Ciência e Saúde

Pesquisa relaciona insônia à morte prematura e à doenças do coração

Foram analisadas 2 mil pessoas e a taxa de óbitos foi três vezes maior entre os insones

postado em 13/08/2010 07:00 / atualizado em 29/09/2020 11:11

Letícia não dorme bem há mais de 10 anos. Se diz presa fácil do estresse e da irritação, além de sentir dores de cabeça frequentes e terríveisO advogado Paulo Henrique Pinheiro*, 31 anos, não se recorda a última vez que conseguiu ter uma noite de sono tranquila e reparadora. A insônia o acompanha desde a infância. Além de sofrer para adormecer, um exame de polissonografia detectou que Paulo acorda diversas vezes durante o repouso. Quando criança, despertava cansado, irritado e não tinha concentração. Sem imaginar que o filho era insone, os pais do rapaz o julgavam preguiçoso pela manhã e hiperativo depois que o Sol se punha. ;Na infância e na juventude, o cérebro está a mil por hora. O cansaço é a maior evidência das noites mal dormidas, mas os efeitos mais perversos da falta de sono vêm a longo prazo. Hoje, tenho lapsos de memória e dificuldades para me concentrar. É complicado guardar e processar informações. Em algumas situações, não consigo lembrar de fatos que ocorreram meia hora antes. Isso é um tormento na vida profissional e pessoal. Tenho que ter tudo muito bem anotado;, reclama.

Estima-se que a insônia crônica afete cerca de 20% da população brasileira. Estudos sugerem que dormir pouco aumenta os riscos de problemas cardiovasculares e outros distúrbios. ;É um grande desafio para o insone levar uma vida saudável. Ele nem sempre consegue ter disposição para a prática de exercícios ou disciplina para se alimentar. Dormir bem, ter uma dieta saudável e fazer atividades físicas são os pilares da longevidade;, garante o neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília Ricardo Teixeira. ;O tempo necessário para um repouso reparador varia de indivíduo para indivíduo. Já a qualidade não é tão variável. O sono pode ser bom ou ruim. Muitos pacientes despertam tantas vezes durante a noite que não conseguem descansar e isso também é uma característica da insônia;, diz.

Foram analisadas 2 mil pessoas e a taxa de óbitos foi três vezes maior entre os insonesUm estudo conduzido na Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, sugere que perder noites de sono pode significar perder dias de vida. Os resultados da pesquisa revelam que a insônia crônica parece estar associada à morte prematura. O risco foi constatado para os que não conseguem pregar os olhos e também entre aqueles que têm dificuldade de voltar a dormir, acordam várias vezes ou despertam cedo demais. ;Avaliamos dados de mais de 2 mil voluntários em três questionários realizados em 1989, 1994 e 2000. Verificamos que a mortalidade foi três vezes maior entre as pessoas com insônia crônica. A associação ocorreu independentemente de outros fatores, como enfisema, bronquite, infarto, hipertensão e diabetes. Os mecanismos envolvidos nessa relação, no entanto, não estão totalmente esclarecidos;, explica a pesquisadora Laurel Finn, bioestatística ligada ao trabalho americano.

Predisposição
A insônia pode ter causas orgânicas, psíquicas e ambientais. Especialistas acreditam que há nos insones crônicos a predisposição genética e uma hiperatividade no eixo cerebral conhecido como hipotálamo-hipófise-adrenal, responsável pela liberação de cortisol (1). Diversos estudos apontam o estresse provocado pelo desgaste cotidiano ou por situações-limite como causas relevantes. ;Situações de ansiedade e depressão, nas quais estão inclusas as perdas da vida, os problemas familiares, econômicos e profissionais, podem prejudicar o sono e desencadear a insônia passageira ou crônica;, observa o neurologista do Instituto do Sono, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Luciano Ribeiro Pinto.

