Ciência e Saúde

Laboratório da USP encontra nova maneira de obter o xilitol, adoçante pouco calórico

Método é ecologicamente correto e mais barato, o que pode beneficiar as indústrias alimentícia e farmacêutica

postado em 13/03/2010 07:52
Um substituto do açúcar comum com 40% menos calorias que pode ser consumido por diabéticos e proporciona ao paladar uma sensação de frescor. Essas são algumas das características que tornam o xilitol de grande interesse das indústrias alimentícia e farmacêutica, que o transformam em expectorantes, gomas de mascar, cremes dentais e pastilhas, entre diversos outros produtos. O maior problema da substância é o custo da produção, ainda alto. Mas isso pode mudar, graças a uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Biocatálise Enzimática da Universidade de São Paulo (Labe/USP).

Método é ecologicamente correto e mais barato, o que pode beneficiar as indústrias alimentícia e farmacêuticaOs cientistas desenvolveram uma técnica de produção do xilitol mais barata e com menor impacto ao meio ambiente, chamada de processo enzimático ou biocatalítico. ;O método estudado pelo Labe é mais eficiente, mais limpo e de grande reprodutibilidade;, diz o farmacêutico bioquímico Michele Vitolo, coordenador da pesquisa.

Esse tipo de açúcar-álcool é obtido a partir da xilose, enzima encontrada em materiais como o bagaço da cana-de-açúcar, a palha de arroz e o sabugo de milho. Atualmente, os laboratórios utilizam reações microbiológicas e químicas para obter o xilitol, que se mostram menos eficientes. ;No processo de biocatálise enzimática, a xilose só pode ser convertida em xilitol, enquanto que pela via microbiológica parte do xilitol formado é excretado para o meio e parte é metabolizado pela própria célula;, explica Vitolo. Outra vantagem da nova tecnologia é o fato de envolver reagentes inofensivos ao meio ambiente. A enzima xilose redutase (XR), que acelera o processo de obtenção do xilitol, é retirada da levedura (fungo) Candida guilliermondii. Além disso, a reação ocorre a uma temperatura entre 30;C e 40;C. ;O que, em tese, exigiria menor demanda de energia elétrica;, explica.

Vitolo destaca que a pesquisa pode ajudar na obtenção da substância a um preço menor, aumentando, assim, seu uso em produtos alimentícios, cosméticos e farmacêuticos. ;Um número maior de produtos contendo xilitol significa a disseminação do uso de uma substância com propriedades farmacológicas e que faz bem à saúde;, afirma.

Limpo
Fernando Antônio Santos Coelho, professor e pesquisador do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), elogia o processo descrito pelo Labe. Na sua opinião, além do baixo impacto ambiental, merece destaque a obtenção da substância com um grau de pureza muito elevado. ;Os (outros) métodos utilizados para obter o xilitol passam por degradação química, gerando consequências que atrapalham a produção;, diz.

Segundo Coelho, um processo por via biotecnológica, como o do Labe, normalmente leva à preparação do produto numa pureza elevada, pois ele é decorrente de um processo originado por meio de fermentações envolvendo micro-organismos, naturais ou sintéticos. ;Isso faz com que não haja impurezas contaminando o produto. Além disso, os métodos biotecnológicos, feitos em sua maioria em uma matriz aquosa, acabam impactando muito menos o ambiente, porque no fim do processo sobra um resíduo sólido que pode ser aproveitado para utilizar na compostagem;, completa.

Controle
Compostagem é o conjunto de técnicas aplicadas para controlar a decomposição de materiais orgânicos, com a finalidade de obter, no menor tempo possível, um material estável, rico em húmus e nutrientes minerais e com atributos físicos, químicos e biológicos superiores àqueles encontrados na matéria-prima.

Entrevista//
Leia na íntegra a entrevista com o farmaceutico-bioquímico Michele Vitolo que coordenou a pesquisa em que foi desenvolvido o processo biocatalítico para obtenção da enzima xilitol por meio da xilose.

Quais são as principais características do xilitol que o fazem tão valioso?

O xilitol é um açúcar-álcool que confere às formulações das quais participa a sensação de frescor e de sabor adocicado. Assim, produtos farmacêuticos expectorantes, gomas de mascar e pastilhas que contêm xilitol dão ao paladar sensação refrescante. O uso do xilitol em humanos é seguro, sendo reconhecido pelo FDA como aditivo GRAS ("Generally Regarded as Safe"). Pode ser usado por diabéticos, pessoas portadoras da deficiência genética em que o corpo não produz a enzima glicose 6-fosfato desidrogenase e por obesos. Atualmente seu uso na área farmacêutica está aumentando nas formulações parenterais - sobretudo aquelas usadas para alimentar pacientes na fase pós-operatória e/ou pós-traumática -, porque não reage com aminoácidos e proteínas, como sucede com a glicose. Portanto, o conjunto dessas características promove o xilitol como insumo de grande importância na indústria alimentícia, odontológica e farmacêutica. Seu uso como adoçante vem sendo largamente empregado em países da Europa; no Brasil, ele vem sendo utilizado na formulação de produtos como gomas de mascar, pastilhas e creme dental. Como componente de cremes dentais, o xilitol possui também a propriedade de reter umidade, além de não provocar cáries.

