Ciência e Saúde

Cientistas sequenciam DNA do orangotango

Paloma Oliveto
postado em 27/01/2011 08:00
Susie é uma fêmea de cabelos ruivos e longos, vive em um grupo social de alta complexidade e já deu provas de que possui cultura própria. Até agora, ela era apenas um dos orangotangos ; os únicos dos grandes símios que vivem a maior parte do tempo em cima de árvores ; que habitam as florestas de Sumatra (ilha da Indonésia). Depois de um artigo publicado na revista especializada Nature, no entanto, Susie se tornou conhecida por ser o primeiro exemplar da espécie a ter o código genético sequenciado. Ao examinar os genes do animal, um consórcio internacional de cientistas descobriu que apenas 3% de diferença genética separam os orangotangos dos seres humanos.

Em termos evolutivos, esse animal é considerado o mais distante ;primo; do homem. Embora as duas espécies compartilhem um ancestral comum, o orangotango tem o DNA mais diversificado, de acordo com o novo estudo. O sequenciamento de Susie também revelou que o genoma do símio sofreu poucas variações ao longo do tempo, ao contrário do que ocorreu com os seres humanos e os chimpanzés.

Como resultado da lentidão evolutiva, acredita-se que, geneticamente, os atuais habitantes das florestas tropicais de Sumatra e de Borneo (ilha cujo território pertence à Indonésia, à Malásia e ao Brunei) se assemelhem bastante ao ancestral comum dos grandes símios. Em um determinado momento do tempo, ainda desconhecido, esse animal separou-se daquele que daria origem aos hominídeos ; o último exemplar em comum seria o ;elo perdido;.

De acordo com um dos cientistas envolvidos no projeto, a professora da Universidade de Medicina Veterinária de Viena Carolin Kosiol, comparar o sequenciamento do orangotango ao genoma do homem e de outros mamíferos pode fornecer novas pistas sobre a evolução dos seres humanos. A veterinária examinou cerca de 14 mil genes humanos também encontrados nos orangotangos, nos chimpanzés, em macacos e em cachorros. Ela descobriu que genes envolvidos em dois processos ; percepção visual e metabolismo dos glicolipídeos ; sujeitaram-se, particularmente, à seleção natural na evolução dos primatas. De uma forma intrigante, defeitos no metabolismo dos glicolipídeos estão associados a um grande número de doenças degenerativas em humanos.

;Mudanças no metabolismo dos lipídeos podem ter desempenhado um grande papel na evolução neurológica dos primatas e devem estar associadas à diversidade de dietas e outras estratégias de sobrevivência;, acredita a cientista. ;Símios, especialmente os orangotangos, têm taxas de reprodução mais baixas e usam muito menos energia que outros mamíferos. Seria de grande valor científico sequenciar genomas de outros primatas para podermos fazer mais análises comparativas do tipo, o que nos ajudará a entender a evolução dos primatas e da nossa espécie;, afirma ao Correio.

Diversidade
A partir do sequenciamento de Susie, os cientistas decodificaram o DNA de outros cinco orangotangos de Sumatra e cinco de Borneo. Eles fizeram isso para estimar a época em que hominídeos e grandes símios separaram-se ; cerca de 400 mil anos atrás, confirmando o que já se acreditava. Segundo Carolin Kosiol, as análises mostraram que há uma enorme diversidade de genes nos orangotangos, o que torna os animais de Borneu e de Sumatra espécies diferentes. ;A descoberta surpreendente é que os animais de Sumatra têm uma variação genética muito maior do que seus primos próximos de Borneo, apesar de possuírem uma população bem menor;, diz a cientista.

Acredita-se que existam entre 40 mil e 50 mil grandes símios na vida selvagem de Borneo, enquanto que, em Sumatra, eles não passam de 7,5 mil. O baixo número os colocou na lista de espécies em alto risco da União Internacional pela Conservação da Natureza. ;A grande diversidade dos orangotangos de Sumatra pode ter um papel importante nos esforços por sua conservação. Precisamos fazer o que for possível para manter a diversidade de ambas as espécies;, diz Carolin.

O primatologista Jeffrey Rogers, do Baylor College of Medicine, uma das instituições que participaram do estudo, explica que a possibilidade de classificar os animais das duas ilhas como espécies diferentes era esperada. ;Estudos de comportamento já haviam identificado diferenças entre eles e, agora, o mapeamento genético provou que há uma grande variação entre os orangotangos de Sumatra e de Borneo. Cada população, separadamente, tem mais variações genéticas do que as encontradas em humanos;, observa ao Correio. ;O que é uma surpresa, já que os orangotangos evoluíram mais devagar que os humanos, os chimpanzés e os gorilas;, acrescenta. ;Isso significa que o genoma não foi rearranjado de forma estrutural no mesmo grau que o de outros primatas. Esses rearranjos são geralmente considerados uma forma importante de evolução.;

Estável
Para o principal autor do artigo da Nature e líder do projeto de sequenciamento, Richard K. Wilson, diretor do Centro de Genoma da Universidade de Washington, ;em termos de evolução, o genoma do orangotango é muito especial, já que se manteve extraordinariamente estável nos últimos 15 milhões de anos;. Wilson compara a leitura do genoma a um livro: ;Os cromossomos são capítulos, dentro de cada capítulo há parágrafos, frases, palavras e letras, que são como as bases individuais da sequência de DNA;, explicou, por meio da assessoria de imprensa da Universidade de Washington.

;Se você está editando um livro em seu computador, você pode marcar um parágrafo, copiá-lo, colá-lo, apagá-lo ou invertê-lo;, continua Wilson. ;Duplicações, deleções e inversões do DNA são tipos de variações estruturais. Quando analisamos os genomas de humanos e chimpanzés, podemos ver uma aceleração das mudanças estruturais ao longo da história evolucionária. Mas, por alguma razão, os orangotangos não participaram dessa aceleração, e isso foi uma surpresa.;

Segundo Jeffrey Rogers, a análise do genoma de Susie revelou que os genes dos orangotangos possuem menos elementos Alu ; pequenos trechos do DNA que se duplicam e podem se espalhar por todo o genoma ; do que os demais primatas. Essa pode ser uma das razões pelas quais esses símios não possuem tantas variações estruturais quanto os outros. ;Mas ainda não sabemos o motivo ao certo;, admite o cientista. Ele alega que o genoma de Susi pode ajudar os pesquisadores a ;reconstruir a história da evolução;. ;À medida que mais genomas de primatas são sequenciados, as informações nos ajudam a entender melhor a evolução do DNA e como o genoma da espécie humana evoluiu. Isso vai nos ajudar a compreender o que existe de único no processo que deu origem aos homens;, acredita Rogers.

Para o cientista, a ampla variação genética do orangotango é uma característica positiva. ;Ao longo do tempo, isso pode ajudá-los a manter uma população saudável;, diz. Mas o DNA não terá como protegê-los de uma grande ameaça: o crescente desmatamento no hábitat natural dos orangotangos. ;Se a floresta desaparecer, a variação genética não importará. Se as coisas continuarem desse jeito pelos próximos 30 anos, não teremos mais orangotangos na vida selvagem;, lembra.


ANIMAIS DIFERENTES
Apesar de muitas vezes citados como sinônimos, macacos e símios não são a mesma coisa. Os primeiros pertencem ao grupo dos primatas inferiores, como os micos. Já os grandes símios assemelham-se aos hominídeos ; inclusive, compartilham com eles um mesmo ancestral. Os mais conhecidos são gorilas, chimpanzés, orangotangos e gibões. Além da estrutura física semelhante à do homem, eles são inteligentes e apresentam cultura própria.

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