Ciência e Saúde

Comer carne vermelha pode aumentar risco de surgimento do diabetes tipo 2

postado em 19/09/2011 09:33
A pedagoga Tânia Martins, 61 anos, controla o diabetes e a hipertensão evitando enlatados e embutidos e praticando exercícios rotineiramentePara quem é diabético, doces, biscoitos e refrigerantes são itens proibidos no carrinho do supermercado ; pelo menos, os tradicionais. Não é só com o açúcar, entretanto, que essas pessoas precisam se preocupar. De acordo com um estudo feito pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o alto consumo de carne vermelha ; especialmente a processada, como bacon, salsicha, linguiça ou presunto ; aumenta a probabilidade de também desenvolver diabetes tipo 2. Como era de se esperar, a pesquisa apontou que a diminuição ou a substituição desse tipo de alimento por opções mais saudáveis, com baixo teor de gordura, por exemplo, reduz significativamente esse risco. A versão on-line do trabalho foi divulgada no site da revista American Journal of Clinical Nutrition e aparecerá na edição impressa da publicação em outubro.

Após analisar os hábitos alimentares dos participantes, levando em consideração a idade, o índice de massa corporal (IMC) e o estilo de vida, os estudiosos chegaram à conclusão de que pessoas que costumam consumir uma porção de 100g diárias de carne vermelha não processada têm 19% mais chances de ficarem diabéticas. A situação piora ; e muito ; para quem consome carnes processadas. Com apenas metade dessa porção ; o equivalente a uma salsicha ;, os riscos dos consumidores virarem portadores da doença sobem 51%. A melhor alternativa, segundo os pesquisadores, é reduzir ao máximo o consumo desses alimentos. Trocar a carne vermelha, embutidos e enlatados por nozes, grãos integrais, produtos com baixo teor de gordura, peixe ou feijão sempre que possível também ajuda a afastar o fantasma do diabetes.

An Pan, pesquisador do Departamento de Nutrição de Harvard e um dos autores do trabalho, explica que isso ocorre devido à grande quantidade de sódio e conservantes químicos presentes nesses alimentos, que acabam por danificar células do pâncreas envolvidas na produção de insulina. ;A carne vermelha, em geral, também tem altos níveis de um tipo de ferro chamado heme, que, quando consumido em quantidades elevadas, pode aumentar o estresse oxidativo e levar à inflamação crônica. Isso também pode afetar a produção de insulina;, completa.

Pan frisa ainda que outros estudos, feitos em 2010 na mesma Harvard, provaram que o consumo excessivo de carne vermelha também aumenta os riscos de doenças cardíacas, outro fator que pode desencadear o diabetes tipo 2. Além disso, exagerar na carne vermelha também pode fazer com que haja ganho de peso em excesso ; um forte fator de risco para a doença. ;Em nossa análise, descobrimos que os riscos relativos foram atenuados pela metade após o controle do IMC;, completa. ;Não dissemos na pesquisa que é preciso riscar totalmente a carne da dieta. Acredito que o consumo de, no máximo, três porções por semana de carne vermelha não processada é aceitável para a maioria das pessoas.;

Excessos
Jane Dullius, educadora física e coordenadora do programa de educação em diabetes Doce Desafio, da Universidade de Brasília (UnB), diz que, para quem já é diabético, o consumo de carne vermelha pode causar uma sobrecarga no organismo ; que já precisa de um trabalho extra para manter-se saudável. ;Embutidos não deveriam ser consumidos por niguém, diabéticos ou não;, defende. ;A quantidade de sódio é muito grande, o que favorece hipertensão e também o diabetes;, resume. Dullius, diabética e vegetariana há 30 anos, ensina que, para substituir a carne sem sofrer, basta fazer adaptações com valores nutricionais equivalentes ou parecidos. ;A grande questão é de onde você pode tirar a proteína, que pode ser encontrada em muitos outros alimentos, como no arroz e no feijão;, sugere. ;Produtos industrializados trazem conforto em termos de acesso ao alimento, mas favorecem o ganho de peso e a intoxicação.;

Especialista em nutrição clínica, Guilherme Mendes diz que os efeitos da carne vermelha em diabéticos já são conhecidos. ;O que é novo é essa relação, a porcentagem que os pesquisadores de Harvard encontraram;, comenta. Ele explica que a carne vermelha em excesso favorece o surgimento de fatores inflamatórios na corrente sanguínea ; o que pode ocasionar doenças autoimunes, problemas gastrointestinais e câncer. ;Esses fatores inflamatórios, associados à obesidade, desencadeiam resistência à insulina;, completa. ;Com o tempo, em torno de 10 a 11 anos, os sintomas aparecem.; Para driblar a doença, o jeito, segundo Mendes, é mudar: trocar carne vermelha pela branca de vez em quando, ingerir frutas, legumes e hortaliças e, claro, praticar atividade física. ;Quase 70% dos casos de doenças crônicas têm a ver com o estilo de vida e fatores ambientais;, diz.;

Mudar alguns hábitos foi o caminho escolhido por Tânia Martins, 61 anos. Mesmo antes de saber que era diabética, a pedagoga conta que trouxe o costume de comer verduras e legumes de casa. ;Minha avó paterna tinha diabetes e morreu com a perna amputada. Por isso, lá em casa, minha mãe sempre incentivou que a gente comesse direito. Eu já sabia que tinha 50% de chance de ser diabética;, explica. Quando casou-se, Tânia acostumou-se a ter sempre enlatados e alimentos embutidos na dispensa ; por conta do marido, ela garante. Depois que o companheiro faleceu, foi a hora de abolir de vez alimentos industrializados do cardápio. ;Antes, eu fazia supermercado em uma hora, mas agora demoro três vezes mais, porque tenho que ler os rótulos e ver o que posso ou não comer;, completa.

Hoje, Tânia pratica exercícios físicos cinco vezes por semana e evita ao máximo alimentos gordurosos. Além de controlar o diabetes e a hipertensão, ela conta que o novo estilo de vida só tem vantagens. ;Não sinto mais cansaço, mal-estar. Antes, estava sempre ofegante;, compara. Ainda que não seja sua preocupação principal, ela garante que o ganho estético também compensa o esforço de trocar grandes quantidades de carne por grãos, salada e frutas. ;Perdi mais ou menos 12kg depois que comecei a fazer a dieta, há três anos;, gaba-se.

Sem saber
Muitas vezes assintomática, a doença pode passar desapercebida por muito tempo. Diferentemente do diabetes tipo 1, em que não há produção de insulina, o tipo 2 ocorre devido a uma resistência do organismo ao hormônio. Essa versão da doença é a única que pode ser evitada, com a ajuda de uma dieta balanceada e exercícios físicos regulares. O brasileiro, contudo, parece não estar muito preocupado em diminuir a quantidade de carne vermelha no prato. Segundo dados do Sistema de Monitoramento de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (Vigitel) de 2010, 45,5% dos homens comem carne com excesso de gordura. As mulheres são mais contidas: 24,5% admitem consumir o alimento.

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