Ciência e Saúde

Pecados decifrados: Inveja

Paloma Oliveto
postado em 28/12/2009 10:40
Muito antes de Jesus ser entregue à lei cesarista, cuja pena para os considerados traidores era a morte na cruz, a inveja já rondava a história. Seja no mito de Caim e Abel ou no da própria construção de Roma ; Rômulo matou Remo depois de uma discussão sobre qual seria o fundador legítimo da cidade ;, o sentimento é geralmente associado a tragédias, independentemente da crença de quem o descreve. Pagãos, cristãos, judeus, muçulmanos, todos têm um caso sobre inveja para contar. E o final jamais é feliz. No segundo dia da série sobre os sete pecados capitais, o Correio mostra como a ciência explica esse sentimento que ninguém gosta de admitir ter, mas do qual nem mesmo nossos ;primos próximos;, os macacos, escapam.

;A inveja é um sentimento natural e normal. Bebês mostram sinais de inveja ainda com 6 meses de vida. E não é algo apenas humano. Os micos respondem negativamente quando são tratados de forma diferente dentro de um grupo. Pesquisadores já mostraram que se um macaco é recompensado com um pepino e o outro com uma banana, o que ganhou o pepino vai se recusar a colaborar;, conta ao Correio Simone G. Shamay-Tsoory, professora de psicologia da Universidade de Haifa, em Israel. Ela é autora de um estudo que explica as origens neurológicas do sentimento.

Com uma equipe de neurologistas, Simone avaliou um grupo de indivíduos de 18 a 62 anos de idade, formado por homens e mulheres com mais de 12 anos de educação formal. Eles tinham de analisar figuras nas quais apareciam situações de inveja e schadenfreude (palavra alemã que significa vibrar com o insucesso alheio). Já sabendo que uma área do cérebro chamada córtex pré-frontal ventromedial está ligada a condutas sociais, como a tomada de decisões, a cientista imaginou que esses sentimentos também estivessem relacionados com a estrutura.

No grupo pesquisado, algumas pessoas apresentavam lesões, como coágulos e hematomas, nessa área do cérebro. No teste a que foram submetidas, elas mostraram pouca percepção dos sentimentos de inveja e regozijo diante das adversidades dos outros. Já entre os que possuíam a estrutura cerebral intacta, exames de ressonância magnética mostraram que a região cerebral ficou mais ativada quando eram colocados diante de situações nas quais a inveja e o schadenfreude eram evidentes.

Em fevereiro deste ano, mais uma pesquisa tentou entender como funciona o cérebro do invejoso. Em Tóquio, o pesquisador-chefe do Departamento de Neuroimagem Molecular do Instituto Nacional de Ciência Radiológica, Hidehiko Takahashi, monitorou, por ressonância magnética, o cérebro de 19 pessoas, durante 18 meses. Antes de iniciar o teste, ele pedia para os participantes pensarem que estariam completamente envolvidos com a história que iriam ouvir.

O caso envolvia três pessoas. Uma delas era o participante. As outras duas eram hipotéticas, mas, no enredo criado por Takahashi, apareciam em situações nas quais mostravam-se muito mais inteligentes e capazes. Quando os voluntários da pesquisa sentiam inveja, uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior, também responsável por processar a informação de dor física ou mental, era ativada. O mesmo experimento foi feito para analisar a atividade cerebral diante do schadenfreude. Ao perceber que os outros dois personagens da história estavam sofrendo, os gânglios basais, estruturas ligadas à sensação de alegria, se manifestavam mais.

Não à toa, o estudo de Takahashi ganhou o título ;Quando seu sucesso é minha dor e quando sua dor é meu sucesso;. Embora admita, em entrevista à reportagem, que a inveja é um sentimento natural, ele lembra que, em algumas pessoas, tanto a raiva gerada pelos ganhos dos outros quanto seu oposto podem ser maior em determinados indivíduos. ;A inveja pode levar uma pessoa a praticar um ato destrutivo e até criminoso para conseguir o que deseja;, alerta. Ele acredita que sua pesquisa possa ajudar a desenvolver mecanismos clínicos que ajudem pessoas cujo sentimento ruim é exagerado. ;Em teoria, é possível controlar esse sentimento;, diz.

Patologia

Exemplos do que diz Takahashi não faltam na história. A cobiça motivada pela inveja destruiu impérios, motivou assassinatos e acabou com carreiras políticas que tinham tudo para dar certo. Um dos maiores símbolos da França, Napoleão Bonaparte tinha uma admiração excessiva pelos conquistadores da antiguidade Alexandre, o Grande, e Caio Júlio César. Alguns biógrafos admitem que ele sentia uma pontinha de inveja dos dois e tentou imitá-los em suas incursões pela Europa. De imperador, o destemido Napoleão acabou seus dias como exilado político na Ilha de Santa Helena.

Em excesso, diz a cientista israelense Simone G. Shamay-Tsoory, a inveja é patológica. ;Nesses casos, emoções normais tornam-se acentuadas e o indivíduo tende a sentir inveja de várias coisas. Já foi comprovado que pessoas com neuroses graves são mais acometidas de inveja;, diz. Nem sempre, porém, o sentimento é ruim. Em boa medida, também é responsável pela evolução humana. ;Ela é um produto da competitividade. Já foi sugerido que a evolução do pensamento social pode ter emergido em parte pelas situações competitivas. Os que eram mais competitivos levaram vantagens evolutivas;, diz a psicóloga.

Invejosos que fizeram história


Caim
Filho mais velho de Adão e Eva, ele era lavrador. Um dia, ele e o irmão, Abel, criador de animais, fizeram suas ofertas a Deus. Caim ofereceu restos da plantação, e Abel dedicou uma das melhores ovelhas de seu rebanho. Deus gostou mais do animal, o que insuflou a ira de Caim. O primogênito armou uma emboscada e matou Abel. Com medo, fugiu para longe.

Rômulo
Os gêmeos teriam nascido, segundo a lenda, sete séculos antes de Cristo. Descendentes de Eneas e filhos do deus Marte, deveriam ter sido mortos a mando do rei Amúlio, mas o empregado encarregado da missão ficou com pena e os abandonou no Rio Tibre, dentro de uma cesta. Eles foram parar em um local onde mais tarde ficariam as colinas Aventina e Palatina. Criados por uma loba, quando adultos descobriram a real identidade e resolveram fundar uma nova cidade, Roma. Enquanto discutiam para saber a quem os presságios tinham favorecido, Rômulo se enfureceu e matou o irmão.

Juno
Uma das personagens mais invejosas da mitologia greco-romana, Juno, também chamada Hera, mulher e irmã de Zeus, era bela, mas muito ciumenta. Perseguia as amantes e os filhos do marido. Uma de suas vítimas foi Baco, o deus do vinho. Quando adulto, ele descobriu como produzir a bebida. Juno ficou morta de inveja e o transformou em um louco. O destino de Baco foi vagar desesperado pelo mundo.

Madrasta
Todas as madrastas das histórias infantis são más e invejosas. Mas poucas chegam aos pés da personagem da história da Branca de Neve. A rainha era a mulher mais linda do mundo até o nascimento da enteada. Quem contou a ela que havia perdido o posto foi o Espelho Mágico. Furiosa, a madrasta mandou um lenhador matar a menina. Com pena, ele a abandonou no bosque, onde cresceu e foi acolhida pelos sete anões.

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