Ciência e Saúde

Participantes de comunidades na rede tratam anorexia como um estilo de vida

postado em 10/09/2011 08:30
;Eu colocava na minha cabeça que arroz eram vermes. Você se olha no espelho e vê um ser desfigurado, de 100kg.; Com 1,71 metro, Rebeca* pesava 56kg ; o que resultava em um índice de massa corporal (IMC) de 19,2, considerado normal. Incomodada com roupas marcadas e determinada a ter uma barriga ;seca;, a estudante, então com 17 anos, resolveu parar de comer. O café da manhã foi a primeira refeição a ser sacrificada. Depois, almoço, lanches e jantar foram substituídos por um pedaço de cenoura diário. ;No começo, eu até almoçava quando chegava da escola, mas fui me sentindo culpada;, conta. ;Você enjoa, vê a comida na sua frente e sente nojo.;

Rebeca precisou criar estratégias para driblar a fome, os amigos e os parentes. Dormir a tarde inteira limitava o tempo em que ela pensava em comida. Para os amigos, mentia que já havia comido e, com a mãe, simplesmente ignorava o tema. ;A gente comia se quisesse lá em casa, ninguém ;vigiava;;, explica. Durante os sete meses em que esteve doente, Rebeca viu seu manequim diminuir três números e os ponteiros da balança caírem rapidamente: dos 56kg iniciais, a estudante alcançou a marca dos 48. ;Cheguei a usar calça tamanho 34, quando estava acostumada com a 40;, conta. Contudo, o corpo não demorou a cobrar o preço pela falta de comida. ;Eu não queria sair de casa, estava muito para baixo. Um dia passei mal e minha visão ficou escura. Fiquei com medo;, confessa.

Após o episódio, Rebeca descobriu que estava anêmica e resolveu que era hora de parar. ;Fui a uma psicóloga sete vezes, mas não acho que foi isso que me curou. Passou sozinho;, resume. Mesmo com a certeza de que está curada, Rebeca admite, contudo, que tem recaídas de vez em quando. O término do namoro, em julho deste ano, fez com que o asco por comida voltasse ; e as refeições ficaram resumidas ao almoço com colegas, em que o prato não pesava mais que 400g. Hoje, com 62kg e 23 anos, ela reconhece que as preocupações não tinham razão de ser. ;Lembrando disso, vejo o quanto é idiota, mas, na hora, você não tem consciência. É o poder da mente;, justifica.

Para muitas pessoas, é difícil entender o que se passa na cabeça de alguém disposto a privar-se de comer em troca de ossos salientes e um corpo macérrimo, sem o menor vestígio de gordura. Para entender essa ;cultura identitária;, pesquisadores se debruçam nesse universo onde comer e beber é praticamente proibido. Uma busca rápida pela internet é suficiente para revelar uma infinidade de websites e fóruns nos quais pessoas ditas pró-;ana; (apelido dado à anorexia pelos ;adeptos;) de todas as idades e de várias partes do mundo trocam dicas, dietas e informações sobre o que acreditam ser um estilo de vida, não uma doença.

Traços comuns
Um desses estudos, concluído em julho deste ano pela Fundação Oswaldo Cruz e pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), analisou comentários em uma comunidade virtual para traçar características psicológicas e comportamentais dos participantes. Com 1.616 membros, quase todos do sexo feminino, a página contava com 34 fóruns de discussão. Seis deles foram usados no trabalho e ajudaram os pesquisadores a dividir em três os objetivos das meninas. O primeiro seria entender o conflito entre encarar a anorexia como um estilo de vida, em que o corpo considerado perfeito só pode ser alcançado com dedicação e disciplina, ou como doença. O segundo são as recompensas que um corpo esbelto proporcionaria: felicidade e realização profissional. O terceiro e último diz respeito à sensação de pertencer a um grupo onde é possível expressar-se anonimamente, ou seja, sem medo de represálias ou críticas.

O corpo magro, para elas, é sinônimo de status, riqueza e beleza. Ser invejada por outras meninas, desejada pelos homens e até mesmo conseguir ascender socialmente graças ao corpo sem gordura são metas prioritárias, e nenhum sacrifício é grande demais nessa procura pela ;perfeição;. Do ponto de vista médico, porém, muitas vezes não há motivos que justifiquem a obsessão com o peso: após o cálculo do IMC das garotas, os pesquisadores descobriram que 60% delas encontravam-se com o peso normal, 20% com sobrepeso e 20% com baixo peso. O objetivo, entretanto, não é apenas manter o IMC abaixo da média. No trabalho, verificou-se que elas ;desejam ter um corpo magro, sem gordura, especialmente, nas partes consideradas mais volumosas, como quadril, coxas, braços e barriga;.

* Nome fictício a pedido da personagem.

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