Ciência e Saúde

Entupidas de ar

Tese de doutorado apresentada na USP revela que poluição atmosférica, além de atingir duramente o aparelho respiratório, faz mal para o coração. Estudo mostra que partículas poluentes engrossam placas de gordura nas artérias

Paloma Oliveto
postado em 12/12/2009 07:00
Tese de doutorado apresentada na USP revela que poluição atmosférica, além de atingir duramente o aparelho respiratório, faz mal para o coração. Estudo mostra que partículas poluentes engrossam placas de gordura nas artériasAlém dos males provocados no aparelho respiratório, o ar poluído faz mal para o coração. Uma pesquisa inédita da Universidade de São Paulo (USP) conseguiu provar, pela primeira vez, que as partículas de gases poluentes, como os emitidos pelos carros, aumentam as placas de gordura nos vasos sanguíneos, causando o entupimento das artérias. O acúmulo de gordura é responsável por problemas como enfartos e acidentes vasculares cerebrais.

O resultado da tese de doutorado da biomédica Sandra Regina Castro Soares foi destaque neste mês da publicação especializada internacional Atherosclerosis. Embora pesquisas epidemiológicas já tenham relacionado a poluição a doenças cardiovasculares, nenhuma havia provado, em laboratório, que as partículas tóxicas agem no organismo a ponto de formar placas de gordura nos vasos.

Para chegar a essa conclusão, Sandra expôs camundongos ao ar respirado na capital paulista, a 10m de distância de duas ruas bastante movimentadas. ;O interessante é que trabalhos anteriores eram feitos com concentradores de poluição. Na tese da Sandra, os camundongos inalaram o mesmo ar que nós respiramos;, diz a pesquisadora da USP Maria Lucia Garcia, que orientou a tese de doutorado. Ela lembra que, assim como os humanos, os animais usados no estudo respiram pelo nariz e pela boca, o que torna o modelo bastante viável como exemplo.

Tese de doutorado apresentada na USP revela que poluição atmosférica, além de atingir duramente o aparelho respiratório, faz mal para o coração. Estudo mostra que partículas poluentes engrossam placas de gordura nas artériasA pesquisa trabalhou com dois grupos de ratos ; em ambos, os animais possuíam taxas altas de colesterol. As câmaras que os abrigavam foram montadas no jardim da Faculdade de Medicina da USP, perto do asfalto. Em uma delas, o ar era filtrado. Na outra, não havia qualquer tipo de proteção. Todos os ratos que participaram da pesquisa recebiam o mesmo tipo de alimentação. Desde o nascimento até os quatro meses de idade, os camundongos ficaram nas câmaras. De acordo com a professora Maria Lucia, os 120 dias de vida do rato equivalem a cerca de 40 anos em humanos, idade na qual os enfartes costumam passar a ocorrer.

Espelho
A orientadora da tese lembra que o efeito da poluição no organismo pode variar, de acordo com a localização e o tipo de partículas no ar. A toxicidade encontrada em São Paulo, porém, é o espelho das grandes metrópoles, já que 80% da poluição é de origem veicular. A pesquisa, portanto, se aplica não apenas à capital paulista, mas a todas grandes cidades do mundo. Em Brasília, onde já circulam mais de 1 milhão de veículos, a população tem motivo para se preocupar porque, quanto menor a umidade relativa do ar, por mais tempo as partículas poluentes se mantêm suspensas.

Como resultado da pesquisa, o grupo de animais que respirou o ar natural de São Paulo apresentou placas de gordura mais grossas e o LDL ; chamado ;colesterol ruim; ; oxidado. A relação entre poluição e espessamento das artérias ocorre porque o ar contaminado contém partículas que, inaladas, entram na corrente sanguínea e mudam a estrutura da molécula do LDL. A nova composição da proteína faz com que as camadas de gordura se formem mais facilmente, entupindo as paredes dos vasos.

A professora da USP esclarece que, nesse estudo específico, optou-se por utilizar ratos com colesterol para medir as consequências da poluição em quem possui o problema. Porém, outro trabalho orientado por ela provou que mesmo os camundongos com taxas normais de gordura no sangue ficaram com os vasos coronarianos mais espessos, confrontados com as partículas poluentes.

O mais assustador
Segundo ela, é assustador pensar que o ar de São Paulo está dentro dos limites de qualidade aceitáveis internacionalmente. O padrão da Organização Mundial de Saúde estabelece o máximo de 50 microgramas de partículas por metro cúbico de ar. Maria Lucia conta que já foi provado que um aumento de 10 microgramas nessa composição provoca o crescimento da incidência de 12% das doenças cardíacas, de 18% de enfartes e de 20% de doenças pulmonares. Mesmo quem pensa levar um estilo de vida saudável, se exercitando ao ar livre, corre riscos de adoecer. ;Uma pesquisa norte-americana mostrou que fazer exercícios por meia hora, ao ar livre, no momento do rush, equivale a fumar 10 cigarros por dia;, diz.

