Ciência e Saúde

Em entrevista, professor fala sobre o polêmico uso do mercúrio

postado em 26/08/2011 10:43

O professor de medicina veterinária da Universidade de Brasília (UnB) e consultor da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) José Dórea condena o uso do mercúrio em produtos imunológicos. De acordo com ele, estudos populacionais relacionam o elemento químico a deficits cognitivos, alergias e outros distúrbios comportamentais em crianças e adultos. Considerado uma das autoridades mais respeitadas em estudos sobre a neurotoxicidade do mercúrio, Dórea embarcou nesta semana para Viena, onde discutiu com especialistas da agência o tema Baixas Doses de Poluentes Metálicos na Natureza afetando Países do Terceiro Mundo.

José Dórea é sergipano, com vários títulos de pós-graduação em sua carreira, e começou a se interessar por mercúrio há cinco anos, quando participou de um grupo que estudou a correlação entre alimentação humana e contaminação de rios da bacia do Madeira, na Amazônia, por mercúrio. Em junho, no XVII Congresso Brasileiro de Toxicologia, em Ribeirão Preto, ele falou sobre a neurotoxicidade de baixas doses de etilmercúrio (uma das formas mais venenosas do mercúrio), relevante para vacinas preservadas com timerosal (Merthiolate).

O pesquisador tem dezenas de artigos científicos editados nas principais publicações da especialidade, como Neurochemical Research e The New England Journal of Medicine, entre outras. Em entrevista ao Correio, Dórea comprova os efeitos negativos das vacinas com timerosal em crianças e faz alertas sobre os riscos que essas doses representam para mulheres grávidas.

[FOTO1]Como o senhor vê o uso de mercúrio em substâncias imunológicas e por que países desenvolvidos baniram o metal como adjuvantes de vacinas?
Eles (a indústria farmacêutica) usam o mercúrio só em imunógenos (vacinas), mas aqueles produtos de uso externo já saíram de circulação, inclusive aqui no Brasil, com a proibição do merthiolate pela Anvisa. O que é interessante é que não se proibiu usar em vacinas. Essa é a coisa mais contraditória que existe: você não pode passar o mercúrio numa feridinha, mas pode injetar no braço de uma criança.

A Sociedade Brasileira de Imunologia e o Ministério da Saúde afirmam que não existem estudos que confirmam os riscos à saúde provocados pelo mercúrio em vacinas.
Eles são infectologistas. Portanto, do ponto de vista da infectologia, eles estão certos, mas não do ponto de vista da toxicologia. Temos de recuar um pouco para responder melhor. Existem várias categorias do mercúrio, como o metálico, o iônico e o metilmercúrio ; a forma mais tóxica que temos do mercúrio. Trata-se de um elemento químico que existe em todo lugar, em todo o planeta. Você pode perguntar: por que então ele não mata as pessoas? Ora, porque as proteínas do grupo cistina (considerados aminoácidos essenciais) sequestram o mercúrio, deixam ele preso em algum lugar. Mas e se uma mulher grávida se contaminar com ele? Se ele for para o cérebro do embrião? Esse é o perigo. Mas tem outra forma de mercúrio, que é um pouco menos venenosa que a outra, o etilmercúrio, o mesmo das vacinas, e que era usado no Merthiolate.

Por que proíbem a substância para uso tópico e não nas vacinas?
Uma questão de interesses, apenas. Mas proibiram nos Estados Unidos por causa do clamor universal, a partir de 1999. Lá, ocorreu um congresso naquele ano, uma audiência pública e uma Comissão Parlamentar de Inquérito para tirar o mercúrio das vacinas. Só em 2002 os Estados Unidos o retiraram do Merthiolate, mas não das vacinas. E aqui, como tudo o que fazemos segue o modelo americano, a gente tirou também do Merthiolate. Mas tirou por tabela, não por estudos.

Como é a situação na Europa?
Na França, nunca usaram; na Rússia, eles retiraram o tiomersal das vacinas para crianças desde 1980. Na Alemanha, nunca usaram, na Áustria e na Dinamarca, também, mas nesses países, o calendário é diferente, são apenas 12 doses. O problema da criança com o mercúrio e com outros metais é que a barreira hematoencefálica dela ainda não está formada quando começa a ser vacinada.

Qual é o argumento para usar o mercúrio nas vacinas?
Não existe nada de medicinal que justifique; São causas econômicas. Há vacinas que não precisam de mercúrio, são doses únicas. Se você for numa clínica de vacinação e disser que quer vacina sem mercúrio, eles trazem uma ampola. Mas existem as que ficam em uma garrafinha. São essas que os governos de vários países usam em campanhas. É uma questão de custo. As da ampola, sem mercúrio, são dez, 15 vezes mais caras. Ora, uma ampola, com uma dose, cortou, jogou fora. As doses da garrafinha têm de ter o mercúrio para preservar.

O mercúrio é um elemento fundamental e prejudicial para a vida humana. O senhor poderia explicar o porquê?
Temos de entender primeiro que todo ser que vive dentro d;água é como se fosse uma esponja, e todo o mundo aquático tem mercúrio, como herança das épocas primevas da terra. Dos três elementos que a vida não podia viver com eles, mas que também não podia dispensá-los, que era o ferro, o oxigênio e o mercúrio, este último não era uma exigência da vida, mas a vida teve de encontrar uma forma de se adaptar a ele. Essas coisas em excesso atrapalhavam a evolução, e a vida, assim, para poder evoluir, teve de inventar alianças com o mercúrio. E essa se deu por meio das bactérias mais insignificantes. Elas começaram a produzir uma substância que agregava o mercúrio e o isolava, impediam de agredir o organismo vivo. Eles ficavam neutralizados dentro daquele estado. Essa ditas bactérias metanogênicas (responsáveis pela remoção do carbono do ambiente anaeróbico) tornaram esse processo possível e, assim, nasceu a vida. Ao mesmo tempo, temos de admitir que o mercúrio é essencial para toda a história da medicina, da humanidade. Ele foi descoberto como uma das maravilhas das ciências modernas, da tecnologia moderna. Ele forma ligas e é a base de muitos produtos de nosso dia a dia. Você coloca mercúrio nos dentes, você o usa na indústria de feltro, para fazer chapéus, por exemplo.