Foi o que ocorreu com a analista de sistemas Letícia Alves Jacome Queiroz, 36 anos. Embora o sono leve a acompanhe desde sempre, a insônia foi desengatilhada por um problema de saúde que afetou a ela e a filha. ;Tive pré-eclâmpsia no fim da gestação e minha pequena ficou hospitalizada por 11 meses. Isso ocorreu há uma década. Mas, a partir daí, nunca mais dormi bem. Sou ansiosa, chego a ficar quatro dias sem pregar os olhos. Fico estressada, irritada, o rendimento no trabalho cai e tenho dores de cabeça terríveis;, diz. Para remediar o problema, além dos medicamentos para induzir o sono e conter a ansiedade, Letícia vem fazendo psicoterapia, recurso muito indicado por médicos especialistas em distúrbios do sono.

A mudança de hábitos tem feito o administrador de empresas Jaime Fonseca da Silva, 45 anos, voltar a ter um sono reparador. Depois de mais de duas décadas dormindo duas horas por noite, ele revela que a atenção aos hábitos alimentares e a prática de atividades físicas têm surtido efeitos surpreendentes. ;A insônia me envelheceu. Confesso que temo os medicamentos e por isso procurei uma alternativa natural, digamos assim. Hoje, não abro mão do cooper depois do expediente, de alimentos leves e saudáveis e tomo um chá de ervas que estimula o sono. Tenho conseguido dormir seis horas por noite e voltei a viver;, comemora.

Foco no paciente

De acordo com o neurologista da Unifesp, a ansiedade realmente é comum entre os insones. O sucesso no tratamento depende do diagnóstico correto, da identificação da causa da insônia e de terapias adequadas. ;A psicoterapia tem se mostrado fundamental nesse processo porque ajuda os pacientes a lidarem com as dificuldades. Alguns temem aderir ao tratamento farmacológico imaginando uma suposta dependência das drogas. Quando bem indicados, esses remédios são seguros;, completa.

Os psicoterapeutas auxiliam os pacientes a reconhecerem seus problemas, hábitos nem sempre saudáveis adquiridos ao longo da vida, impactos que trouxeram marcas em sua trajetória e até aspectos ambientais, como ruídos e claridade no local onde se dorme. ;Nós não tratamos a insônia, mas sim o paciente;, pontua a psicóloga especialista em transtornos do sono Mônica Müller.

Ela reforça que fatores ambientais, emocionais, orgânicos e psicológicos interferem no comportamento da pessoa. ;Estudos comprovam que a psicoterapia, aliada ao tratamento medicamentoso de curto prazo, é muito eficaz porque estimula o paciente a encontrar maneiras de enfrentar os contras do dia a dia, a dar a volta por cima. A privação de sono mexe com todo o organismo. Ela compromete, inclusive, a imunidade. Por isso, a psicoterapia é uma ferramenta promotora de mudanças que levam à superação do problema;, pontua.

1 - Glândula restauradora
Cortisol é um hormônio corticosteroide produzido pela glândula suprarrenal que está envolvido na resposta ao estresse. Ele aumenta a pressão arterial e o açúcar do sangue, além de suprimir o sistema imune. Com a liberação normal, o cortisol tem diversas ações que buscam restaurar o equilíbrio interno do organismo.

*Nome fictício


; Saiba mais
Estudo promissor


Um estudo conduzido na Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, buscou investigar por que algumas pessoas são capazes de dormir em locais com muito ruído, enquanto outras despertam por qualquer barulho. Em artigo publicado na última terça-feira na revista Current Biology, o neurologista Jeffrey Ellenbogen relata a descoberta de um padrão distinto nos ritmos cerebrais espontâneos daqueles que dormem pesadamente.

Segundo ele, durante o sono, as ondas cerebrais se tornam mais lentas e organizadas, e foi possível entender a capacidade do cérebro de um indivíduo em bloquear os efeitos negativos dos sons. Quanto mais fusos do sono o cérebro produz, mais chances a pessoa tem de continuar dormindo, mesmo em ambientes com ruídos. O cientista e seus colegas se surpreenderam com a magnitude do efeito desses fusos.

Eles analisaram em laboratório durante três noites os padrões cerebrais dos voluntários da pesquisa e esperam que o trabalho leve ao desenvolvimento de maneiras de aumentar os fusos do sono por meio de técnicas comportamentais, de medicamentos ou de dispositivos.

 

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