Ciência e Saúde

Uso de baixas doses de antidepressivos provocou melhoras de humor mesmo em pacientes saudáveis

Pesquisadora e especialista, porém, alertam para os riscos de dependência química com a automedicação

postado em 11/11/2009 08:00
Pesquisadora e especialista, porém, alertam para os riscos de dependência química com a automedicaçãoUma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) chegou a um resultado inesperado sobre o uso de antidepressivos. Depois de analisar o comportamento de 120 voluntários, os pesquisadores descobriram que paciente saudáveis que tomavam baixas doses de medicamentos contra a depressão apresentavam melhoras no humor e se tornavam mais tolerantes quanto aos problemas do dia a dia.

Na pesquisa paulista, os voluntários receberam doses de clomipramina, um antidepressivo popular no tratamento de pacientes depressivos e com comportamentos obsessivos. Os resultados foram positivos em 30% dos casos. Os demais pacientes, que tomaram placebos (substâncias sem qualquer princípio ativo), não relataram alterações de humor ou disposição.

Para uma das coordenadoras da pesquisa, a farmacêutica e professora do departamento de farmacologia da USP Clarice Gorenstein, os pacientes saudáveis tiveram efeitos que não são esperados para esse tipo de medicamento. ;Os resultados obtidos evidenciaram a presença do efeito extraterapêutico em boa parcela dos sujeitos normais que receberam clomipramina. Esse efeito caracterizou-se pelo aumento da tolerância, pela diminuição da irritação, tensão e preocupação, além do aumento de eficiência;, conta.

Segundo ela, os voluntários que ingeriram o medicamento relataram aumento do sentimento de segurança e disseram que passaram a lidar melhor com a necessidade de priorização de tarefas e de tomada de decisões. ;Eles relataram ainda uma sensação de bem-estar, e disseram se sentir diferentes do habitual. Chegaram a afirmar que não se reconheciam em algumas atitudes, contando, por exemplo, que em situações adversas não tinham reações de fúria;, explica Clarice.
Lúcia* toma quatro remédios diariamente. Fica nervosa sempre que os remédios estão perto de terminar. A necessidade deles para tratar a depressão crônica já virou dependência
;As conclusões de nossos estudos ; de que aproximadamente 30% das pessoas sem transtornos psiquiátricos mencionam melhora do bem-estar ; não corroboram que a administração de antidepressivos é indicada para pessoas sem queixas de sintomas psíquicos. Nosso objetivo é produzir conhecimento, entender melhor o que esses medicamentos fazem e como. As indicações clínicas são de outra natureza e não foram tema deste estudo.;

Cuidados
Apesar dos bons resultados, a pesquisadora não estimula o uso do medicamento por pessoas saudáveis . ;Não há como negar que a divulgação de resultados positivos associados a medicamentos sempre gera curiosidade. A automedicação, porém, é sempre indesejável, independentemente do tipo de medicamento envolvido;, explica Gorenstein. ;Não incentivamos a automedicação nem a prescrição de antidepressivos a pessoas saudáveis;, conclui, lembrando que, mesmo com bons resultados, todos os pacientes relataram efeitos colaterais . Entre eles, boca seca e constipação intestinal, os mesmos de pacientes doentes que usam antidepressivos.

Conselheiro do Distrito Federal no Conselho Federal de Farmácia (CFF), Antônio Bala Barbosa da Silva alerta que a automedicação pode provocar sérios problemas. ;As pessoas não percebem que a diferença entre um medicamento e um veneno é apenas a dose. Algo que pode curar também pode ser fatal;, conta. Para ele, tomar remédios por conta própria é uma questão cultural. ;Está muito arraigado em nossa cultura esse hábito de ir a qualquer farmácia e comprar um remedinho para resolver o problema de imediato. Até os balconistas das drogarias são treinados para incentivar a automedicação.;

Ele alerta que, no caso dos remédios contra a depressão, o perigo é ainda maior, pois eles podem causar dependência química e psicológica. ;Muitos pacientes desenvolvem depressão por usar indevidamente antidepressivos. São pessoas que tinham outros problemas, mas que acabam se prejudicando com o uso do medicamento.; Para os pacientes doentes, o risco é o mesmo. ;Mesmo nos casos diagnosticados, o médico deve ter cautela na hora de receitar esses medicamentos. O uso deve ser sempre acompanhado de perto para evitar problemas;, completa.

Esse é o caso da estudante Priscila*, 21 anos. Portadora de transtorno bipolar, ela toma regularmente até quatro medicamentos. ;Um antidepressivo ;principal; pela manhã, um repositor de lítio, um para controlar a ansiedade, que só tomo em caso de emergência, e outro mais leve, que tomo pra dormir melhor, ter menos pesadelos;, relata.

Ela conta que seu organismo apresenta reações quando ela permanece sem os remédios. ;Eu sinto mais abstinência do que efeitos colaterais mesmo. Se ficar sem tomar os remédios por dois dias seguidos, meu metabolismo fica desregulado. Eu como demais ou não como nada, por exemplo. Ou então, dá desespero, angústia. E o humor oscila demais, de um dia para o outro, e às vezes até menos;, lamenta a estudante.

Outra que relata a mesma dificuldade é a professora Lúcia*, 49 anos. Os quatro medicamentos que toma, dois deles de venda controlada, também causam uma relação de dependência. ;Quando o remédio está acabando, eu começo a ficar nervosa, só de imaginar que eu posso ficar sem ele;, conta Lúcia, que tem um caso de depressão crônica. ;Se eu não tomá-los, não consigo nem levantar da cama, perco totalmente as forças;, conta.

Sempre com os remédios na bolsa, Lúcia não consegue imaginar um futuro sem eles. ;Pelo menos por enquanto, não vejo a possibilidade de parar de tomá-los. Eles são realmente importantes para que eu continue bem;, completa.

* Nomes fictícios a pedidos das entrevistadas

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