Ciência e Saúde

Confusão entre tipos diferentes de problemas no pé pode causar problemas sérios

Fascite plantar e esporão, embora bem diferentes, provocam dores parecidas nos pés. Tratamentos para as duas doenças, porém, são opostos. Diagnóstico correto, que pode variar de simples alongamentos a cirurgias, é fundamental para evitar o agravamento dos problemas

postado em 20/05/2010 07:00 / atualizado em 22/09/2020 15:39

Boa parte das doenças que afetam ossos, cartilagens e ligamentos aparece somente com o passar do tempo. As estruturas ficam gastas e abrem brechas para a ocorrência de males como a osteoporose, a artrose e o rompimento de ligamentos. Existem, porém, doenças que atacam pessoas jovens, saudáveis e que, por incrível que pareça, têm uma rotina de prática de exercícios físicos. Uma delas é a fascite, inflamação da fascia plantar, um ligamento que se estende por toda a sola do pé. A fascite incomoda maratonistas de longa distância, principalmente os que correm sobre superfícies duras, e, por vezes, é confundida com outra doença, o esporão (1). Fascite plantar e esporão, embora bem diferentes, provocam dores parecidas nos pés. Tratamentos para as duas doenças, porém, são opostos. Diagnóstico correto, que pode variar de simples alongamentos a cirurgias, é fundamental para evitar o agravamento dos problemas;A fascite é provocada por microtraumas na parte de baixo do pé e é bastante comum entre os jovens;, diz o ortopedista Murilo Reis, especialista em traumatologia Uma das formas de evitar que a inflamação apareça é não exagerar nos treinos. Se diagnosticada em até seis meses do início dos sintomas, a fascite pode ser totalmente curada em mais de 90% dos casos. O tratamento, no entanto, exige muita paciência dos corredores que, muitas vezes, precisam abandonar a rotina de exercícios por um tempo. O professor de educação física Thiago Cardoso, 28 anos, teve fascite plantar há cerca de três anos. Na época, o desconforto provocado pela dor o obrigou a ficar parado durante oito meses. ;Quando as dores começaram, ainda mantive o treino por uns dois meses, mas ficou insuportável. Não sei o que causou a doença, provavelmente o uso de um tênis ao qual não me adaptei;, conta Thiago. O jovem lembra que demorou para procurar um médico e tentou conter o problema fazendo compressas de gelo. Quando foi a um especialista, a inflamação estava crônica e o médico recomendou sessões de fisioterapia. ;Ele indicou 20 sessões, eu acabei fazendo 40, mas as dores continuaram;, diz o professor. Thiago recorreu a terapias alternativas para acabar com a fascite: fez acupuntura e bandagens, que eliminaram as dores. Hoje, o rapaz corre cerca de 35km por semana e coordena um clube de corrida, onde os participantes fazem um teste de ;pisada; para definir qual tipo de tênis é o mais indicado. O tratamento alternativo ajudou Thiago, mas especialistas recomendam o repouso como a melhor forma de curar a inflamação na sola dos pés. ;Quando a dor é muito forte, podemos, inclusive, imobilizar o local por duas a três semanas;, afirma o ortopedista Ricardo Cardenuto Ferreira, da diretoria da Associação Brasileira de Cirurgia de Pé e Tornozelo. Ricardo destaca que o sucesso do tratamento da fascite depende do empenho do paciente. São indicadas de duas a três sessões de alongamento da região por dia, com duração de quatro a seis minutos cada uma. Foi a disciplina que ajudou o consultor de marketing político Amauri Teixeira, 46 anos, a curar a fascite. Amauri conta que sempre sentiu um pouco de dor na base do calcanhar, mas há cerca de 10 meses, o quadro se agravou. ;Era um tormento colocar o pé no chão de manhã, ao sair da cama, ou então em dias muito frios;, lembra. O consultor conseguiu acabar com o problema fazendo sessões diárias de alongamento do pé e tornozelo, durante 15 minutos. Amauri, porém, não descobriu por que os sintomas apareceram. Além de afetar corredores, a inflamação pode