Ciência e Saúde

A anorexia e a bulimia já atingem 1% e 5% das mulheres no mundo

postado em 09/07/2009 08:00 / atualizado em 21/09/2020 14:24

Reféns da busca desenfreada por padrões de beleza estabelecidos no cinema, no mundo da moda ou na publicidade, jovens e adolescentes se empenham em alcançar formas e contornos nem sempre tangíveis. A obsessão pela magreza pode desencadear a bulimia nervosa e a anorexia nervosa, doenças classificadas no grupo de transtornos alimentares pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando abatem artistas ou modelos famosas, os distúrbios viram notícia. No entanto, anônimos insatisfeitos com a própria imagem e determinados a se enquadrar na ditadura de corpos perfeitos são cada dia mais atingidos pelos problemas. Embora não se saiba com precisão o número de anoréxicos e bulímicos no Brasil e no mundo, é certo que as duas doenças são realidade em praticamente todos os países. Segundo Adriano Segal, diretor de Psiquiatria de Transtorno Alimentar da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), a anorexia atinge 1% da população feminina mundial, enquanto que a bulimia chega a 5%. ;São doenças psiquiátricas crônicas causadas por uma complexa interação entre aspectos genéticos, psicológicos e sociais, sempre desencadeadas por dietas alimentares;, observa o médico (veja quadro). ;Profissionais valorizados pela forma física, como modelos, bailarinas e jóqueis, têm maior chance de desenvolverem os transtornos, mas com o ;tsunami; de regras estéticas absurdas, as doenças atingiram pessoas de outras áreas;, relata Segal. A prevalência entre os homens é de cinco a 10 vezes menor que a incidência entre as mulheres, mas o impacto na vida do doente e dos familiares é desastroso em todos os casos. Os sinais e sintomas mais evidentes são o medo de engordar e as mudanças no comportamento alimentar, caracterizado pela recusa de alimentos, no caso da anorexia, ou pelo comportamento compulsivo ao se alimentar seguido da tentativa de eliminar o que foi ingerido (provocando o vômito ou usando de laxantes, por exemplo), no caso da bulimia. Depressão O psiquiatra do Programa de Orientação e Assistência aos Pacientes com Transtornos Alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marcel Higa Kaio, alerta que pelo menos 30% dos pacientes também sofrem de depressão. ;As duas doenças trazem consequências que comprometem ainda mais a autoestima. Nos homens anoréxicos, é observada a perda do interesse sexual. Nas mulheres, há interrupção da menstruação e possível comprometimento da fertilidade. Mas uma série de transtornos nos rins, coração e outros órgãos são comuns tanto para eles quanto para elas;, enfatiza Kaio. Embora crônicos, os dois problemas são passíveis de tratamento quando o diagnóstico não é tardio. O problema é que a vítima, principalmente a de anorexia, não aceita a doença e se nega a tratá-la. Raphael Boechat, psiquiatra e professor da Universidade de Brasília (UnB), lembra que a negação leva a família e os próprios pacientes a procurarem ajuda somente quando o mal está em fase avançada. De acordo com ele, sem tratamento, os transtornos se agravam, gerando outras enfermidades. ;Alguns anoréxicos chegam aos hospitais correndo risco de morte, restando poucas opções aos médicos;, lamenta. Boechat adverte que de 5% a 18% dos pacientes anoréxicos morrem em decorrência da doença e que a bulimia pode evoluir para o câncer do esôfago em razão dos vômitos que alteram a mucosa do órgão. ;A família e os amigos exercem papel importante na aceitação e no incentivo pela busca de ajuda especializada. Sozinho, o doente dificilmente busca o tratamento;, aponta o médico. Infelizmente, ainda há muito desconhecimento sobre os problemas. Pesquisa do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela que grande parte dos pais subestima a gravidade dos trasntornos. ;Isso se relaciona a uma crença de que as alterações de comportamento dos filhos são uma postura típica da adolescência;, dizem os autores do estudo, Cybele Espíndola e Sérgio Blay. ;Eu me via enorme; Além dos danos físicos, os males fazem com que a vida emocional e profissional dos doentes estacione. A mestre em relações internacionais A.B.G.*, 33 anos, reconhece que parou no tempo e que sem a ajuda dos pais jamais teria sobrevivido aos dois transtornos. ;Tinha 19 anos quando desenvolvi a bulimia. Meu peso era normal, mas me via enorme diante do espelho. Tinha um histórico de dietas e depressão e via na comida uma forma de descarregar minhas insatisfações e frustrações. Como desejava um corpo perfeito, passei a tomar laxantes para compensar o que comia;, conta. O próximo passo de A. foi começar a provocar o vômito. ;Não sou baixa, tenho 1,71m, mas a distorção em relação a minha imagem era tanta que, além dos vômitos e dos laxantes, passei a comer o mínimo possível. Cheguei a pesar 46kg. Mesmo assim, decidi casar e ir morar nos Estados Unidos, onde precisei ser levada às pressas para o hospital. Uma parada cardíaca era iminente;, relata. Os médicos a enviaram para um centro de tratamento específico para pacientes com transtornos alimentares. ;Entendi que poderia ter uma alimentação normal sem engordar, mas quando voltei ao Brasil tive uma recaída. Essas doenças são um vício. A caminhada de volta é dolorosa. Retornei para os Estados Unidos para me tratar e, desde 2006, tenho superado o problema. É uma luta diária. Sou uma sobrevivente;, conclui. * Nome não revelado a pedido da entrevistada ; Ouça depoimento sobre a bulimia dado por A.B.G.

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