Ciência e Saúde

Embrapa Cerrados planeja colocar no mercado espécies de maracujá melhoradas

postado em 24/01/2012 08:00
José Orlando e Ana Maria, da Embrapa Cerrado: melhoramento de espécies e negociação para que cheguem ao mercado
Na história da humanidade, o rico arsenal de sabedoria popular norteou a lapidação científica de seus elementos culturais mais preciosos, em todas as áreas do conhecimento. Foi assim com a medicina, a música, a engenharia e a literatura, que nasceram do saber comum e consolidaram sua forma erudita e sofisticada a partir das raízes do passado e da ciência rústica do próprio povo. Dentro desse espectro de criatividade e de transformações, a Embrapa Cerrados é um dos mais bem estruturados laboratórios para explorar a passagem do antigo para o novo e confirmar que, das fontes populares, é possível reinventar os frutos da natureza.

Muitos desses alimentos, que nascem e crescem no mato, parecem ásperos, pequenos e pobres em substâncias bioativas, mas, depois, como num passe de mágica, revelam vigor e riqueza energética na pele, na raiz, nas folhas e na polpa. Um simples maracujá nativo como o da espécie Passiflora setacea, por exemplo, esbanja substâncias como flavonoides, poliaminas, esteróis (o colesterol das plantas, precursor de hormônios), vitaminas e sais minerais que ajudam a regular o organismo, e agora está pronto para ganhar espaço nas feiras, mercados e frutarias. Para isso, foi executado um delicado trabalho de melhoramento genético pelo agrônomo José Orlando de Melo Madalena e sua equipe da Embrapa Cerrados, um trabalho que durou dois anos e meio, desde a revelação de suas qualidades.

Hoje, a variedade BRS Pérola do Cerrado, como passou a ser chamado esse pequeno e redondo maracujá esverdeado, está em vias de entrar na cadeia produtiva da região. ;Não adianta mostrar que um determinado fruto ou planta faz bem para a saúde, se as pessoas não têm como comprá-los ; seja porque não existe a produção comercial sustentável, seja por não existir condições de logística para colocar o produto no mercado;, observa Ana Maria Costa, que coordena o projeto das passifloras nativas. Quem pode tornar possível o acesso à Pérola do Cerrado ; de sabor adocicado, mais acentuado do que o da Passiflora alata, o maracujá-doce ; é a Rede Passitec, que reúne 27 instituições de pesquisa públicas e privadas e mais de 100 colaboradores.

De acordo com Ana Maria, a rede procura parceiros para viabilizar a venda no mercado do P. setacea e da BRS Vita, ou P. tenuifila. ;Concentramos esforços nessas duas variedades em virtude do potencial funcional e medicinal. As pesquisas mostraram que as duas são ricas em compostos antioxidantes e fenólicos (veja arte), importantes para prevenir doenças cardiovasculares, e podem ter efeito benéfico ao sistema nervoso;, explica a agrônoma. Segundo ela, a Rede Passitec existe para gerar tecnologias e fomentar todas as etapas do sistema produtivo, até a cadeia comercial.

Ela destaca o avanço agronômico para o sucesso da rede, que levará as frutas ao mercado tanto para o consumo in natura como para a fabricação de ingredientes para uso em alimentos. Diante desse rico potencial de cerca de 200 espécies nativas conhecidas no Brasil, os técnicos da Embrapa e de instituições parceiras, como Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre outras, se debruçam na análise de cinco passifloras ; edulis (maracujá azedo), incarnata (cujos frutos não são comestíveis), alata, tenuifila e setacea. A mais conhecida é a edulis, de forte apelo comercial, não apenas na indústria de sucos e de sorvetes. Sua casca é usada na produção de farinha funcional; as folhas, aproveitadas na elaboração de fitoterápicos; e o óleo das sementes entra na composição de cosméticos.

;Além de nutrir, as espécies poderão trazer benefícios para a manutenção da saúde, evitando problemas de obesidade, prevenindo doenças e ajudando o bom funcionamento do sistema nervoso devido à presença dos antioxidantes e das fibras em sua composição;, afirma Ana Maria Costa. Ela considera que o projeto está na reta final e que as variedades chegarão em breve ao mercado. ;Acreditamos que seja apenas uma questão de tempo a consolidação de parcerias com o setor privado para a finalização tecnológica para esses produtos começarem a chegar ao consumidor.;

Sono e estresse
Para confirmar o que o ideário popular manifesta sobre a fruta em termos de poderes curativos e preventivos, a Embrapa e o Hospital Universitário de Brasília (HUB) iniciaram este ano uma parceria para testar os efeitos de quatro passifloras no controle do estresse, da enxaqueca, de tremores em idosos e da obesidade, além de avaliar o poder do fruto na recuperação pós-trauma, no equilíbrio do sono, na regeneração celular e como regulador cardiovascular. No projeto-piloto, foi usado o Laboratório do Sono do HUB, onde 21 voluntários se submeteram aos testes. Enquanto o projeto não estiver concluído, os técnicos da Embrapa e HUB não poderão divulgar os nomes das variedades examinadas ou dizer em que situação atuam melhor.

É um estudo do tipo cego, em que os voluntários não sabem se estão ingerindo a verdadeira polpa do maracujá ou uma mistura inócua, com sabor semelhante. No teste-piloto, foi observada apenas a questão do estresse; e em uma segunda etapa, que começa em fevereiro, será a vez da sonolência. Os primeiros resultados são considerados satisfatórios. ;Percebemos que houve uma melhora funcional nas pessoas e uma evidente redução de estresse;, afirma a psicóloga Mônica Müller, que coordena a aplicação dos testes no HUB.

O neurologista Nonato Rodrigues, também da UnB, aplica os exames de polissonografia nos voluntários. Esse exame avalia os parâmetros do sono, tais como o tempo que a pessoa leva para adormecer, os estágios do sono REM e RAM, entre outros aspectos. ;As pessoas que participam não podem tomar medicamentos que causem sonolência ou apneia do sono. Também não participam aquelas com problemas de epilepsia ou de narcolepsia;, explica Mônica.

As inscrições para o recrutamento para a etapa final do projeto, desta vez para avaliação do sono, terminam em 5 de fevereiro de 2012 (veja serviço). Os voluntários têm de ter disponibilidade para dormir no laboratório do sono por dois fins de semana, com intervalo de duas semanas. Segundo Mônica, o projeto, além de reafirmar as qualidades funcionais e medicinais das plantas, permite que as pessoas se tratem de distúrbios do sono e do estresse.

Serviço
Interessados em participar do grupo de voluntários para testes do efeito de polpas de maracujá sobre o estresse e o sono devem se inscrever pelo email muller.clinica@gmail.com.

Efeitos
Os flavonoides são compostos presentes em abundância nas frutas, verduras e legumes. Os benefícios causados pela ingestão de frutas e outros vegetais se deve a esse composto, que auxilia na absorção de vitamina C, tem ação anti-inflamatória, antialérgica, anti-hemorrágica e antioxidante. As poliaminas, por sua vez, são moléculas presentes tanto em plantas como em animais e micro-organismos e estão relacionadas a diversas respostas fisiológicas, como a senescência ; processo natural de envelhecimento celular ; e o estresse.

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