Ciência e Saúde

Pesquisa norte-americana comprova que um cochilo no início da tarde pode estimular a aprendizagem

postado em 03/03/2010 08:12 / atualizado em 22/09/2020 15:40

O hábito de tirar um cochilo logo após o almoço, como costumam fazer os espanhóis, por exemplo, traz mais benefícios do que o puro descanso. Ele pode estimular a aprendizagem e melhorar o rendimento nas tarefas diárias. É o que indica uma pesquisa feita por cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, apresentada na reunião anual da Association of the Advancement of Science (AAAS, sigla em inglês para Associação para o Avanço da Ciência), em San Diego, no mês passado. ;Já foi estabelecido que os europeus que tiram a sesta no meio da tarde são menos propensos a morrer de doenças cardíacas. Provavelmente, eles também têm melhor memória;, disse Mattew Walker, coordenador do estudo, durante a reunião da AAAS. De acordo com o trabalho, uma hora de cochilo durante o dia é capaz de restaurar e até ampliar os processos cognitivos. Por outro lado, quanto mais horas um indivíduo permanecer acordado, mais ;devagar; se torna seu cérebro. Segundo o estudo, perder uma noite de sono derrubaria a capacidade de armazenar novas informações em cerca de 40%. ;Dormir não apenas corrige os prejuízos decorrentes de longos períodos de privação do sono, mas, em nível neurocognitivo, leva a aprendizagem para além de onde estava antes do cochilo;, afirmou Walker no encontro. Para demonstrar os benefícios da soneca após o almoço, os cientistas examinaram 39 adultos jovens, divididos em dois grupos, um dos quais cochilava à tarde. Ao meio-dia, todos os participantes foram submetidos a rigorosos exercícios de aprendizagem, com o objetivo de estimular o hipocampo ; região do cérebro que atua no armazenamento de memórias. Os dois grupos foram analisados por meio de neuroimagens e os resultados foram equivalentes. Às 14h, o primeiro grupo dormiu em média 90 minutos, enquanto o outro permaneceu acordado. Às 18h, os dois grupos foram submetidos a uma nova rodada de exercícios. O grupo que ficou acordado teve rendimento pior em relação à rodada anterior, enquanto aqueles que dormiram não apenas foram melhor como apresentaram ganhos na capacidade de aprendizagem. Nonato Rodrigues, professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB), neurologista especialista em medicina do sono, acha a pesquisa americana coerente e sustenta a tese de que a soneca depois do almoço ajuda a ;limpar; a memória de curto prazo e abre espaço para que novas informações sejam armazenadas ; o mesmo demonstrado na pesquisa americana. ;Nós temos duas necessidades de sono no decorrer das 24 horas. Uma, à noite; outra, no período entre as 13h e as 17h;, esclarece. Já o neurologista J. Shigueo Yonekura, do Instituto de Medicina e Sono, em Campinas, São Paulo, acrescenta que o cochilo da tarde não só melhora a memória como também a coordenação motora. ;Esse repouso é bom tanto para quem utiliza o intelecto quanto para quem utiliza o físico, pois dá tempo para que os neurorreceptores ; células que recebem as substâncias dos neurotransmissores ; descansem.; Descanso ;sagrado; O resultado da pesquisa americana não é novidade para o analista de ciência e tecnologia do CNPq Altamirando Fernandes Moraes, 57 anos. Há quatro décadas, ele não abre mão da sesta depois do almoço. ;Meu cochilo é sagrado. Considero uma pausa para recarregar as energias. Quinze minutinhos são suficientes para me deixar renovado. Se não dormir, minha produção cai. Fico com o raciocínio lento, as ideias não fluem, sinto dor de cabeça e sensação de estômago cheio;, conta o analista, que tem um estratégico sofá na sala em que trabalha. ;Esse trabalho só reforça que o meu hábito é correto;, afirma. Segundo especialistas, há diversos fatores que influenciam o sono, entre eles a genética, as variações do ambiente e o aspecto cultural. ;Todos esses fatores predispõem o homem a ceder à pressão de sono ou à pressão de vigília;, explica. Rodrigues esclarece que a variação de sono durante o dia depende da interação entre essas duas pressões, vista da seguinte maneira: às 22h é o momento em que a pressão de sono está maior; o indivíduo deita e supre a necessidade de dormir. Por volta das 6h, a pressão de vigília começa a preponderar, até vencer a de sono. Perto das 14h, o sono se eleva, mas por um curto período de tempo, já que o estado de vigília ainda é predominante até as 18h, quando, novamente, começa a ceder à pressão de sono. Privação O ciclo detalhado por Rodrigues pode explicar a vontade inevitável de dormir na hora do almoço da relações públicas Elisa Guimarães, 32 anos. Segundo a moça, todos os dias ela precisa sair do trabalho e ir para casa tirar uma soneca. ;Não consigo evitar o sono. Se não dormir, não rendo o resto do dia, me sinto cansada;, conta. Rodrigues diz que se a pessoa não respeita esses horários de sono pode entrar numa situação conhecida como privação. ;Essa privação é equivalente à de água ou de comida. Ela vai cobrar um preço: a sonolência. E, com a sonolência, as atividades cerebrais se desligam. A atenção é a primeira delas, depois vem a memória e em seguida a concentração;, pontua o neurologista. Por outro lado, dormir demais depois do almoço pode atrapalhar o rendimento. O consultor Tiago Grandi, 31 anos, era adepto da prática da sesta. Porém, o que era para ser um descanso se tornou um martírio que perdurava o resto do dia. ;Me sentia exausto, mal-humorado, bocejando pelos cantos. Não via a hora de ir para casa dormir novamente;, lembra. ;Cochilar após do almoço e trabalhar depois não dá para mim;, decreta. O problema de Grandi, no entanto, era o quanto ele dormia: cerca de 40 minutos. Os especialistas afirmam que o cochilo não deve exceder 15 ou 20 minutos, contrariando o que diz a pesquisa. ;Se o indivíduo ultrapassa esse tempo, ele atinge o sono extremamente profundo, conhecido como estágio 4, que desativa o sistema nervoso. Para acordar, fica mais penoso. Daí o cansaço e a sonolência sentidos;, explica o neurologista Shigeuo Yonekura. Ouça entrevista com o neurologista Nonato Rodrigues

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