Cidades

Mulher dá à luz em casa após ser dispensada de hospital público

Moradora de Santa Maria, a mãe diz que buscou o Hospital Regional do Gama três vezes, sendo dispensada em todas as ocasiões. Secretaria de Saúde apresenta versão diferente

Philipe Santos*
postado em 28/02/2018 18:20
A criança e a mãe, logo após o parto em casa, feito pelo marido e uma amiga do casal
Uma moradora de Santa Maria acusa a Secretaria de Saúde de não ter dado a ela a atenção necessária no fim da gestação. Segundo a operadora de caixa Enir Rodrigues de Souza, 35 anos, ela foi três vezes ao hospital e orientada, em todas as ocasiões, a voltar para casa. Acabou tendo o filho em sua residência, com a ajuda do marido, e internada apenas ao ser levada a uma unidade de saúde pelo Serviço de Atendimento Móvel Urbano (Samu). O órgão público contesta a versão contada pela mãe.

Enir diz que procurou o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) em 1; de fevereiro, depois de sentir que estava perdendo líquido amniótico. "Quando eu comecei a perder líquido, fui para o hospital de Santa Maria, e a médica me encaminhou para o hospital do Gama, porque não havia pediatra. Mas, no Gama, o médico me disse que o líquido era xixi, e não da bolsa, e me liberou", conta.

No dia seguinte, sexta-feira (2/2), prossegue a mulher, ela continuava sentindo a perda de líquido e, por isso, voltou ao Hospital de Santa Maria e, mais uma vez, encaminhada ao Gama. "Cheguei a pedir para ficar lá pelo que ocorreu no dia anterior, mas a médica avisou que não teria como, pela ausência de pediatra", diz.

Dessa vez, ela foi internada no Gama. "Uma médica me disse que não havia o que ser feito, porque eu estava com 37 semanas de gravidez e daria para esperar. Ela disse que falaria com outros médicos e retornaria, o que não ocorreu. Passei a noite sem receber mais nenhum atendimento e só no outro dia um outro médico foi me ver", relata. À tarde, segundo ela, outro profissional pediu um exame de imagem e a liberou.

No domingo (3/2), além da perda de líquido que ela continuava sentindo, Enir afirma que começou sentir fortes dores. "Chamamos o Samu e voltei ao Hospital do Gama. Ao chegar lá, o médico me disse que eu não estava em trabalho de parto, me perguntou que grávida não sente dor e me liberou". A operadora de caixa diz que voltou para às 21h e que, por volta de meia-noite, voltou a sentir dores muito fortes. "Meu marido viu que a criança já estava saindo e, no desespero e sem experiência alguma, começou a fazer o parto com ajuda de uma amiga", relata.

Secretaria tem versão diferente


A Secretaria de Saúde confirma que Enir deu entrada no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) em 1; de fevereiro, às 11h44, alegando perda de líquido. "A paciente estava com idade gestacional em torno de 37 semanas. Após ser atendida e avaliada, foi orientada a procurar o Hospital Regional do Gama (HRG), pois é a unidade da região referência em partos de idade gestacional acima de 37 semanas de baixo risco. No mesmo dia, a paciente procurou o HRG, onde foi avaliada, examinada e orientada a retornar à sua residência, pois seu quadro clínico não indicava internação no momento", afirma a pasta em nota.
No dia seguinte, continua a secretaria, a paciente procurou novamente o HRSM, onde mais uma vez passou por avaliação e foi orientada a buscar atendimento no HRG. "Ao dar entrada no Hospital do Gama, nesse mesmo dia, às 21h17, a paciente ficou internada para observação. No sábado, E.R.S permaneceu em observação até às 14h51, onde recebeu alta por não estar em trabalho de parto. Foi orientada a retornar ao hospital caso o ritmo das contrações aumentasse. Não foi identificado, através de exame clínico, a perda de líquido", argumenta a secretaria.
O órgão do GDF, no entanto, não relata a terceira ida da paciente ao HRG. Na nota, diz que Enir voltou ao um dia depois da internação, já com o filho. "No domingo, a paciente deu entrada no HRG, mais de 24 horas após a última avaliação no hospital, encaminhada pelo Samu, após parto domiciliar", diz a nota.

Paciente questiona tratamento dado ao bebê


A mãe reclama que os problemas de atendimento continuaram depois do nascimento. "Ao chegar ao local, a equipe médica me perguntou como foi feito o parto e se tinha tirado a placenta. Foi quando fui separada do meu filho e me informaram que ele estava fraco e que, por isso, seria incubado, com suspeita de infecção", diz.

Enir acrescenta que não teve contanto com o filho nem para amamentar. ;Os médicos só me liberaram para ver ele de longe. Na terça-feira (6/2), fui eu que tive febre, com suspeita de infecção, e comecei o tratamento médico com o antibiótico;, conta. ;Só consegui amamentar meu filho na quarta-feira (7/2), e só tinha contato com ele a cada três horas, já que ele não apresentava melhoras;, continua. De acordo com a mãe, a criança passou seis dias na incubadora, e, nove dias após dar entrada no hospital, ambas foram liberadas.

A Secretaria de Saúde também tem uma versão diferente para o que aconteceu nesse período. "Na terça-feira, a mãe apresentou febre puerperal, com suspeita de infecção, e iniciou o tratamento com antibiótico. Do dia 4 ao dia 6, o bebê foi alimentado por sua mãe. No entanto, entre os dias 6 e 8, o bebê precisou ser alimentado por sonda, pois foi identificada incompatibilidade sanguínea com a mãe. Por esse mesmo motivo, o bebê apresentou ainda anemia fetal e precisou de fototerapia. Na sexta-feira, o bebê retornou à alimentação materna. Não houve qualquer separação entre mãe e filho, eles permaneceram no mesmo andar", afirma a pasta.

O órgão acrescenta que "nenhuma dessas complicações apresentadas por mãe e filho têm relação com o parto em casa, mas sim com a incompatibilidade sanguínea". "Ambos receberam toda a assistência necessária desde que chegaram à unidade. Os pacientes receberam alta no dia 13/02."

Frustração e medo


Passado o susto, a mãe revela que todo o episódio a deixou abalada emocionalmente. "Eu estava ansiosa pelo meu filho e agora tenho medo. Não via a hora de sair daquele lugar, ainda mais depois de passar pelo que passei. Depois que ele nasceu, já na ambulância, pensei que o pior já tinha passado e que, ao chegar no hospital, ficaria com ele. Não estou feliz. Para mim, esse é o momento mais feliz de uma mulher, mas eu passei dias preocupada", desabafa.

A operadora de caixa diz que deve processar o DF. "Já procurei orientação e me falaram para ir ao fórum, procurar o Ministério Público. Amanhã (quinta-feira 1;), farei isso", afirma.
* Estagiário sob supervisão de Humberto Rezende

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