Ciência e Saúde

Doença que afeta o formato e a espessura da córnea reduz capacidade visual

Especialista alerta para a importância do acompanhamento médico já na adolescência, quando costumam surgir os primeiros sintomas

postado em 10/09/2010 08:00
; Rayanne Portugal
Especial para o Correio

Quando Jefferson Martins Matos, 21 anos, identificou a gradual perda da visão, em 2006, tudo indicava que não passaria de simples miopia e astigmatismo. As imagens cada vez mais embaçadas e as fortes dores de cabeça, entretanto, levaram à desconfiança de uma doença rara na córnea do olho esquerdo de Jefferson, o ceratocone. Caracterizado pela distensão da córnea e pelo afinamento progressivo, o ceratocone é uma doença degenerativa e hereditária, que acomete menos de 0,5 % da população em geral. Afeta homens e mulheres em igual proporção e, em 90 % dos casos, em ambos os olhos.

Especialista alerta para a importância do acompanhamento médico já na adolescência, quando costumam surgir os primeiros sintomasEm geral, a doença se desenvolve assimetricamente: o diagnóstico do problema no segundo olho ocorre cerca de cinco anos após o diagnóstico no primeiro. À medida que a córnea se torna afinada e sua superfície cada vez mais cônica, o paciente percebe a diminuição da capacidade visual, moderada ou severamente, dependendo da quantidade do tecido afetado. Coceira e sensibilidade à luz são alguns dos sintomas que afetam o paciente com a córnea curvada. Quando em estágio avançado, a deformação ocular pode levar à cegueira.

Segundo o oftalmologista Daniel Moon Lee, especialista no tratamento de ceratocone e catarata e em implantes intraoculares, a doença inicia-se geralmente durante a adolescência, por volta dos 16 anos. ;No entanto, alguns pacientes podem levar mais tempo para descobrir o problema real, achando que se trata de miopia ou astigmatismo;, explica o profissional. Ele afirma que o tempo de aparecimento dos sinais de ceratocone também varia para cada paciente, podendo evoluir rapidamente ou levar anos para se desenvolver. ;Apesar de mais raros, existem casos de pacientes que apresentam alterações na córnea na infância ou após os 30 anos;, comenta.

Para Jefferson Martins, o avanço do ceratocone foi rápido no início da adolescência. O grau de miopia do olho esquerdo aumentou rapidamente, chegando a oito em 2008, quando foi constatado o cone na córnea. ;Hoje, tenho apenas 20% da capacidade do olho esquerdo. Apesar de o aumento de grau ter estabilizado desde então, os óculos não conseguem mais melhorar minha visão. Até o fim de setembro, passarei a usar lentes de contato rígidas para correção da córnea;, explica.

O uso de lentes de contato é o tratamento mais usado atualmente para a correção do ceratocone. ;A lente rígida estabiliza a superfície ocular, proporcionando uma curvatura da córnea mais regular;, explica Moon Lee. Por se tratar de uma lente rígida, a adaptação, especialmente sobre a córnea com curvatura muito irregular, não é imediata e deve ser feita com acompanhamento do oftalmologista, que vai testar e adaptar a lente ao paciente. ;Aquele que se propõe a passar pela adaptação às lentes consegue grande melhora da qualidade de vida, sem necessidade de procedimentos cirúrgicos;, ressalta o médico.

Cirurgia
Em 2006, Jefferson começou a ter dificuldades para enxergar. Era a chegada do ceratocone, que o deixou com apenas 20% de visão no olho esquerdoPacientes que não se adaptam às lentes de contato ou não obtêm o resultado esperado do tratamento podem recorrer a técnicas cirúrgicas, reversíveis ou permanentes, para correção da curvatura da córnea. ;A cirurgia não é recomendada nas fases iniciais, porque o uso de lentes de contato pode resolver o problema do paciente dando-lhe uma boa qualidade de visão;, explica o oftalmologista Daniel Moon Lee. Segundo o profissional, alguns pacientes acreditam que a única forma de tratar o ceratocone é por meio de transplante de córnea, o que, segundo o médico, é a última opção ; e apenas para casos graves e de rápido avanço. ;Além disso, um procedimento cirúrgico sempre traz riscos associados, como rejeição, infecção e até perda da visão;.

Antes de realizar o primeiro transplante de córnea, a auxiliar administrativa Viviana Mariana de Sousa, 25 anos, recorreu a quase todas as possibilidades de tratamento. Após a descoberta da doença, aos 15 anos, Viviana usou óculos e lentes rígidas por seis anos. ;Com o tempo, meu olho esquerdo não se adaptava mais à lente. A curvatura da córnea já era alta e a lente não tinha encaixe, caía com facilidade e causava grande incômodo. Em 2004, fiz o transplante da córnea;, relembra.

Em 2009, após sofrer o rompimento da membrana interna da córnea, Viviana entrou novamente na lista de espera para um transplante de córnea de emergência. ;Fiquei meses sem conseguir enxergar com o olho direito.; A hidropsia de córnea sofrida por Viviana ocorre em casos avançados de ceratocone, quando a alta saliência da córnea resulta na ruptura de alguma camada. A córnea é infiltrada pelo humor aquoso da câmara interior do olho. A cegueira temporária ocorreu devido à aparência translúcida que o olho adquire.

Hoje, Viviana se recupera do segundo transplante, realizado em fevereiro deste ano. ;É emocionante voltar a viver em um mundo tão claro e nítido. Mesmo com a visão do olho direito ainda em recuperação, já sinto a diferença. Foi uma luta difícil para chegar voltar a ter qualidade de vida;, comemora ela, que pretende voltar à faculdade este ano, interrompida após o acidente com a córnea.

Prevenção
O especialista ressalta que, nos casos intermediários de ceratocone, os anéis corneanos intraestrumais são os mais indicados. ;Eles regularizam a córnea afinada irregular e permitem uma melhor adaptação do paciente às lentes de contato;, explica o especialista. Após uma pequena incisão feita na periferia da córnea, dois arcos de acrílico são introduzidos na superfície. Os anéis são então ajustados entre as camadas do tecido próximos à pupila, para deslocar a curvatura da córnea para fora, aplanando o ponto mais alto do cone;, explica o oftalmologista Daniel Moon Lee. O procedimento, realizado com anestesia local, oferece o benefício de ser reversível e potencialmente substituível, uma vez que não envolve a remoção de tecido ocular.

Para reduzir o avanço do ceratocone, alguns oftalmologistas já utilizam o crosslinking, uma técnica desenvolvida na Alemanha, que consiste na utilização de um laser para enrijecimento da córnea e melhora da curvatura. O procedimento tem o objetivo de diminuir a velocidade de evolução da doença e do afinamento da superfície do olho, permitindo a adaptação do paciente às lentes. O procedimento é recomendado para casos progressivos e não avançados.

Daniel Moon Lee explica que, mesmo com bons resultados, a novidade ainda necessita de acompanhamento a longo prazo. ;Ainda não se sabe quais serão os efeitos desse tratamento em 10 ou 20 anos;, pondera.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação