Ciência e Saúde

A vida depois do Parkinson

Progressiva e incurável, a doença degenerativa costuma provocar um choque quando é diagnosticada. Muitos pacientes, porém, descobrem como conviver com as limitações geradas pelo mal e aprendem a melhorar a qualidade de vida

Paloma Oliveto
postado em 30/04/2010 07:43
De repente, abotoar a camisa torna-se um fardo. A letra já não é mais tão redondinha e tarefas como escovar os dentes ou folhear uma revista demandam mais tempo do que o habitual. Também podem ocorrer momentos em que o corpo enrijece e a pessoa cai no chão, sem saber como foi parar lá. Reflexos lentos, andar arrastado, cãibras, tremores e movimentos desencontrados são realidades com as quais os portadores da doença de Parkinson precisam aprender a lidar.

As limitações e a certeza de que, por enquanto, o mal é incurável e progressivo costumam afetar emocionalmente os pacientes. ;São quatro fases: negação, revolta, depressão e aceitação;, explica o coronel Carlos Aníbal Pyles Patto, 63 anos, parkinsoniano há duas décadas e fundador da Associação Parkinson Brasília. ;Fala-se muito sobre a doença, mas pouco sobre os portadores;, afirma. Para Patto, é fundamental mostrar que, mesmo com as dificuldades inerentes ao mal, é possível conviver bem com ele. ;Costumo dizer que a doença é minha companheira de viagem, porque vai me acompanhar até a morte. Então, você tem de se dar bem com ela;, ensina.

Viver pacificamente com o Parkinson é possível. ;Como é uma doença do sistema nervoso central, que exige o uso de medicamentos, o primeiro passo é deixá-la bem controlada. Feito isso, dependendo do grau de gravidade, é indicada a avaliação de um fisioterapeuta, para verificar quais as limitações mais importantes e o que se pode fazer;, explica o neurologista Henrique Braga, da Unidade de Neurologia e Psiquiatria do DF, no Hospital Anchieta. ;Como é degenerativa, a doença vai avançando aos poucos, mas o medicamento tem como amenizar, e muito, os sintomas da doença. Por exemplo, uma pessoa que poderia estar acamada, sem andar, pode caminhar, fazer compras e se exercitar, caso use o medicamento;, diz o médico.

Mas ninguém melhor que os pacientes para dizer qual o remédio para lidar com o mal. O Correio conversou com três pessoas que estão em fases diferentes da doença. Elas se depararam com uma notícia difícil, de um problema degenerativo e incurável, mas resolveram encarar a realidade, desprezando os sentimentos de autocomiseração e pessimismo que, naturalmente, costumam acompanhar o diagnóstico. Mesmo com uma rotina que inclui medicamentos fortes, algumas recaídas e adaptação ou abandono de antigos hábitos, elas garantem que seguir em frente não é tão difícil quanto parece.

Aceitação difícil
Desde a infância, Carlos Aníbal Pyles Patto sonhava com as alturas. Em Tremembé (SP), ele gostava de subir em árvores e olhar as nuvens. Quando ventava, ia para o topo de um eucalipto para se balançar. Na juventude, trocou os galhos por um avião. Piloto da Aeronáutica, voou durante 34 anos. ;Às vezes, ainda sonho que estou pilotando;, revela. Há uma década, quando estava próximo de se reformar, Patto era adido militar no Uruguai e teve a chance de fazer seu último voo em grande estilo. Na época, ele já era portador de Parkinson e não pilotava há 17 anos. Atendendo a um chamado da base aérea em Montevidéu, ele foi até o local. ;Vista o macacão e vá pilotar;, avisou o comandante. Foram uma hora e 40 minutos em um helicóptero UH-1H. ;Atualmente, não teria mais condições de pilotar;, admite.

Se já não pode comandar um avião, Patto encontrou, porém, outras formas de se realizar. Escultor autodidata, tem estátuas de gesso, concreto, resina e madeira espalhadas por toda a casa. Já vendeu mais de 100 peças para investir na Associação Parkinson Brasília. Também gosta de escrever e é autor de dois livros ; um deles, autobiográfico. Atualmente, ainda dirige o carro ; menos à noite, por recomendação da família. A doença não o impede de viajar e, recentemente, esteve na Europa com a mulher, a psicóloga Maria Laura Santos Germano, com quem tem dois filhos.

Patto conta que os sintomas do Parkinson apareceram cerca de 10 anos antes do diagnóstico. ;Eram sintomas sutis, muito pouco evidentes, e você só se dá conta quando é diagnosticado e olha para trás. Comprei um relógio que você coloca no braço e dá corda. Em um braço funcionava; no outro, não. Eu tossia e minha mão direita chacoalhava. A minha escrita também começou a ficar lenta;, diz.

Foram seis consultas em diferentes médicos até que ele se conformasse com o diagnóstico. ;Eu me recusava a acreditar. Recebi a notícia com espanto. Foi uma surpresa;, diz. Embora não tenha se sentido revoltado, Patto sofreu de depressão leve. ;Mas aprendi a lidar. É uma postura de vida. Adoto algumas coisas que me auxiliam muito. Por exemplo, não penso mal de ninguém. Só escuto, não falo nada, nem de governo nem de futebol. Isso diminui o estresse;, revela.

