Ciência e Saúde

Tristeza de inverno

Habitantes de países de alta latitude, como a Suécia e a Inglaterra, liberam em excesso a melatonina, substância que induz o corpo ao desejo da noite e à fadiga. Mas isso passa com o fim do frio e a chegada do sol

postado em 04/08/2010 07:00
Brasilienses de nascimento e de coração podem até não ter ideia do que a falta de sol provoca no organismo. Mas basta passar uma temporada em estados mais ao sul do Brasil para sentir, pelo menos um pouco, como o inverno pode ser rigoroso. E o verão também. Regiões mais próximas aos trópicos da Terra têm as estações bem definidas e uma temporada de frio com dias curtos, noites longas, chuva, ventos e neblina. A soma disso tudo pode desencadear a depressão sazonal, um quadro clínico parecido com o da depressão clássica, mas com algumas características inversas.

A começar pela vontade de não sair da cama. Se quem tem o distúrbio tradicional enfrenta a insônia ou o sono intranquilo, pessoas que passam pela depressão de inverno sofrem com o excesso de fadiga e com a sonolência. ;O paciente fica com vontade de dormir muitas horas por noite e o sono bate durante o dia também;, descreve o psiquiatra Acioly Lacerda, da Associação Brasileira de Psiquiatria. Outro indício da depressão sazonal é o aumento de apetite, principalmente por alimentos ricos em carboidratos. O corpo fica faminto por comidas bastante calóricas porque gasta mais energia para funcionar nos dias frios.

Habitantes de países de alta latitude, como a Suécia e a Inglaterra, liberam em excesso a melatonina, substância que induz o corpo ao desejo da noite e à fadiga. Mas isso passa com o fim do frio e a chegada do solEssa mudança toda acontece por conta da liberação excessiva do hormônio melatonina, responsável por induzir o organismo ao período noturno (veja arte). A pessoa também apresenta sintomas típicos da depressão comum: tristeza persistente, falta de ânimo e problemas de concentração. ;Mas não se trata de uma depressão grave. Não é comum haver uma tendência suicida nesses pacientes;, diz o psiquiatra Acioly Lacerda.

A turismóloga Ana Maria Siqueira, 27 anos, passou os últimos três anos em Londres, na Inglaterra, cidade famosa por seus dias cinzentos na maior parte do ano. ;Cheguei no auge do inverno, achava tudo lindo. Mas logo que precisei cair na rotina, trabalhar, acordar cedo, o clima atrapalhou bastante;, conta Ana Maria. A turismóloga, que voltou a morar em Brasília em março deste ano, lembra que os londrinos ficavam muito mais extrovertidos nos raros dias de sol.

Adaptação
Ana acabou tendo que se acostumar ao clima da capital inglesa, apesar de, como ela mesma diz, ter tido vontade de pintar um sol na parede da sala por várias vezes. ;A gente acaba se adaptando a qualquer lugar. No Brasil, as pessoas deixam de fazer as coisas porque o tempo está feio ou porque vai chover. Lá, não dá para pensar assim, se não a gente nem sai de casa;, compara. Em Londres, Ana Maria conheceu o marido, o argelino Karim Bentrioua, que hoje vive em Brasília e fica admirado com os dias ensolarados da capital federal, o que lembra a sua própria terra. Mas nem todo mundo que fica triste durante o inverno está com a depressão sazonal. ;Isso não é um padrão, a pessoa tem que ter uma predisposição genética e biológica para a doença;, esclarece Acioly Lacerda. O psiquiatra explica que nos países de alta latitude ; como a Inglaterra, a Irlanda, a Suécia e a Noruega ; a maioria da população sofre de outro mal, a chamada síndrome anérgica de inverno, que se caracteriza pelo aumento da fadiga e da indisposição.

Dias nublados
A fotógrafa Luciana Cavalcanti, 38 anos, não precisou sequer sair do país para experimentar o desânimo provocado pela falta de luminosidade. A pernambucana vive em São Paulo desde 2001 e não se conforma com os dias nublados e poluídos da capital paulista. ;Eu não me exercito, fico mais inchada, minhas cólicas menstruais aumentam, tenho vontade de ficar hibernando dentro de casa;, conta Luciana. Mas os especialistas alertam que o sedentarismo pode acentuar ainda mais a depressão sazonal. ;Esse distúrbio está relacionado a comportamentos voltados para a economia de energia. As pessoas, então, comem mais e se movimentam menos. Manter uma atividade física regular pode diminuir a incidência da doença;, explica Acioly, da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Os dias cinzentos também atrapalham a produção da serotonina, um hormônio ligado à sensação de saciedade e bem-estar. ;A luz solar é muito importante para a ativação da vitamina D, um dos nutrientes que auxiliam a produção dessa substância;, afirma a nutricionista Joana Lucyk, mestre em nutrição humana. Essa vitamina é encontrada no leite e derivados, nas frutas e nos vegetais. O magnésio presente nos vegetais verde escuros, e o triptofano, na banana e nas nozes, por exemplo, também ativam a serotonina.

Para os que têm dificuldades em se controlar à mesa durante o inverno, Joana Lucyk recomenda a ingestão de alimentos de três em três horas. ;Para manter o senso de saciedade ativo, é preciso ter uma regularidade na alimentação, isso vai gerar uma modulação no organismo;, detalha a nutricionista. Outra dica é o consumo de alimentos auxiliares à produção de serotonina logo pela manhã. Joana receita uma vitamina com leite integral, cacau em pó, nozes e banana. ;Quem quiser pode acrescentar um talo de aipo, também muito rico em nutrientes;, ensina.

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