Ciência e Saúde

Revolução à vista

Teste genético recém-lançado nos Estados Unidos permite avaliar o risco de crises de herpes e o provável intervalo entre elas

postado em 31/03/2010 07:00


Teste genético recém-lançado nos Estados Unidos permite avaliar o risco de crises de herpes e o provável intervalo entre elasDoença do beijo, xixi de aranha, pereba ou boqueira são alguns nomes populares da herpes simples. A infecção, causada pelos vírus HSV-1 e 2, afeta uma a cada 100 pessoas, trazendo constrangimentos e transtornos para a maioria delas devido às lesões que acometem, principalmente, os lábios e a genitália. A ciência ainda não descobriu a cura, mas um teste prognóstico lançado recentemente nos Estados Unidos pode representar avanços significativos no controle do problema. O exame indica o risco de frequência da manifestação da doença em indivíduos que tiveram a primeira crise e o provável intervalo de tempo entre elas. Isso favorece a prescrição adequada de medicamentos contra surtos e contágio.

Para o dermatologista Omar Lupi, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o teste genético HerpesDX é a maior novidade em relação à doença nos últimos 10 anos. Ele explica que o exame é feito a partir da análise de material colhido em uma raspagem na mucosa bucal. ;O paciente que carrega uma mutação no gene MBL (Mannose-Binding Lectin), responsável pela imunidade em relação ao herpes simples, tem até 80% de chances de desenvolver mais de seis crises ao ano. Nos EUA, o teste custa US$ 249 (cerca de R$450). Ainda não sabemos quanto custará no Brasil, mas esperamos que, dentro de seis meses, os brasileiros possam ter acesso ao exame aqui no país;, adianta o especialista.

Diferentemente dos vírus comuns, como o da gripe, por exemplo, que sofre mutações genéticas para enganar o sistema imunológico do ser humano, o herpes simples adota outra estratégia. Uma vez em contato com o organismo, tanto o HSV1 (causador da herpes labial, que é transmitido geralmente na infância) quanto o HSV2 (que provoca a herpes genital) se alojam no sistema nervoso, mais especificamente no gânglio paravertebral. Nessa estrutura, o vírus fica latente por toda a vida. Embora 92% da população adulta seja portadora do vírus, apenas 10% desse contingente sofre com as lesões que se manifestam na pele periodicamente.

Especialistas não sabem ao certo porque tantos portadores do vírus não apresentam a doença. Tudo indica que fatores como a força do agente infeccioso e as características genéticas de cada um determinam a manifestação. Alguns pacientes têm crises quatro vezes ao mês e se tornam fonte inesgotável de contágio. ;O teste proporciona o controle da doença porque poderemos medicar o paciente de acordo com seu caso. Se a pessoa é positiva para a mutação, deve ingerir antivirais, pois ela será praticamente crônica e os medicamentos minimizam os sintomas e as crises. Se for negativa, não vale a pena tomar remédios com constância. Os surtos serão esporádicos e, muitas vezes, nem ocorrem novamente;, aponta Omar.

Diferenças
Os vírus HSV 1 e 2 são praticamente idênticos, a diferença é o local onde eles destroem as células da pele. Um prefere a região da boca e outro, a genitália. O contágio ocorre pelo pelo beijo e por relação sexual. O uso de objetos contaminados como copos e talheres também pode disseminar o vírus. O diagnóstico é clínico e exames de sangue são solicitados somente quando o paciente deseja saber há quanto tempo ocorreu a infecção. A dermatologista Grace Caldas explica que estresse, ansiedade, excesso de exposição ao sol e tudo que promove a baixa imunidade do indivíduo são gatilhos para a manifestação da doença. ;Quem tem crises frequentes sente quando a lesão está iminente. O vírus migra do gânglio paravertebral ao local onde as bolhinhas de água, características da herpes, eclodem. A pessoa sente uma sensibilidade maior. Normalmente, o ciclo da manifestação dura oito dias e o contágio pode ocorrer até o aparecimento das crostas, sinal de que a lesão está secando;, relata.

Para o controle da herpes, o melhor remédio é a prevenção. Existem remédios de ação anti-herpética eficazes. No entanto, são efetivos apenas no momento da crise aguda. Enquanto o vírus está latente, os medicamentos não têm efeito. Por isso, são incapazes de curar a doença. ;Vacinas com resultados promissores para o HSV, principalmente para o herpes genital, estão em teste. Uma delas tem mostrado boa eficácia, principalmente em mulheres. Essas novidades também são importantes para minimizar as chances de contágio porque, ainda que não curem, controlam as crises;, aponta Omar Lupi.

Preconceito
Para Grace Caldas, o desconhecimento em relação à doença promove preconceito. Ela explica que a manifestação do herpes genital é mais intensa, a lesão geralmente é maior, mais dolorida e traz muito transtorno, porque uma crise pode emendar em outra devido à alta umidade local. ;A herpes bucal provoca retração social, porque fica evidente. Muitos pacientes se sentem sujos e incomodados com os olhares curiosos. A genital limita as relações sexuais e constrange a vítima e os parceiros. Pode se manifestar no glúteo e nas coxas também;, diz.

O servidor federal Washington Cristiano dos Santos, 43 anos, tem herpes bucal desde criança. Ele conta que tinha vergonha de ir à escola nos dias de crise. O constrangimento continuou na adolescência e perdura na fase adulta. ;As pessoas têm medo do contágio. Muitas imaginam que quem tem a bucal tem também a genital. Aprendi a conviver com o problema, mas recordo que nos momentos mais marcantes da minha vida, a herpes estava presente. No meu caso, ela se manifesta nos momentos de estresse, ansiedade, na época da seca em Brasília e depois de gripes;, diz.

Washington encontrou um adesivo em farmácias europeias que ajuda a minimizar a crise e disfarçar a lesão. ;Infelizmente, ele não é encontrado no Brasil.;

A crise na servidora pública Cristina de Araújo Tavares, 43 anos, surgiu há pouco mais de uma década, quando, em dois meses, perdeu o namorado, que morreu ao reagir a um assalto, o avô e a avó. ;Fiquei muito desestabilizada e tive a primeira crise. De lá para cá, os momentos de estresse desencadeiam a manifestação;, conta. Cristina toma medicamento antiviral e consegue amenizar os surtos. ;Em determinada época, cheguei a tomar tudo que me indicavam na esperança de curar o problema. Hoje, busco o equilíbrio emocional e sigo em frente. Existem problemas bem mais graves que a herpes;, considera.

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