A fase de aceitação veio rápido. ;Isso ajuda muito. Não tenho vergonha de ter Parkinson;, afirma Patto. Como tomava quantidades altas de medicamento, o que trazia efeitos colaterais, ele se submeteu, há dois anos, a uma cirurgia para a instalação de um aparelho semelhante a um marca-passo no tórax, ligado a eletrodos colocados no crânio, que estimulam as sinapses cerebrais. A qualidade de vida aumentou e, hoje, Patto só sente tremores algum tempo depois de tomar o remédio, o que é normal. Com a doença, ele descobriu mais uma vocação: ajudar as pessoas. Em 2005, fundou a Associação Parkinson Brasília, que reúne pacientes todos os sábados, no Setor de Indústrias e Abastecimento.

Aprendizado
Uma das associadas mais assíduas é a dona de casa Áurea Apparecida Figueira Campelo, 73 anos. Ela está na fase inicial da doença, descoberta em 12 de dezembro de 2007. ;A data ficou marcada;, conta. Mas, ao contrário de Patto, Áurea não se surpreendeu. Ela já desconfiava que era portadora do mal. ;Meu pai teve, mas foi há muitos anos, quando a gente não sabia nada sobre a doença. Antes do diagnóstico, fui a dois médicos, que disseram que eu não tinha Parkinson;, relata.

Formada em magistério, Áurea tinha letra de professora. Mas começou a notar que as palavras já não saíam ;tão redondinhas;, como descreve. ;Depois, passei a ter dificuldades para escovar os dentes e calçar o chinelo, por causa da rigidez. E assim foi indo.; Com a doença finalmente identificada, a dona de casa resolveu que não se deixaria levar por um diagnóstico. ;Sou uma pessoa que, quando vejo uma coisa com a qual tenho de viver, tento tirar o melhor proveito dela;, ensina.

Praticante de ioga por 11 anos, Áurea faz os exercícios religiosamente, além de caminhar, fazer musculação e hidroginástica. ;O Parkinson não tem cura e progride. Então, só me preocupo em atrasar essa progressão. Tomo meu remédio direitinho, faço tudo sozinha em casa, viajo, vou ao cinema, ao teatro e gosto de visitar meus amigos;, conta. Viúva há 18 anos, Áurea morou só durante muito tempo, mas, agora, conta com a companhia de um filho e de uma neta. ;Mas ele não veio morar comigo por causa da doença. Se separou e veio para cá;, faz questão de explicar.

Natural de Guaratinguetá, em São Paulo, Áurea diz que sempre foi uma pessoa otimista, acostumada a lidar com as adversidades. Dois dos três filhos nasceram com deficiência auditiva e, como agora, procurou manter a tranquilidade. ;Quando descobri que meu filho era surdo, eu nunca tinha visto um surdo na vida, para você ter uma ideia. Não é fácil, mas eu procurei fazer a coisa da melhor maneira. Sou assim mesmo, graças a Deus. Não sou de choramingar.;

Em casa, Áurea instalou uma barra no banheiro, para evitar quedas. Foi a única adaptação necessária. ;Mas eu sou muito arteira e já levei umas quedas. Na semana passada, inventei de subir em cima de uma cadeira de rodinhas. Não deu outra, caí. E depois subi em um banco para trocar lâmpada. Meus filhos ficaram indignados;, conta, rindo. ;Se acho que posso fazer uma coisa, eu vou fazer.;

Depressão
Diferentemente de Áurea, a professora aposentada Ana Maria de Carvalho Santos, 62 anos, sofreu muito quando foi diagnosticada. Desde 1995, ela apresentava sintomas, como dificuldades para digitar e paralisia na mão esquerda. Porém, durante sete anos, a professora foi tratada como se tivesse lesão por esforço repetitivo. Com muitas dores, foi aconselhada a procurar um neurologista. ;Fiquei muito assustada e deprimida. É de difícil aceitação. Você acha que está bem de saúde e descobre que tem uma doença degenerativa;, diz.

Com a depressão, Ana Maria perdeu peso, se recusou a tomar os remédios, preferia não acreditar que tinha a doença. ;Só aceitei o tratamento quando as dores estavam muito fortes e eu estava com dificuldades até para subir uma escada;, conta. Cinco anos depois do diagnóstico, ela descobriu a associação dos parkinsonianos. Foi quando mudou a forma de encarar a doença. ;Você tem outra visão. Começa a ver que é possível viver bem, com qualidade de vida, apesar do Parkinson. Hoje, sei que existem doenças muito mais graves;, observa.

A mudança na maneira de lidar com o Parkinson recuperou o otimismo de Ana Maria, que não deixa de fazer nada por causa da doença. ;Dirijo, viajo sozinha, faço atividades físicas, saio para dançar;, enumera. Mesmo depois de aposentada, ela ainda trabalhou quatro anos na Secretaria de Educação. Até 2009, era síndica do prédio. ;Mas decidi me dedicar, este ano, ao ócio;, brinca. Às sextas-feiras e aos sábados, vai à associação para ajudar pessoas que, como ela, chegam deprimidas ao saber que têm a doença. ;A gente ajuda, orientando, mostrando que não é tão grave como pensa no início. Dá para ser feliz com o Parkinson;, garante.


SERVIÇO
Reuniões da Associação Parkinson Brasília aos sábados, das 14h às 16h, na Famatec (Sia, Trecho 1/2, lotes 1510 a 1540). Mais informações: 9975-9058

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