surgir em pessoas que têm o pé cavo, com a sola bastante arqueada. ;Nesse caso, o ligamento plantar é encurtado. Os pacientes ficam sujeitos às dores por causa da tração;, detalha o ortopedista Ricardo Cardenuto, que é também professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. A fascite pode aparecer, ainda, em quem está acima do peso ou ganhou quilos na balança de forma muito rápida. Essa possibilidade é ainda maior se a pessoa começou a fazer atividades físicas recentemente. A professora de geografia Adeir Ribeiro Alves, 54 anos, já sentiu sintomas semelhantes aos da fascite plantar. ;Quando eu caminhava, parecia que estava com um caroço na base do pé direito;, relata. Adeir foi ao médico, fez um exame de raios X da região e diagnosticou o esporão, uma doença muito confundida com a fascite, inclusive, por médicos. Adeir tentou usar uma palmilha para diminuir as dores, mas não se adaptou ao acessório. Ela, então, seguiu orientações da filha fisioterapeuta e passou a usar sapatos de salto alto para diminuir a dor. ;Mas o problema desapareceu mesmo em janeiro, depois que eu perdi 6kg;, conta. Diferenças O ortopedista Ricardo Cardenuto explica que a fascite plantar se confunde com o esporão porque os sintomas são praticamente os mesmos. ;O esporão verdadeiro é uma calcificação no calcanhar, junto ao tendão de aquiles. Trata-se de uma saliência do osso que pode provocar a dor, e não há muito como evitá-la;, detalha Ricardo. O problema, explica o ortopedista, é que quase 50% da população têm uma saliência óssea natural na região do calcanhar, o que não significa que a pessoa tem o esporão. Não existem números (2) sobre a ocorrência dessa doença ou da fascite. Ricardo afirma, porém, que o esporão é muito mais raro do que a inflamação na planta do pé. ;Eu diria que, de cada mil casos que aparecem no meu consultório, cinco são esporão e cerca de 20, fascite plantar;, calcula. No caso da fascite, a maioria dos casos são tratados apenas com os alongamentos. Em situações extremas, o médico pode aplicar uma injeção de cortisona no ligamento. ;Essa infiltração deve ser feita com muito cuidado, porque a cortisona pode ter um efeito ruim para a gordura da região;, ressalva Ricardo. Se tudo isso não funcionar, o paciente pode ser submetido a uma cirurgia para cortar o ligamento. ;Mas isso é raríssimo. Em 17 anos trabalhando com pé e tornozelo, só fiz uma cirugia desse tipo;, afirma o especialista. Quando há o diagnóstico do esporão, o tratamento inclui a fisioterapia analgésica e o uso de calçados com acolchoamento na região do calcanhar. Se as dores persistirem, o médico pode recomendar uma cirurgia para a raspagem da saliência óssea. Por conta da confusão entre fascite e esporão, Ricardo alerta para o uso do salto alto como paliativo às dores. ;Quem tem fascite plantar não deve usar esse recurso. Pode até aliviar na ;pisada;, mas acaba encurtando ainda mais o ligamento;, diz. Em contrapartida, se a pessoa for diagnosticada com esporão, é possível que o salto alto ajude no tratamento. ;É a única situação em que esse tipo de sapato é recomendado, porque ele pode aliviar o atrito.; 1 - Do galo O nome ;esporão; vem do inglês spur, que denomina a saliência que os galos têm nas patas. A doença foi batizada dessa forma pela similaridade da estrutura com a que se forma no calcanhar dos humanos. 2 - Sem controle No Brasil, os médicos não são obrigados a registrar a ocorrência de todas as doenças. A notificação ocorre somente para patologias transmissíveis, como a dengue, a Aids e a meningite, por exemplo. O controle da incidência da fascite plantar e do esporão ; e de tantas outras doenças ; depende da iniciativa de hospitais ou de clínicas. O problema é que esses números refletem apenas um universo específico. Ouça entrevista com o ortopedista Ricardo Cardenuto Ferrari, da Associação Brasileira de Cirurgia de Pé e Tornozelo

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