Ciência e Saúde

Tragédia ambiental no Golfo do México poderia ter sido ainda pior

Professores norte-americanos mostram como a geografia do fundo do mar e a configuração das correntes serviram para conter o desastre provocado pela explosão de uma plataforma de petróleo no Golfo do México, em 2010

postado em 11/01/2012 08:00
Enquanto, na superfície, navios tentavam apagar o fogo na Deepwater Horizon, no fundo do mar, bactérias se alimentavam do óleo
O vazamento de petróleo no Golfo do México em 2010 entrou para a história como o pior desastre ambiental dos Estados Unidos. Com os 700 milhões de litros de óleo liberados na região, foram emitidas cerca de 200 mil toneladas de metano, composto químico altamente tóxico para o meio ambiente. Quase dois anos após a tragédia, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (UCSB), nos Estados Unidos, acharam uma peculiaridade benéfica em todo o processo de biodegradação do metano, gás que retém calor 20 vezes mais do que o dióxido de carbono: se as bactérias no local conseguiram consumir esse composto em apenas quatro meses, evitando um desastre ainda maior, isso só foi possível graças à geografia do solo no fundo da baía e às correntes marítimas.

Na pesquisa, publicada na edição desta semana da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), o grupo de cientistas combinou dados sobre o derramamento de óleo com informações sobre a composição química do material que vazou para definir quais materiais estavam presentes nas águas profundas. ;Em seguida, criamos um modelo no computador baseado nas propriedades fundamentais do crescimento de bactérias e na física do movimento da água. Ao fazermos simulações a partir da combinação desses dados, descobrimos que as bactérias proliferam ao ingerir hidrocarbonetos e que as correntes aquáticas traziam esses micro-organismos de volta à abertura do poço, permitindo que se alimentassem novamente;, detalha David Valentine, professor de geoquímica na UCSB e um dos autores do estudo, ao Correio.

A área onde ocorreu o vazamento é fechada em três lados, o que faz com que não haja uma corrente dominante. Consequentemente, a água se movimenta diversas vezes para frente e para trás, rodando em um só lugar, como um redemoinho David Valentine (à esquerda na foto), professor de geoquímica na UCSB
No caso da Deepwater Horizon, as repetidas ações bacterianas e a geografia da região ajudaram. Podemos não ter tanta sorte da próxima vez"
Igor Mezic (à direita), professor e diretor do Centro para Design Eficiente de Energia da UCSB" />

Essa ação biológica, segundo Valentine, só foi possível por causa da geografia da região. ;A área onde ocorreu o vazamento é fechada em três lados, o que faz com que não haja uma corrente marítima dominante. Consequentemente, a água se movimenta diversas vezes para frente e para trás, rodando em um só lugar, como um redemoinho;, explica. De acordo com outro autor da pesquisa, o professor e diretor do Centro para Design Eficiente de Energia da UCSB Igor Mezic, a estrutura do fundo do mar onde houve o desastre garantiu que a população crescente de bactérias na região voltasse para a abertura do poço diversas vezes, se alimentando dos hidrocarbonetos lançados na água e impedindo que eles chegassem à superfície.

;Isso não é o caso em todos os vazamentos. Em geral, as regiões de extração de petróleo têm correntes fortes, que poderiam levar as bactérias para longe e acabar com sua ação;, adverte. Devido a esse fenômeno das correntes com os micro-organismos, o líquido passa muito tempo circulando no Golfo antes de se misturar com o Oceano Atlântico, o que permitiu fazer com que a catástrofe ecológica tivesse proporções menores do que se ocorresse em mar totalmente aberto.

Contenção
Para esclarecer a lógica por trás de correntes concentradas devido à estrutura geológica do solo, a geóloga marinha Tereza Araújo, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), compara a região do Golfo do México com uma bacia, dessas que as pessoas têm em casa. ;Quando você tem uma bacia, por maior que seja a circunferência dela, no centro há uma depressão que retém a água. Com isso, a circulação do líquido fica mais restrita àquele lugar;, compara. Em regiões com solo mais plano, por sua vez, as correntes se espalham, levando para o mar aberto tanto a água quanto o que está contido nela, como petróleo, bactérias e gases.

Para David Valentine, o grande trunfo da pesquisa é fornecer uma visão abrangente sobre o que aconteceu nas águas profundas do golfo após a explosão da plataforma Deepwater Horizon e a abertura do poço de petróleo, em 20 de abril de 2010. ;Cientificamente, identificamos um importante fenômeno novo, que impactou o curso desse evento e que provavelmente ainda vai ocorrer em outros lugares, em graus distintos;, ressalta. Mezic complementa que o estudo é importante para todos os segmentos da sociedade que estão envolvidos na exploração de petróleo, pois os faz compreender os efeitos físicos, químicos e biológicos que um acidente pode trazer.

;No caso da Deepwater Horizon, as repetidas ações bacterianas e a geografia da região ajudaram. Podemos não ter tanta sorte da próxima vez;, alerta Mezic. Ele acrescenta que, a partir do modelo de computador que ele e sua equipe desenvolveram, agora há fortes ferramentas analíticas que permitem entender as consequências da ação humana sobre o oceano e as comunidades ao redor dele.

Brasil
Embora desconhecesse o vazamento de aproximadamente 382 mil litros de petróleo que ocorreu em 8 de novembro na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, Valentine leu alguns estudos sobre as correntes marítimas no Brasil e fez uma comparação entre o litoral do país e o Golfo do México. ;Se o caso de 2010 tivesse acontecido em águas brasileiras, a situação seria bem diferente, por causa das correntes dominantes, que são muito fortes;, afirma.

;Um derramamento desses faria com que a biodegradação de metano fosse bem mais lenta, que o petróleo e o gás ocupassem uma área maior e com potencial de impacto mais profundo nas comunidades próximas;, acredita o professor norte-americano. Ele pondera, no entanto, que precisaria fazer mais observações e experimentos para refinar essas previsões.

Tereza salienta que o vazamento na Bacia de Campos foi em mar aberto, o que fez com que o óleo se espalhasse intensamente, devido à força das correntes. ;Além disso, bactérias não teriam a capacidade, como no caso do Golfo do México, de se alimentar de qualquer gás liberado no local, porque não conseguiriam se concentrar na região, sendo levadas pelo mar.;

Os próximos passos do grupo são analisar com mais intensidade os fundamentos da relação entre os oceanos e os processos bioquímicos que ocorrem neles. ;Nós percebemos que certos padrões da convergência dos oceanos ; em que as águas se juntam ; e da divergência ; quando elas se separam ; têm grande impacto nos processos de química e biologia, mas vai levar tempo para entender tudo isso profundamente e usar essas análises para prever mais fielmente o que pode acontecer em vazamentos de grandes proporções;, aponta Mezic.

O diretor do Centro para Design Eficiente de Energia acrescenta que modelos de processos físico-químicos podem ajudar a prever o comportamento dos oceanos. ;Pode ser uma boa ideia desenvolver um protótipo de um vazamento em potencial antes de perfuração em um local e, com base nisso, desenvolver os recursos necessários para evitar essa situação, sempre levando em conta a relevância das correntes e da estrutura geográfica nesses casos;, estima.

Efeito estufa
Os hidrocarbonetos são compostos químicos formados por átomos de carbono e hidrogênio. Em geral, eles se oxidam e liberam calor, o que pode intensificar o efeito estufa. Um dos mais conhecidos é o metano (CH4). Esses compostos naturais se formam sob o solo e, quando acumulados, podem dar origem ao petróleo, ao gás natural, ao carvão e a outras fontes combustíveis.

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