Ciência e Saúde

Celular absolvido

Pesquisadores escandinavos analisaram a evolução do câncer na população durante três décadas e garantem: o uso do telefone móvel não aumentou a incidência de tumores

Igor Silveira
postado em 02/01/2010 09:40
Um estudo divulgado recentemente no jornal do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos pode decretar o fim de um mito da sociedade moderna. Pesquisadores escandinavos realizaram testes durante 30 anos em um número de pessoas equivalente à população da região, algo em torno de 16 milhões de moradores, e concluíram que não há relação entre o uso de telefones celulares e a incidência de tumores cerebrais. Mesmo com a explosão da quantidade de usuários a partir da década de 1990, não houve aumento significativo no diagnóstico de câncer no cérebro. A ligação entre alguns tipos de câncer e o uso do telefone celular sempre foi considerada por muitos cientistas tão certa quanto o perigo de contrair o vírus da Aids ao manter relações sexuais sem o uso de preservativo. A intensidade do risco, no entanto, tem sido amenizada ao longo dos anos por análises que não comprovam a conexão. Nesta pesquisa, realizada entre 1974 e 2003, adultos com idades entre 20 e 79 anos foram examinados na Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. Os cientistas investigavam o aparecimento de glioma e meningioma, dois tipos de tumor cerebral. Durante todo o tempo de testes, a doença foi registrada em 60 mil pacientes. "Não detectamos nenhuma mudança clara nas tendências de longo prazo em relação à incidência de tumores cerebrais entre 1998 e 2003 em qualquer subgrupo", afirma Isabelle Deltour, da Sociedade Dinamarquesa do Câncer. "Na Dinamarca, na Finlândia, na Noruega e na Suécia, o uso de telefones celulares aumentou consideravelmente em meados da década de 1990. Portanto, ainda são necessários mais estudos voltados à alta exposição do mundo inteiro a esse tipo de aparelho ", diz a equipe de pesquisadores no documento publicado. Mais um fato pesou no relatório dos pesquisadores escandinavos: um ligeiro aumento contínuo na incidência de tumores cerebrais só foi detectado no início de 1974, muito antes de os primeiros telefones celulares começarem a ser comercializados. Desde que os serviços de telefonia móvel se popularizaram, no início do século 20, os testes não apontaram índices anormais de surgimento de câncer no cérebro. Controvérsia Algumas das principais entidades brasileiras que estudam o câncer não isentam, porém, o telefone celular. O oncologista Ricardo Caponero é conselheiro científico da Associação Brasileira do Câncer e alerta que o recurso tecnológico tem, no mínimo, uma relação suspeita com a doença. De acordo com o médico, a modernidade dos novos aparelhos não é garantia de segurança, como sugerem os fabricantes. Caponero acredita que há ligação entre o uso prolongado do telefone celular com o surgimento de tumores, ainda que esses sejam benignos. "Esse estudo publicado na Escandinávia é de conclusão difícil. Conheço pesquisas, por exemplo, que relatam ligações de 4% a 34% do surgimento de tumores benignos ou malignos com esses aparelhos, em qualquer parte do corpo. E não estou falando somente dos produtos químicos que estão na bateria(1) dos telefones celulares. Me refiro às ondas eletromagnéticas liberadas por eles", destaca o oncologista. Para ele, os indícios apontam que não há como desvincular completamente a tecnologia de telefonia móvel com a doença. A recomendação de Ricardo Caponero para os pacientes é que o uso seja limitado. Além disso, ainda segundo o médico, algumas medidas tradicionais são importantes para diminuir o risco de desenvolver um câncer. "A prática de atividades físicas e a rotina de alimentação saudável são essenciais para aumentar a expectativa de vida. Os exames periódicos, apesar de não evitarem o aparecimento da doença, ajudam a detectar um possível câncer ainda no início, o que é bom no tratamento", declara. Cautela com a tecnologia Por conta do trabalho, o analista de sistemas Renato Mafra, 31 anos, tem três telefones celulares. Sempre que pode, mantém os aparelhos longe do corpo. Mafra faz parte de uma grande parcela da população brasileira que teme desenvolver câncer ou algum outro tipo de doença com o uso desse recurso tecnológico. Algumas atitudes, ele confessa, viraram mania. Quando entra no carro, os telefones são logo colocados no console do veículo. Mafra não dorme com os celulares perto da cabeça e sempre evita usá-los por muito tempo na mesma orelha. "Tenho histórico de câncer na família e, admito, às vezes chego a ser hipocondríaco. Essas pesquisas que descartam a relação da doença com o uso do telefone celular não me deixam completamente tranquilo. Eu costumo ler bastante sobre o assunto e acredito que, se a pessoa tem uma pré-disposição a um determinado problema de saúde, é preciso redobrar os cuidados", opina Mafra. Ubirani Otero, epidemiologista da área de vigilância do câncer relacionado ao trabalho e ao ambiente do Instituto Nacional do Câncer do Brasil (Inca), engrossa o coro de Renato Mafra e reforça que a incidência de tumores no cérebro é alta no país, o que transforma esse tipo de câncer em um problema de saúde pública. Ela ressalta que a prevenção deve ser levada a sério, já que os estudos sobre o assunto não são conclusivos. "Costumo passar algumas orientações para que os usuários dos serviços de telefonia móvel fiquem mais seguros. Por exemplo, os pais devem limitar o uso do telefone celular por crianças; a ligação deve durar o mínimo possível e é interessante que haja um revezamento entre cada ouvido em chamadas mais longas. Geralmente, depois de seis minutos, o aparelho atinge uma temperatura prejudicial à saúde", lista a especialista. 1 - Tratamento especial As baterias de telefones celulares não devem ser jogadas em lixo comum porque são constituídas de algumas substâncias químicas prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana. Os especialistas recomendam que as baterias que não serão mais utilizadas sejam levadas às assistências técnicas, às operadoras ou aos fabricantes, porque esses locais possuem pontos de coleta adequados.

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