Ciência e Saúde

Arma feita pelo homem há 14 mil anos é encontrada na América do Norte

Paloma Oliveto
postado em 21/10/2011 10:19
O esqueleto reconstituído do mastodonte (o círculo mostra onde o golpe com o osso o atingiu): Homo sapiens teria ocupado a América mais cedo

Há 13,8 mil anos, um caçador provavelmente esfomeado afinou sua lança e preparou uma tocaia na região onde, hoje, é o estado americano de Washington. Com um golpe certeiro, cravou o objeto no lombo de um mastodonte. O projétil atingiu o músculo do animal e chegou a penetrar uma das costelas, a 25cm de profundidade. Seria um fato corriqueiro e sem importância histórica. A não ser pela data. Segundo as teorias conservadoras, a ocupação da América se deu pelo Estreito de Bering, 13 mil anos atrás. A confirmação de um ato cometido pelo homem quase mil anos antes, contudo, reforça uma ideia que, cada vez mais, ganha força: o continente foi ocupado pelo Homo sapiens mais cedo que isso.

Os especialistas chamam de clóvis os homens que atravessaram o antigo caminho que unia a Ásia à América. Esse nome faz referência às pontas de lança lascadas e bifaciais que confeccionavam para caçar suas presas. Há algum tempo, antropólogos e arqueólogos começaram a questionar se eles foram, de fato, os primeiros americanos. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science mostra que, muito provavelmente, a resposta é não. No artigo, a equipe de pesquisadores chefiada por Michael Waters, professor da Universidade A do Texas, prova que encontrou vestígios de caçadores humanos que habitavam a região nordeste de Washington muito antes do povo clóvis.

;Na década de 1970, esse local foi escavado e os arqueólogos acharam a costela de um mastodonte com um osso moldado em forma de um objeto fino, encravado nele. Fizeram a datação por carbono, que comprovou que esse artefato tinha quase 14 mil anos;, conta ao Correio Waters. A maioria dos especialistas, acostumados com a ideia de que os clóvis foram os primeiros americanos, porém, duvidou. Para comprovar o achado de 40 anos atrás, a equipe de Waters refez a datação por carbono e constatou, novamente, os 14 mil anos da peça. Além disso, os pesquisadores utilizaram a técnica de tomografia computadorizada, que permite analisar o interior da costela do mastodonte, e mandaram para a Dinamarca amostras do material genético do osso que teria sido usado como projétil. ;A tomografia mostra perfeitamente que a ponta do osso era afiada. Ou seja, foi trabalhada para ficar dessa forma. A arma entrou quase verticalmente na costela do mastodonte. Não há dúvidas de que é um objeto feito por humanos;, garante Waters.

Na Dinamarca, o exame de DNA indicou que o osso usado como arma pertencia a um outro mastodonte. ;Essas mesmas pessoas que o mataram podem ter caçado um animal anteriormente e feito ferramentas com os ossos;, diz o pesquisador do Texas. Procurado pelo Correio, Eske Willerslev, diretor do Centro de Geogenética do Museu de História Natural da Dinamarca, enviou uma nota de imprensa, na qual diz ter certeza de que os americanos, principalmente os índios, vão gostar do resultado do estudo. ;Essa é uma prova mais profunda de que humanos povoaram a América do Norte muito antes do que se pensava. A teoria do clóvis first (ou clóvis primeiro, em tradução livre) finalmente foi enterrada com essas conclusões;, acredita Willerslev.

Polêmica
A prova não parece ter sido suficiente para os defensores da teoria clóvis first. Entrevistado pela Science, um dos maiores advogados da tese, Gary Reyne, da Universidade de Nevada, diz ainda ser um cético. ;Pode ter havido uma população pré-clovis, mas quero provas mais contundentes. Quem garante que esse osso foi mesmo moldado por homens? É possível apenas que um osso naturalmente afiado tenha atingido o animal, por acidente;, diz. Ele argumenta que a região onde a costela foi encontrada é rica em carbono antigo, que poderia ter contaminado a amostra estudada.

Waters, porém, está convencido de que a datação por carbono reflete uma realidade diferente da postulada pelos teóricos conservadores. ;Além disso, o osso foi encontrado em uma região costeira, o que muda tudo o que pensamos sobre a colonização da América. As pessoas podem não ter chegado aqui atravessando, a pé, o Estreito de Bering, mas pelo oceano;, aposta.

Entre os que concordam com o novo estudo, está o arqueólogo Dennis L. Jenkins, da Unversidade de Oregon, que há três anos publicou um estudo no qual relata a descoberta de DNA humano em cavernas do estado, datando de 14 mil anos. Com uma equipe de 13 profissionais, Jenkins examinou amostras de fezes humanas ressecadas. A análise do material genético mostrou que pertenciam a Homo sapiens com DNA semelhante aos dos povos da Sibéria e da Ásia. ;Até onde sei, esse é o resquício humano mais antigo obtido nas Américas;, conta Jennkins. ;Alguns arquólogos ainda tentam desqualificar as teorias que vão contra o modelo clóvis first, mas temos trabalhado de forma extenuante com a melhor tecnologia à disposição. E o que vemos é que, cada vez mais, surgem provas sobre uma ocupação mais antiga das Américas.;

Vestígios no Piauí
Em Boqueirão da Pedra Furada, no Piauí, a equipe da arqueóloga Ni;de Guidon encontrou vestígios de ocupação humana de 50 mil anos atrás, mas o dado é polêmico e nunca foi comprovado. Alguns estudiosos acreditam que, na pré-história brasileira, havia diversos grupos culturais.

Uma tomografia computadorizada revela como a ferramenta atingiu a presa

Reconstituição em 3D do quadril do animal: o golpe foi dado com um osso afiado, que atravessa diagonalmente a imagem.

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