A professora espera que o resultado da tese ajude a estabelecer políticas públicas que visem a melhoria da qualidade do ar da cidade. ;O ar de São Paulo já melhorou bastante, mas ainda há muita coisa para fazer. Temos que fazer nossa parte, como estimular o transporte coletivo elétrico, evitar carro, andar de bicicleta e evitar o diesel dentro da cidade;, afirma. Uma das alternativas estudadas pelo Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo é colocar bandeirinhas, semelhantes às fixadas nas praias, para alertar a população sobre os locais com maior nível de poluentes no ar. Assim, pode-se evitar circular por essas ruas.

Descrença
Um dos idealizadores do Fórum Social Mundial, o empresário Oded Grajew, integrante do Movimento Nossa São Paulo, está descrente em relação às iniciativas do poder público no combate à poluição. ;Até agora, a ficha das autoridades não caiu para o fato de esse ser o maior problema de saúde nas áreas urbanas do país;, critica. ;O combate à poluição do ar ainda não faz parte de uma agenda prioritária das políticas públicas;, lamenta.

Grajew cita como exemplo o adiamento, para 2014, da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que prevê a redução de enxofre na composição do diesel. ;Apesar de todas as informações que temos hoje sobre o poder cancerígeno do enxofre, o Ministério da Saúde ficou absolutamente ausente do debate;, denuncia. O empresário lembra que, somente em São Paulo, de acordo com levantamento do pesquisador da USP Paulo Saldiva, são gastos R$ 1 bilhão anualmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para tratar de problemas cardiopulmonares.

Ele critica ações governamentais, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a compra de carros novos. De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a facilidade resultou no aumentar de mais de 100% da frota de alguns estados, como o Piauí. ;Além disso, nosso sistema de monitoramento de partículas poluentes é muito falho e atrasado. Esse é um problema gravíssimo;, diz Grajew.

Mais riscos de bronquite infantil
Um estudo publicado neste mês no jornal da Sociedade de Medicina Torácica dos Estados Unidos mostrou que crianças expostas a altos níveis de poluição do ar correm mais riscos de desenvolver bronquite. Os pesquisadores da Universidade de Washington e de British Columbia analisaram cerca de 12 mil diagnósticos infantis da doença, entre 1999 e 2002, em British Columbia, no Canadá, e confrontaram os dados com os níveis de óxido nítrico, dióxido de nitrogêneo, monóxido de carbono e dióxido sulfúrico aos quais essas crianças eram expostas num raio de 10km de suas casas.

Depois de analisar outras variáveis, como sexo, idade gestacional da mãe, uso de cigarro pelos pais e tempo de amamentação, eles concluíram que o diagnóstico de bronquite estava significativamente ligado à exposição a poluentes específicos. Em locais onde havia concentrações de gases tóxicos decorrentes da poluição, os riscos de uma criança desenvolver bronquite aumentaram entre 4 e 13% ; e as partículas mais maléficas identificadas pelos pesquisadores foram as que continham monóxido de carbono. Eles verificaram que crianças que moravam a menos de 50m das estradas tinham 6% mais risco de ter a doença. Já entre as que viviam perto de bosques onde era feita a queimada de árvores, o índice aumentou para 8%.

;No geral, descobrimos que a poluição do ar proveniente do tráfego está associada à bronquite infantil, assim como as partículas de queimadas e de emissões industriais;, disse ao Correio a pediatra Catherine Karr. ;A magnitude desse efeito pode ser modesta;, afirmou, em relação aos percentuais. ;Mas torna-se significativa quando você considerar que um enorme número de crianças podem ser afetadas no mundo todo, em locais onde há o mesmo tipo de exposição à poluição.; A médica, uma das autoras da pesquisa, diz que os resultados são um alerta aos pais, que devem evitar deixar seus filhos durante longos períodos em locais próximos às principais rodovias.

De acordo com o médico Michael Brauer, professor da Escola de Saúde Ambiental da Universidade de British Columbia, principal autor do estudo, a bronquite é o principal motivo de internações de crianças em seu primeiro ano de vida. Para ele, diminuir a exposição ao ar poluído pode ser uma forma de reduzir a incidência da doença na população infantil. (PO)


Eu acho...
;Como moro e trabalho na (Avenida) Paulista, o ponto mais alto de São Paulo, a poluição não chega a me incomodar, não sinto esse efeito tão absurdo, como irritação nos olhos, e também não tenho problema de saúde, pelo que saiba. Pode ser que eu já tenha me acostumado. Mas já morei em Florianópolis e dá para sentir que o ar é bem diferente. Quando caminho na (Rua) Augusta, sinto o ar bem mais pesado, porque tem muita poluição dos carros, principalmente quando estão parados.;
Giuseppe Cataldo, 34 anos, funcionário público e morador de São Paulo há sete anos

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