Ciência e Saúde

Nova arma contra o tráfico de animais

Pesquisa da UFMG permite identificar a origem de aves a partir da análise do DNA. Ferramenta pode ajudar no combate ao comércio ilegal

postado em 14/06/2010 07:00
Belo Horizonte ; Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) estão desenvolvendo uma tecnologia para rastrear aves, baseada no teste de DNA mitocondrial. A ideia é que a ferramenta se torne um importante aliado no controle do tráfico de animais. Os testes foram concluídos com sucesso para a primeira linhagem pesquisada, a Amazona aestiva, ou papagaio comum.

Clique para ampliar (em PDF)O DNA mitocondrial é uma técnica usada para identificar a origem de espécies, evitando que animais retirados da natureza sejam comercializados como se tivessem nascidos em cativeiro. Com a comprovação da maternidade, os criatórios privados poderão passar a emitir com segurança algo semelhante a um pedigree da ave, certificando sua procedência e informando o histórico do exemplar, filiação e características físicas. Em laboratório, a pesquisa está sendo realizada a partir de amostras de sangue, mas no caso das aves também é possível trabalhar com a penugem.

O sistema atende a uma tendência crescente no mercado internacional de adoção de medidas que comprovem a procedência e a integridade sanitária dos animais comercializados. Segundo relatório da organização não governamental Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), o comércio ilegal de espécies só perde para o narcotráfico e tráfico de armas, quando o assunto é a movimentação financeira ilegal. Um levantamento feito pela organização Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (Cite, na sigla em inglês) aponta que o mercado clandestino de espécies silvestres ameaçadas de extinção movimenta por ano cerca de US$ 4 milhões.

Os testes convencionais de DNA, como o chamado microssatélite, identificam tanto a maternidade quanto a paternidade dos animais. No entanto, para cada espécie é preciso desenvolver, a partir do sangue do bicho, marcadores próprios. O marcador é uma região do código genético que mostra uma sequência própria, transmitida de mãe para filho. O pesquisador da UFMG no projeto, Rodrigo Mendes, explica que a sequência genética mostrada pelos marcadores é amplificada no laboratório. A partir daí, é possível identificar a origem materna em cada uma delas, apontando qual fêmea gerou cada filhote.

No caso do teste mitocondrial, os pesquisadores têm conseguido trabalhar com um mesmo marcador para várias espécies. ;Isso torna o trabalho mais ágil, fazendo cair também os custos;, diz Mendes. Para dar prosseguimento à pesquisa, a equipe da UFMG depende agora de parcerias com criatórios particulares e também com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), já que são necessárias amostras de sangue de grandes grupos. Mendes ressalta que a identificação científica das espécies ainda é pouco usada no Brasil, podendo favorecer tanto o trabalho dos criatórios quanto a ação da polícia na fiscalização do tráfico de animais.

Ele explica que a mitocôndria é uma organela das células humanas que fica no citoplasma, sendo responsável pela respiração celular. ;Ela é a única organela nas células animais (nas plantas também há os cloroplastos) que tem DNA próprio. Todo o restante do nosso DNA fica no núcleo;, diz. Segundo ele, como as mitocôndrias são uma herança materna, o teste é capaz de definir essa linhagem, não apontando a paternidade.

Fiel depositário
Ao realizar o teste de DNA mitocondrial, a universidade se torna um fiel depositário do material genético dos indivíduos, o que permite uma consulta por 20 anos, podendo atingir até quatro décadas. As amostras são congeladas a -70;C e devidamente identificadas, uma boa opção para as aves de vida longa, como é o caso dos papagaios. O teste de maternidade também evita manobras do mercado ilegal, como a manipulação de anilhas. Muitas vezes, o mecanismo traz referências falsas acerca da procedência dos bichos. ;Com o teste, temos condições de comprovar com segurança quem é a mãe de um indivíduo em questão, o que evita fraudes;, diz Fabrício dos Santos, coordenador do projeto no ICB/UFMG.

Espécies de araras e jandaias são outros exemplos de aves que podem ter o DNA mitocondrial identificado. Segundo Santos, o custo do processo por indivíduo varia de R$ 30 a R$ 50, podendo chegar a 10% do valor de venda do animal. No mercado formal, um papagaio comum é comercializado entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil, mas chega a atingir cifras bem mais altas dependendo de sua habilidade para a fala. O projeto da UFMG depende também de financiamento para avançar. Estima-se que o projeto-piloto, que ampliaria o leque de espécies rastreadas, necessite de investimentos de R$ 30 mil, montante pequeno diante dos resultados que podem ser alcançados.

A técnica já foi usada em testes de humanos para definir a ascendência de um indivíduo e também para especificar linhagens ou aspectos determinados, como a origem de determinada penugem de uma ave. ;O potencial do estudo é muito interessante, é preciso apenas ter cuidado com o custo cobrado por ave, que deve ser comercialmente viável;, alerta Paulo Machado, fundador do criatório Vale Verde, em Belo Horizonte, que colaborou na pesquisa cedendo material necessário para a realização do projeto-piloto. ;Espécies como o trinca-ferro e o papagaio são muito visadas no mercado. Muitos criatórios sérios têm interesse em ter o sistema de rastreamento.;

Por vários dias, a reportagem tentou ouvir o Ibama sobre o tráfico de animais silvestres no Brasil e também sobre o projeto do DNA mitocondrial e seu uso como ferramenta para inibir o comércio ilegal de espécies, mas o órgão não respondeu. Segundo a assessoria de imprensa, o instituto está em greve, e nenhuma fonte foi encontrada para comentar o estudo.

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