 06:00
Jovens se arriscam ao subir no teto do Estádio Nacional Mané Garrincha, fazer acrobacias na lona da arena e se sentar na beirada da estrutura: exibicionismo para postar imagens nas redes sociais
As imagens provocam um frio na espinha. O jovem sem camisa, muitas vezes sem capacete ou qualquer equipamento de segurança, se ajeita do alto de uma edificação pública ou de um penhasco, sorri para a câmera, respira fundo e se atira em queda livre. Ao fundo, ouvem-se aplausos, gritos e alguns palavrões de apoio. Em seguida, as imagens do salto ganham as redes sociais, dezenas, centenas de ;likes; e mensagens de apoio, tendo a palavra ;adrenalina; como personagem principal.

Esse tipo de cena poderia ter sido gravada em Pipeline Bungy, na Nova Zelândia, ou em Royal Gorge Suspension Bridge, nos Estados Unidos, onde saltos semelhantes são assistidos por empresas de segurança especializadas e com equipamentos de primeira linha. Mas elas ocorrem no Plano Piloto, em monumentos como a Ponte JK, a Ponte Honestino Guimarães e o Estádio Nacional Mané Garrincha. Cachoeiras nas imediações do Distrito Federal também servem como point de risco para performances improvisadas e até transmitidas ao vivo pela internet. A prática de esportes radicais em locais públicos, como pontes, além de ser proibida, é uma contravenção penal. E só pode ocorrer com permissão da autoridade legal.
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Instagram e YouTube são as plataformas preferidas de jovens brasilienses. Nesses espaços virtuais, encontram-se com facilidade diversos vídeos e fotos de garotos e garotas que se exibem em práticas radicais como o rope jump e a queda livre. Sem serem incomodados, e quase sempre sem autorização do poder público, eles se atiram no ar sob o incentivo de quem estiver ao redor. Em uma das gravações obtidas pelo Correio, uma menina é carregada e jogada por três rapazes no vão da Ponte JK, presa apenas por uma corda ;especial;, em uma aparente imprudência com a própria vida. As imagens são feitas à noite ou de madrugada.

Um dos aventureiros mais ativos desses canais tem 24 anos e se apresenta como estudante de engenharia de produção em uma universidade do DF e cofundador de um grupo conhecido como Caçadores de adrenalina. O jovem reúne no Instagram quase 2,5 mil seguidores (leia Memória), que, com frequência, têm acesso a vídeos com saltos mortais e com poucos equipamentos de segurança. Um dos cenários inusitados é o teto do Mané Garrincha. Do alto da arena, o rapaz usa a lona como uma espécie de cama elástica. As manobras são realizadas sem corda ou capacete ; pelas imagens, ao amanhecer. Ele e alguns amigos ainda aparecem sentados no limite do estádio de 46m de altura, com as pernas voltadas para a parte externa, sem nenhum equipamento capaz de evitar uma tragédia. Adrenalina a qualquer preço é o que eles buscam. O valor à vida fica em segundo plano.
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Análise de risco

O Correio submeteu seis vídeos à análise de especialistas e praticantes de esportes radicais de Brasília. Alguns se surpreenderam com as imagens. O instrutor de técnicas verticais Jeferson Soares de Ávila destacou a negligência na prática. ;Um dos problemas é que o rope jump não tem regulamentação no Brasil, mesmo assim, tudo deve ser feito com material adequado. Pelas imagens, dá para ver que eles não usam o equipamento mínimo exigido. Além do mais, se a pessoa saltar errado, pode bater em alguma estrutura da ponte e se machucar;, avalia.

Experiente em corda e primeiros socorros, Erika Reinehr chama a atenção para o risco da prática esportiva realizada no improviso. ;Acho que eles serão prováveis pacientes dos bombeiros. Daqui a pouco, vai dar errado;, ressaltou. ;O meu medo é que se dê mais publicidade para um grupo de meninos inconsequentes. Quem assistir (aos vídeos) pode querer copiar e subir clandestinamente no ginásio (Estádio Nacional) ou pular de qualquer cachoeira. Neste caso, não é possível, não dá para ver se tem pedra embaixo;, conclui Erika, que trabalhou na Cruz Vermelha e em conjunto com o Corpo de Bombeiros.

A multisporter, treinadora de canoagem e personal trainer Diana Nishimura alerta para a qualidade dos equipamentos usados em qualquer tipo de esporte, principalmente os radicais. ;Acho que o livre arbítrio de se arriscar é pessoal, contanto que não haja vandalismo, não leve junto ou na conversa menores de idade. A minha opinião é que o perigo é relativo a cada um. Eu fiz e até faço ainda algumas coisas consideradas perigosas para muitos, mas, pode apostar, sempre tinha muita segurança no que eu estava fazendo;, disse.

Por meio da assessoria de comunicação, o Corpo de Bombeiros evitou fazer análise de risco sobre as imagens, pois a avaliação teria de envolver ;elementos ligados ao cenário, à situação desenvolvida no momento, ao aparato existente por trás das câmeras e a inúmeros outros possíveis elementos.; Mesmo assim, a corporação ;orienta que toda e qualquer atividade realizada, na qual envolva a possibilidade do risco de morte ou coloque em risco a integridade física do praticante, deve ser realizada sob supervisão de pessoal qualificado, atentando para os dispositivos de segurança específicos, utilização de equipamento de proteção individual, além do desenvolvimento de aptidão para o desempenho seguro da atividade;.

A Polícia Militar informou que os PMs são orientados a fazer a abordagem a fim de chamar a atenção para os riscos. Para a prática de rapel nessas edificações, é preciso autorização das administrações regionais. O Correio tentou contato com o jovem de 24 anos mencionado na reportagem, mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno.

Memória

Em busca de seguidores
O exibicionismo nas redes sociais provoca mortes pelo mundo. Um grupo de pesquisadores norte-americanos chegou a mapear locais e quantidades de óbitos provocados por tentativas de selfies em pontos de risco. Segundo reportagem da BBC Brasil, o estudo, conduzido pelo estudante de doutorado Hemank Lamba e por uma equipe da universidade de Carnegie Mellon, em Pittsburgh, registrou, entre 2014 e 2016, 127 mortes. Foram 76 na Índia, nove no Paquistão, oito nos Estados Unidos e seis na Rússia. Os pesquisadores concluíram que as fatalidades ocorrem na tentativa de conquistar seguidores nas redes sociais. À época, o grupo desenvolvia um aplicativo capaz de avisar quando as pessoas estão em perigo para fazer selfies. No Brasil, foram registrados pelo menos dois casos no ano passado, o de um jovem no interior de São Paulo e o de um artista plástico em Tocantins.

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