A xilose, que "dá origem" ao xilitol é encontrada apenas no bagaço de cana-de-açúcar?

Não. A xilose - que pode ser convertida em xilitol pelas vias química, microbiológica e/ou biocatalítica - é encontrada em materiais lignocelulósicos em geral, como bagaço de cana-de-açúcar, palha de arroz, sabugo de milho, etc. Muitos desses materiais são resíduos agrícolas. A xilose é um dos constituintes da hemicelulose, polissacarídeo largamente distribuído no reino vegetal.

Quanto de xilitol poderia ser produzido, a partir da xilose, em 1 quilo de bagaço de cana-de-açúcar?

1Kg de bagaço natural possui cerca de 620 g de bagaço seco. Após a hidrólise obtém-se aproximadamente 120 g de xilose, que uma vez convertida em xilitol, por via microbiológica, leva a cerca de 100 g de xilitol. Cerca de 20% de rendimento. Saliento que este valor seguramente está sub-estimado. Dei-o só para lhe dar uma idéia. Em todo o caso, uma estimativa mais real poderia ser obtida junto ao grupo de Biotecnologia da EEL-USP de Lorena, que trabalha há anos no desenvolvimento da obtenção do xilitol por via microbiológica.

Qual são os diferenciais entre o processo de obtenção do xilitol via enzimático do via químico e biológico?

O processo biocatalítico (dito enzimático) é menos poluente que a via química e demanda menos insumos que a microbiológica, a qual é prejudicada pelo fato do bagaço, assim como outros resíduos agrícolas, liberar após a hidrólise uma série de compostos, que inibem a levedura usada no processo fermentativo. No processo biocatalítico, usa-se somente a enzima responsável pela conversão da xilose em xilitol, a xilose redutase (XR). Como a enzima não é inibida pelos contaminantes do hidrolisado de bagaço, então a conversão é maior. Porém, a XR não é encontrada no comércio em grau industrial. Logo, ela deve ser obtida através de leveduras, como a espécie Candida guilliermondii. O consolo é que a levedura pode ser crescida em meio de fermentação sintético, ou seja, sem a presença de inibidores do crescimento. Assim, cresce-se a levedura em meio sintético, rompe-se as células e separa-se a XR, que é em seguida usada na biocatálise.

Por que o processo de obtenção do xilitol é menos poluente?

O processo de obtenção do xilitol a partir da xilose através da biocatálise enzimática em reator com membrana é menos poluente, porque os reagentes envolvidos são inofensivos ao meio ambiente. A enzima - xilose redutase - é retirada de um micro-organismo inofensivo - Candida guilliermondii -, sendo dissolvida em solução aquosa com pH próximo da neutralidade e a reação é conduzida à temperatura entre 30 e 40oC. Por exemplo, o fato da reação ser conduzida sob temperatura um pouco acima da ambiente, indica uma demanda energética baixa, que, em tese, exigiria menor demanda de energia elétrica gerada por usinas hidrelétricas, termoelétricas, etc.

Por que ele demanda menos insumos que a via microbiológica?

A biocatálise enzimática requer: a xilose redutase, xilose (a partir de hidrolisado do bagaço de cana ou de qualquer outro resíduo agroindustrial), tampão-fosfato (solução aquosa de fosfato de sódio) e uma coenzima (nicotinamida-adenina dinucleotídeo). A via microbiológica requer: Candida guilliermondii, que deve ser mantida em meio de cultura (xilose, sulfato de amônio, cloreto de cálcio e farelo

de arroz) e em condições assépticas por longas horas (48h, pelo menos) com aeração ininterrupta e controles rigorosos do pH, temperatura, oxigênio dissolvido e espumação [neste caso são usados agentes antiespumantes, que por serem tensoativos, ou seja, detergentes não biodegradáveis, são de difícil descarte após concluída a fermentação].

Por que ele traz maior conversão da xilose em xilitol?

A conversão é maior porque através da biocatálise enzimática a xilose só pode ser convertida em xilitol, enquanto que pela via microbiológica parte do xilitol formado é excretado para o meio e

parte é metabolizado pela própria célula. Lembro que, do ponto de vista da C.guilliermondii, a conversão xilose/xilitol visa à obtenção de nutrientes-chave para a sua sobrevivência. A produção de xilitol para consumo é invenção do Homo sapiens sapiens.

Desde quando o LABE trabalha na pesquisa do processo de obtenção do xilotol a partir da xilose do bagaço de cana-de-açúcar?

O LABE trabalha com o processo biocatalítico de conversão xilose/xilitol há 4 anos. O trabalho foi desenvolvido em parceria com o Depto. de Biotecnologia da EEL-USP - sobretudo com o laboratíro da Profa. Maria das Graças de Almeida Felipe - que nos forneceu as células de levedura das quais extraíamos a XR, que, em seguida, era usada em reator com membrana de 10 mL de capacidade para proceder à conversão.

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