O mercúrio também funcionava como uma fonte de loucura em outras épocas, é verdade?
Sim, as pessoas que trabalhavam em chapelarias e em fábricas de chapéu ficavam doidas antigamente. Mas isso acontecia com elas já em idade avançada, no fim da vida. Todo mundo acabava meio esquizofrênico. E, na indústria de vidros, cada óxido de mercúrio dá uma cor diferente. Então, no começo do século 20, se sabia que havia problemas com o mercúrio, mas não se sabia a dimensão desses problemas porque não tinha tecnologia.

Como ocorreram os primeiros sinais de que o mercúrio era nocivo à saúde humana?
Em 1920, um químico chamado Morris S. Kharasch, da Universidade de Maryland, adicionou mercúrio a um pesticida e a outro produto, descobrindo o que talvez mais rendeu dinheiro para a Eli Lilly (nome do fundador de um dos maiores laboratórios americanos). É o que eu e metade do planeta passamos no braço quando meninos, que foi o Merthiolate, patenteado por Kharasch em 1928 com este nome. Tinha também o mercuriocromo, que era uma forma bromada deste, com ligeiras modificações. Então, antes da Segunda Guerra Mundial, se você estava no campo de batalha, era aquilo (o Merthiolate) que salvava os soldados, pois era usado como desinfetante. E nas cápsulas das espoletas que eram usadas na Primeira Guerra Mundial, havia óxido de mercúrio dentro do detonador, que dava reação instantânea, não falhava jamais. Mas essa era uma guerra primitiva, e todo mundo que voltava, voltava doido, principalmente os soldados de trincheira, que passavam o tempo todo aspirando óxido de mercúrio, porque essa substância é neurotóxica. Mas somente hoje se sabe disso, são fatos históricos e científicos comprovados, conhecidos atualmente porque a ciência evoluiu.

O senhor quer dizer que o mercúrio é um mal necessário?
É tudo muito contraditório, mas veja, até os remédios de lombriga (vermífugos), isso até a década de 1950, todos eles levavam algo de mercurial porque ele era eficaz. Ainda na década de 1950, esse mesmo químico (Kharasch) inventou uma fórmula que você passava na gengiva da criança e aliviava a inflamação da dentição. Mas aconteceu que, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Austrália, alguns meninos ficaram doentes, e um sinal intrigava os médicos. Era que a ponta dos dedos deles ficava meio rósea e eles perdiam a vontade de brincar, aparentemente uma sintomatologia muito simples. Trata-se do que se chama na medicina de acrodinia (uma intoxicação infantil, em geral por mercúrio, que se manifesta por inflamação das extremidades, do tórax e do nariz) ou a doença cor-de-rosa. E aí um médico que trabalhava com o químico notou algo estranho e pediu uma análise da urina dessas crianças. Quando veio o resultado, havia uma quantidade enorme de mercúrio na urina deles.

Essa foi a primeira reação contra o uso do mercúrio em remédios?
Pode ser. Mas os médicos investigaram mais profundamente e, quando tentaram alertar a classe média de que a acrodinia era causada por aquele pozinho inofensivo que se passava nas gengivas do bebê, porque continha mercúrio, de início, ninguém aceitou. Mas depois tiraram o remédio de circulação e não se teve mais notícia de casos da doença rosa naqueles países.

Existem estudos que comprovam o efeito deletério das vacinas com mercúrio em crianças?
Sim. Do ponto de vista neurológico, não; do ponto de vista imunológico, sim. Resumi os principais estudos de população feitos depois de 2004 nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Noruega e na Itália, com milhares de crianças que tomaram vacinas antes e depois de o mercúrio sair da composição das vacinas. Posteriormente, os pesquisadores recrutaram as crianças e foram fazer avaliação psicológica, com testes para avaliar o desempenho cognitivo, e ocorreu a presença de distúrbios. Pesquisei a fundo esses estudos e fiz um estudo dos estudos.

Quais as principais conclusões?
Que o risco de neurotoxicidade pela presença do mercúrio nas vacinas é plausível, mas não para todas as crianças. Porque se trata de uma suscetibilidade ou de polimorfismo, são pessoas que não sabem lidar com substâncias tóxicas, que respondem mal, enquanto que outras não. Tem gente alérgica a camarão, mas eu como uma tonelada e não tenho nada. A frequência desse polimorfismo na população para o caso do mercúrio como agente neurotóxico é de 5% a 10%.

E para o sistema imunológico?
Deve ser bem mais problemático, porque o sistema imunológico é mais complexo. A outra conclusão é que existe a necessidade de abordar esses assuntos em países subdesenvolvidos, que largamente usam essas vacinas. Aqui no Brasil, mulheres grávidas recebem três vacinas com tiomersal (Merthiolate). Isso é um crime. Isso não devia acontecer. No embrião, você ainda está muito vulnerável. Mostro que em outros estudos imunotóxicos, de 2007 e 2011, a reação alérgica diminuiu significativamente nos lugares onde retiraram o tiomersal. Outro problema é o alumínio, presente como adjuvante em algumas vacinas, com o mercúrio. Não existem ainda estudos separados e suspeito que o problema do alumínio é tão ou mais grave do que o do mercúrio.

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