Ciência e Saúde

Genes excepcionais

Cientistas da Universidade de Boston, nos EUA, encontram fortes evidências de que a capacidade de viver mais de 100 anos e com boa saúde tem causas hereditárias

postado em 02/07/2010 09:31

Cientistas da Universidade de Boston, nos EUA, encontram fortes evidências de que a capacidade de viver mais de 100 anos e com boa saúde tem causas hereditáriasNo século 16, o navegador espanhol Juan Ponce de León enfrentou os perigos do oceano para tentar encontrar, no Novo Mundo, a fonte da juventude. Quinhentos anos depois, cientistas da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, anunciaram a descoberta do elixir. A preciosa substância que garante vida longa aos humanos, no entanto, não está escondida em lugar algum do globo. Na realidade, encontra-se dentro do próprio organismo.

De acordo com um artigo publicado na edição de hoje da revista científica Science, os genes são a chave da longevidade excepcional, termo utilizado pelos pesquisadores em referência às pessoas que vivem mais de 100 anos e conservam com elas a boa saúde. Apesar de reconhecer a importância de fatores externos, como a prática de exercícios e o consumo de alimentos saudáveis, eles concluíram que algumas variantes genéticas são as responsáveis pela longa expectativa de vida.

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores, liderados pela bioestatística Paola Sebastiani e pelo médico geriatra Thomas Perls, analisaram o mapa genético de mais de 2 mil pessoas, cujos dados foram armazenados pelo New England Centenarian Study, um projeto da Universidade de Boston que coleta informações sobre longevidade. No grupo dos centenários, foram estudados os genes de pessoas nascidas entre 1890 e 1910, que tinham de 95 anos a 119 anos. Desses, um terço tinha algum parente de primeiro grau que também era caracterizado pela longevidade excepcional. No grupo de controle, a análise concentrou-se sobre filhos de indivíduos que morreram antes de completar 80 anos.

Depois de se debruçar sobre o mapeamento dos genes dos dois grupos, os cientistas descobriram que 150 variantes genéticas são responsáveis pela vida centenária ; o que não significa apenas ultrapassar a barreira de 100 anos, mas chegar lá com saúde. De acordo com o estudo, é possível prever com 77% de certeza se um indivíduo vai conseguir viver mais que um século.

Além disso, a equipe identificou 19 grupos de genes encontrados em 90% dos centenários que garantem a essas pessoas uma espécie de imunidade contra doenças associadas ao envelhecimento, como demência e hipertensão. Os cientistas também observaram que 45% dos centenários mais velhos ; aqueles com mais de 110 anos ; eram os que possuíam a maior proporção de variantes genéticas associadas à longevidade. ;Essas ;assinaturas genéticas; são um novo avanço rumo à medicina preventiva. Um método analítico (o mapeamento genético) poderá prever e proteger contra numerosas doenças, assim como facilitar o desenvolvimento de medicamentos individualizados;, acredita Thomas Perls, fundador e diretor do New England Centenarian Study. Ontem, ele participou, com Paola Sebastiani (leia entrevista abaixo), de uma videoconferência para a imprensa mundial.

A pesquisa não se resumiu à busca dos genes relacionados à vida centenária, mas também procurou as variantes relacionadas ao surgimento de doenças. Com isso, os cientistas poderiam saber a real importância das variantes da longevidade ; as pessoas talvez vivessem mais por ter menos predisposição a ficarem doentes. Para tanto, os pesquisadores analisaram quantas variantes associadas a doenças havia no mapa genético de cada centenário, e compararam com os genes dos indivíduos do grupo de controle. O resultado provou que há pouca diferença entre os dois grupos, o que sugere que as variantes da longevidade são mais importantes que as demais.

Isso sugere que prever o risco de um paciente desenvolver determinada doença utilizando como base apenas a predisposição genética para aquele mal pode levar a um resultado impreciso, pois seria importante cruzar os dados com outras variantes. De acordo com os autores, uma pessoa pode ter genes que favorecem, por exemplo, o aparecimento de uma doença degenerativa, como Parkinson. Porém, se as variantes da longevidade excepcional também estiverem presentes no organismo, o risco de que aquele mal se desenvolva seria bem menor do que o imaginado.

Estilo de vida
As pesquisas continuam em curso, mas, na opinião dos autores, já forneceram resultados cruciais para o entendimento da expectativa de vida e do controle de doenças. ;Os dados preliminares sugerem que a longevidade excepcional pode ser o resultado de uma quantidade de variantes associadas à longevidade que combatem os efeitos das variantes relacionadas a doenças. Isso contribui para a busca de uma vida muito longa e saudável;, afirmam, no estudo.

No entanto eles lembram que mais investigações são necessárias para entender como essas variantes predispõem a longevidade excepcional. Além disso, os pesquisadores dizem que ;a predisposição não é perfeita;. ;Apesar da existência das variantes, sabe-se que fatores ambientais, como o estilo de vida, contribuem muito para a capacidade de o homem sobreviver por muito tempo;, alertam.

Como exemplo, Paola Sebastiani citou, na videoconferência, o povo japonês, o mais longevo do mundo. ;Até recentemente, os japoneses adotavam a dieta mediterrânea e caminhavam bastante. Infelizmente, está havendo uma ocidentalização dos hábitos. Porém, ainda há características no estilo de vida dos japoneses que permitem a eles ser mais saudáveis que a média.;



"Essas ;assinaturas genéticas; são um novo avanço rumo à medicina preventiva. Um método analítico poderá prever e proteger contra numerosas doenças, assim como facilitar o desenvolvimento de medicamentos individualizados"
Thomas Perls, diretor do projeto New England Centenarian Study




Entrevista Paola Sebastiani
Mais saúde no futuro
Formada em matemática e estatística, a italiana Paola Sebastiani, principal autora do estudo sobre a influência genética na longevidade excepcional, é professora de bioestatística da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston. Em entrevista exclusiva ao Correio, ela diz que, com a descoberta dos componentes genéticos dos centenários, será possível, no futuro, sofrer menos com doenças.

Os genes que garantem a longevidade são hereditários?
Temos fortes evidências em estudos anteriores de que a longevidade excepcional é hereditária, porque é algo observado nas famílias. Nossos resultados fornecem provas mais fortes ainda de que esse é o caso, porque conseguimos identificar os traços da longevidade usando apenas dados genéticos.

Nas pessoas que possuem essas variações genéticas, quais são as influências dos fatores ambientais na longevidade?
É preciso distinguir o envelhecimento normal da longevidade excepcional. No primeiro caso, o componente genético responde por 20% a 30% da longevidade, e o restante é provavelmente devido ao ambiente em que a pessoa vive e ao seu estilo de vida. Já na longevidade excepcional, o componente genético é muito mais forte. Não conseguimos descobrir ainda como ocorre a interação desses genes com os fatores ambientais, porque são necessários mais dados sobre a exposição aos fatores de risco, tanto dos centenários quanto dos que passam pelo envelhecimento normal. Só assim seremos capazes de estudar mais a fundo as interações dos gentes com o ambiente. Essa é uma questão muito importante e, atualmente, estamos envolvidos em um estudo sobre longevidade, que nos permitirá descobrir os efeitos do meio ambiente em quem tem longevidade excepcional.

Será possível que o estudo conduza ao desenvolvimento de uma terapia gênica para aumentar a longevidade?
Esse não é nosso objetivo; o que esperamos é que o conhecimento dos componentes gênicos da longevidade excepcional nos ajude a identificar os fatores genéticos que permitem às pessoas viverem com mais saúde. Os centenários representam, acima de tudo, um modelo de envelhecimento saudável à medida que tendem a contrair doenças só mesmo no fim da vida. Nosso estudo mostra que algumas combinações das 150 variantes genéticas estão relacionadas ao aparecimento tardio de várias doenças associadas ao envelhecimento. Essa descoberta pode apontar para novas terapias que retardem o surgimento das doenças.

Para a senhora, qual é a maior contribuição do estudo à ciência?
Esse trabalho trouxe várias descobertas, mas acredito que a mais importante é fornecer fortes evidências de que as bases genéticas da longevidade excepcional é muito complexa e envolve diferentes processos biológicos. Essa descoberta vai aumentar substancialmente o horizonte da atual linha de pesquisa sobre a longevidade e também sobre o envelhecimento saudável.

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