Tratamento com botox pode amenizar incontinência urinária

Embora físico, mal provoca devastadores efeitos emocionais e sociais

postado em 10/12/2009 08:03

Há pelo menos oito anos, o aposentado Francisco Ney Figueiredo, 75, é refém da incontinência urinária. Devido à perda involuntária de urina, ele quase não sai de casa: as viagens e os passeios são apenas lembranças e as poucas excursões para resolver assuntos urgentes se revelam verdadeiras aventuras, que nem sempre acabam bem. "Passei a limitar todas as atividades. A incontinência é um problema físico que afeta em cheio o emocional e a vida social. Para não passar pelo constrangimento de fazer xixi nas calças, ficamos confinados ou obsessivos por banheiros. Eles são a primeira coisa que procuramos quando chegamos a qualquer local público. É um verdadeiro tormento. Quando imaginava que poderia aproveitar mais a vida, me apareceu esse revés", relata. Francisco não está sozinho. A incontinência urinária de urgência (bexiga hiperativa) atinge cerca de 35 milhões de brasileiros. A mais recente alternativa de tratamento alivia o transtorno de muitos incontinentes e traz, ainda que temporariamente, mais qualidade de vida a essas pessoas. A toxina botulínica (botox), conhecida e usada por cirurgiões plásticos para amenizar rugas de expressão, vem sendo aplicada para tratar o sintoma há algum tempo. No Brasil, a novidade é usada oficialmente desde janeiro de 2009 - mas o procedimento já era adotado por alguns médicos anteriormente. Embora aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária há quase um ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não oferece a terapia com a substância, e muitas pessoas que sofrem do problema nem sequer sabem dessa possibilidade. A aplicação do botox no problema é indicada para os pacientes que tentaram o tratamento medicamentoso, mas não obtiveram resultados satisfatórios. Ela pode ser realizada quando a causa do transtorno é no próprio órgão. De acordo com o urologista Aderivaldo Cabral Dias Filho, do Hospital Urológico de Brasília, a toxina paralisa os músculos e inibe as contrações da bexiga, impedindo que a pessoa sinta vontade incontrolável de urinar. "Lançamos mão dessa opção quando os remédios e a fisioterapia não funcionam. A terapia não é mais novidade no exterior, mas no Brasil ainda enfrentamos entraves burocráticos e falta de formação de profissionais. Isso dificulta o uso e a aplicação da substância e impede que muitos pacientes tratem a incontinência com uma alternativa segura e padronizada em instituições internacionais de renome", afirma. Rapidez A terapia é feita pelo canal da uretra por meio de uma agulha endoscópica e a toxina botulínica é injetada na musculatura ou na submucosa da bexiga. O botox é recomendado apenas para quem tem a bexiga hiperativa, ou seja, pessoas que perdem urina antes de conseguir chegar ao banheiro, vítimas da incontinência urinária de urgência. A indicação da anestesia é feita de acordo com as condições clínicas, o diagnóstico, a experiência e a preferência do urologista, único profissional capacitado a realizar o procedimento. "A aplicação dura pouco mais de meia hora. Geralmente são 20 ou 30 agulhadas, que doem um pouco. Então, para dar mais conforto ao incontinente, lançamos mão da anestesia local e da sedação", explica o médico. Assim como na aplicação estética, os efeitos do botox têm prazo limitado. Depois de sete meses, a aplicação deve ser refeita. Estudos sugerem que a incontinência urinária acomete homens e mulheres, mas é mais comum entre elas. A idade avançada é um fator de risco relevante. De acordo com o chefe do Departamento de Urologia Feminina da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Luís Seabra Rios, ela até atinge crianças, mas "é importante entender" que a incontinência ocorre de formas diferentes para cada grupo. "Ela não é uma doença, mas a consequência de um transtorno na bexiga, que pode ser, inclusive, má formação. O especialista precisa saber exatamente a causa do distúrbio para indicar o tratamento ideal. Até certa idade, é mais comum entre pacientes do sexo feminino, porque as mulheres estão mais expostas a agressões na bexiga durante a gestação e o parto", garante o médico. Na terceira idade, porém, a incontinência atinge os dois sexos na mesma proporção. A aplicação de botox é segura, mas não é indicada para todos os casos. As contraindicações são para aqueles que têm hipersensibilidade à toxina botulínica, doenças neurológicas severas, principalmente as neuromusculares, e insuficiência respiratória. "O paciente com bexiga hiperativa deve procurar um urologista que domine a técnica. O uso inadequado da substância pode impedir a micção. Isso ocorre se o produto for aplicado em excesso, por exemplo", destaca Rios. Os transtornos desencadeados pela incontinência vão muito além da urina incontida. O constrangimento acaba provocando estresse, ansiedade e depressão. Foi o que aconteceu com a aposentada Carolina*, 83 anos. "Minha mãe é uma senhora ativa, que gosta de passear, visitar amigas, andar no shopping. A incontinência a impedia de ter vida social. Ela ficou limitada, presa em casa, e a depressão não tardou a aparecer. A aplicação do botox foi providencial e a livrou da tristeza", avalia a filha de Carolina, Patrícia*. "A incontinência afeta mais a qualidade de vida do paciente que muitas doenças crônicas. Ela tem um impacto muito negativo, não dói, não mata, mas isola a pessoa", lembra o urologista da SBU. *Nomes fictícios a pedido das entrevistadas