Ciência e Saúde

A ajuda da jararaca contra a hipertensão

Pesquisadora da USP e do Instituto Butantan descobre, no veneno de uma cobra muito comum no Brasil, uma substância que promete ajudar a reduzir a pressão arterial sem os efeitos colaterais comuns aos medicamentos atuais

postado em 14/10/2009 09:36
Uma pesquisa do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) pode revolucionar o controle da hipertensão arterial, mal que atinge pelo menos 30 milhões de brasileiros e 600 milhões de pessoas em todo o mundo. O estudo feito por Claudiana Lameu, que também é pesquisadora do Instituto Butantan, de São Paulo, encontrou no veneno da cobra jararaca, presente em boa parte do Brasil, um novo tipo de peptídio potencializador de bradicinina (BPP) - substância capaz de controlar a hipertensão arterial -, que teria a vantagem de não apresentar efeitos colaterais. Os atuais medicamentos disponíveis no mercado já são baseados em BPPs, mas agem na inibição de uma substância conhecida como enzima conversora de angiotensina (ECA) - ou seja, atuam na diminuição de substâncias causadoras do aumento da pressão arterial. Em contrapartida, a diminuição dessas substâncias causa uma elevação da frequência cardíaca, o que dificulta o tratamento de muitos pacientes. Já o peptídio descoberto por Claudiana tem uma ação completamente diferente, e mais eficaz. Ele age nos barorreceptores, agentes que regulam a pressão, impedindo por exemplo, que ela caia bruscamente quando nos levantamos, ou suba excessivamente quando praticamos exercícios. Com a ação do peptídio estudado pela farmacêutica paulista, esses barorreceptores ficam mais sensíveis, controlando com mais eficácia as variações na pressão arterial. A principal vantagem em relação aos medicamentos atuais está em uma aparente ausência de efeitos colaterais, como a elevação da frequência cardíaca. "Ainda não conhecemos de fato quais seriam as contraindicações. No entanto, por ser uma molécula endobiótica e agir em doses muito baixas, acreditamos que reações adversas sejam mínimas", explica Claudiana. Testes A pesquisa foi realizada com dois grupos de ratos. Um, formado por animais hipertensos, o outro por animais saudáveis. Ambos receberam as mesmas quantidades do BPP de jararaca. No grupo hipertenso, os animais tiveram suas pressões reguladas, sem o desenvolvimento de qualquer reação adversa, o que comprova a eficácia da ação da substância. Já no grupo saudável, nada aconteceu, o que sugere que a substância age apenas na regulação do funcionamento dos barorreceptores, não interferindo em outras funções do organismo dos animais. "Os resultados foram muito positivos, pois essas moléculas foram capazes de diminuir a pressão arterial somente de ratos doentes e corrigir problemas inerentes à hipertensão", comemora a pesquisadora. A substância estudada por Claudiana não é encontrada apenas no veneno do réptil - também está presente no sistema nervoso e no baço do animal. "O interessante é que, se o veneno está presente também em outros tecidos importantes da jararaca, como o cérebro, por exemplo, isso é um sinal de que ele tem algum papel fisiológico importante para ela", comenta. A próxima fase das pesquisas é verificar a eficácia da substância na hipertensão arterial de seres humanos. Ainda não existe, porém, previsão para a inovação chegar às farmácias e aos hospitais. "Já fui procurada por algumas indústrias farmacêuticas, que, pelo potencial das moléculas, ficaram muito interessadas em prosseguir com os estudos em seres humanos, mas para isso muito dinheiro precisa ser investido, por se tratar de uma inovação radical", completa Claudiana.

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