Ciência e Saúde

Cientistas encontram bactérias que podem conduzir materiais minúsculos

postado em 24/08/2011 09:20
Bactérias são, frequentemente, associadas ao aparecimento de doenças. Mas seu papel vai muito além disso. Cientistas da Universidade de Massachusetts, em Amherst, nos Estados Unidos, conseguiram mostrar que esses micro-organismos são capazes, até mesmo, de gerar energia, por meio da transmissão de elétrons. Eles montaram o primeiro dispositivo eletrônico no qual a rede elétrica natural da bactéria se desenvolveu e manteve sua capacidade condutora. A expectativa é que estruturas como essa sejam usadas para aplicações em nanotecnologia, deixando os equipamentos ainda menores e com potencial para serem usados em ambientes úmidos.

O grupo estuda subespécies de geobactérias há anos, mas somente agora comprovou que elas podem ser usadas em aplicações eletrônicas. Isso porque a ;respiração; desses micro-organismos movimenta elétrons, gerando eletricidade com a mesma eficiência de outros semicondutores usados em nanotecnologia. As geobactérias foram descobertas em 1987 e são encontradas em meio aquoso ou úmido. No caso específico da Geobacter sulfurreducens, descrita pelos cientistas norte-americanos, seu hábitat é embaixo da terra, onde não há oxigênio. A sobrevivência é garantida por trocas energéticas com outros elementos à sua volta.

Para fazer a conexão com seus vizinhos, as geobactérias produzem nanofios que se alongam para fora de seu corpo, tal qual finíssimos fios de cabelo. ;A bactéria ;respira;, fazendo a transferência de elétrons para o outro indivíduo. No ambiente natural, essa troca é feita com o ferro presente nos minerais e, no laboratório, com o eletrodo de metal;, explica ao Correio Mark Tuominen, um dos autores da pesquisa.

Tuominen e seus colegas já haviam demonstrado, em 2005, que os minúsculos fios produzidos pela geobactéria eram condutores. Nos últimos anos, a equipe trabalhou em uma técnica para fazer com que essa característica pudesse ser reproduzida sobre um suporte de metal. ;Essa é uma mudança de paradigma na biologia. A condutividade ao longo de um filamento de proteína não havia sido observada até então e, quando nós sugerimos isso pela primeira vez, nosso trabalho foi recebido com muito ceticismo;, conta Derek Lovley, outro responsável pelo estudo. As conclusões do último artigo desenvolvido pela equipe foram publicadas em uma edição on-line da revista Nature Nanotechnology deste mês.

Para fazer com que a geobactéria reproduzisse no laboratório o mesmo comportamento que tem em seu hábitat natural, o primeiro passo foi criar uma espécie de biofilme, com milhares delas. Essa película foi colocada em cima de eletrodos de ouro (veja arte). A colônia, então, recebeu moléculas de acetato para se ;alimentar; e, em troca, devolveu elétrons. ;Nossa pesquisa representa a descoberta de um novo material. Antes disso, ninguém acreditava que um sistema biológico pudesse ser condutor tanto quanto um metal;, afirma Tuominen. Devido a suas dimensões, a bactéria pode servir para aplicações em nanotecnologia. Ela mede 1 micrômetro (menor que uma célula do sangue) e seus nanofios se estendem a, pelo menos, 20 micrômetros.

Na água

Uma das grandes vantagens da geobactéria em relação a outros semicondutores é que ela pode ;funcionar; em ambientes úmidos. Atualmente, essa é uma das limitações dos eletrônicos, que entram em curto-circuito quando são colocados na água. Equipamentos com proteção contra o líquido dependem de invólucros resistentes que, por vezes, prejudicam o desempenho do aparelho. ;Além disso, um dispositivo feito com esses micro-organismos seria muito barato, uma vez que eles podem crescer em substratos simples, como o vinagre;, aponta o pesquisador Derek Lovley.

A aposta de Lovley é que as geobactérias vão se tornar matéria-prima de células geradoras de energia a partir de resíduos. ;O dispositivo poderia converter biomassa (combustível orgânico) em eletricidade, já que os nanofios de seu corpo conduzem os elétrons aos eletrodos;, sugere o especialista. Essa capacidade poderia ser usada para fazer uma verdadeira limpeza em ambientes repletos de resíduos ; tais como aqueles onde há restos da exploração de petróleo. ;A Geobacter sulfurreducens vive embaixo da terra, em compatibilidade com vários elementos químicos. E há muitos outros tipos de geobactérias, algumas delas também com nanofilamentos condutores;, enfatiza Mark Tuominen.

O pesquisador vai ainda mais longe: ;No futuro, podemos considerar a utilização desses materiais para o armazenamento de energia;, supõe. A rede de nanofios produzida pela bactéria tem uma grande superfície (de, pelo menos, 20 vezes o tamanho da própria bactéria). ;Essa estrutura é interconectada e porosa e, possivelmente, poderia ser utilizada como um eletrodo eficaz para o acúmulo de carga;, diz o especialista. Mas, até que isso vire realidade, os cientistas têm bastante trabalho pela frente. Agora, adiantam Lovley e Tuominen, o objetivo será conhecer a fundo a estrutura molecular desse micro-organismo. Com isso, ficará mais simples entender por que um elemento orgânico tem propriedades condutoras parecidas com as do metal.

Fome de ferro
A primeira geobactéria foi isolada do Rio Patomac, em Washington, nos Estados Unidos. Batizada de Geobacter metallireducens, ela oxida compostos orgânicos presentes em seu hábitat. ;Em outras palavras, ela ganha a sua energia usando óxidos de ferro da mesma forma que os humanos usam oxigênio;, explica um texto do site geobacter.org.

Proteínas elétricas
As geobactérias usam seus nanofios para conduzir os elétrons. Esses filamentos, chamados de ;pili; pelos cientistas, são feitos de proteínas, substâncias que, usualmente, são isolantes. ;Mas, nesse caso, são proteínas especiais, porque conduzem;, reforça Mark Tuominen. Novas pesquisas vão ajudar a equipe a entender como exatamente funciona essa estrutura de nanofios.

E EU COM ISSO
A extração de petróleo é uma das principais fontes de problemas ambientais. Não somente por conta do risco de vazamentos no mar, mas também porque o processo gera uma série de resíduos, incluindo substâncias tóxicas e metais pesados. Se a hipótese dos pesquisadores estiver correta, no futuro, as geobactérias podem ajudar a limpar as zonas afetadas por esse tipo de poluição. Elas ;comeriam; a matéria orgânica e devolveriam energia para o ambiente.

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