Ciência e Saúde

Livro reúne relatos e quebra tabus sobre a primeira menstruação

Nana Queiroz
postado em 08/03/2012 12:25
Já houve tempos em que a primeira menstruação era o prenúncio de coisas horríveis para as mulheres. Historicamente, marcava o dia em que uma escrava podia ser vendida como adulta (com todos os ;usos; sexuais que isso implicava). Na Roma Antiga, filósofos chegaram a proclamar que o sangue menstrual era capaz de azedar vinhos e matar lavouras inteiras. Também no passado, para o islamismo, mulheres menstruadas eram consideradas impuras, e os homens não podiam chegar perto delas ; em alguns lugares do mundo, esse mandamento do Corão é observado como verdade até hoje.

Na realidade, um olhar mais atento pode revelar que esses tempos não ficaram totalmente para trás. Para várias tribos africanas, a menarca é a data em que se agenda a cerimônia de mutilação genital das garotas. Judias ortodoxas são impedidas de fazer sexo enquanto menstruam, e, para aqueles tentados a dizer que isso é marca de culturas conservadoras, até mesmo algumas francesas são proibidas de preparar refeições com maionese nesse período. E ; da China aos Estados Unidos ; meninas ainda são constrangidas por ocasião de sua menarca, como se o sangue menstrual fosse algo de que se envergonhar ou ter nojo.

A jovem escritora americana Rachel Kauder Nalebuff tinha apenas 18 anos quando essa história toda lhe subiu à cabeça. Ela decidiu, então, fazer seu próprio manifesto em prol da menstruação. Não pensou pequeno: contatou mulheres de sucesso em suas áreas, como a escritora best-seller Meg Cabot e a artista plástica Nina Bentley. Colecionou histórias de avós e meninas, de mulheres de todos os cantos do mundo. O resultado foi Meu livrinho vermelho, recentemente lançado no Brasil pela editora Record, uma compilação de 92 histórias, muitas delas hilárias, sobre a menarca.

Tabu

Rachel define a palavra ;tabu; como tudo aquilo sobre o que alguém não se sentiria confortável em falar com o irmão ou o melhor amigo. Contudo, isso não quer dizer que, na opinião dela, a menstruação deva ser assunto de toda mesa de bar. ;O tema deveria ser tão inofensivo quanto assoar o nariz. Isso significa que deveríamos ficar falando a todo momento de nosso catarro? Não! Mas se eu tiver uma história incrível sobre assoadas de nariz, não fico constrangida em falar sobre ela ou pedir um lencinho de papel.;

A escritora conta que o tabu acerca da menstruação dura milhares de anos e está difundido em várias religiões ancestrais. ;Alguns antropólogos associam a vergonha e o medo da menstruação ao próprio temor primitivo de sangue ou, mais controversamente, ao desejo masculino de exercer autoridade sobre o corpo das mulheres. Em minha opinião, o tabu permanece simplesmente porque não oferecemos a educação adequada às adolescentes. Garotas têm menstruado cada vez mais jovens (11 anos parece uma idade perfeitamente normal hoje em dia), mas só vão estudar o ciclo menstrual na escola aos 13. E, às vezes, os garotos nem sequer ouvem falar do assunto. Em minha escola, eles eram autorizados a sair da sala e jogar bola durante essa parte da aula de biologia. Ora, nada mais natural do que temer aquilo que não se conhece.;

José Maria Soares Junior, chefe do Ambulatório de Ginecologia da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembra que a menstruação é, primeiramente, um sinal de que a saúde da mulher vai bem. Ela anuncia a capacidade de gerar filhos, e os hormônios que vêm com ela esculpem as belas curvas do corpo feminino. Mesmo assim, ressalva o especialista, é natural que as garotas sintam medo desse sinal que parece apressar cada vez mais o fim da infância. ;Esse fato novo na vida das meninas pode levar ao constrangimento. Além disso, o uso do absorvente, que não fazia parte do cotidiano delas, também pode proporcionar desconforto. O problema fica pior quando não há conversa. Hoje, a crise de gerações é muito acentuada. Os pais não conseguem acompanhar o desenvolvimento das filhas. A idade certa para abordar o assunto, na atualidade, é 9 anos;, alerta Junior.

Apoio
Durante a pesquisa que antecedeu a publicação de Meu livrinho vermelho, Rachel ganhou na escola a ;carinhosa; alcunha de ;garota-menstruação;. ;Como você deve imaginar, o nome não me incomodou nem um pouco, pelo contrário, eu aderi a ele totalmente;, relata. ;Para minha surpresa, com exceção do apelido, a maioria das pessoas com quem falei sobre o assunto me apoiou.; Suporte foi, de fato, necessário, já que Rachel estava no ensino médio e nunca havia publicado um livro. ;A explicação que encontrei para a decisão de minha agente, Susan Ginsburg, de publicar meu livro é que ele toca algo de universal em todas as mulheres, algo que nunca havia sido expressado, mas estava latente;, opina. A jovem escritora retribuiu investindo também em outras mulheres desconhecidas. Todo o lucro arrecadado com a venda do livro tem sido doado a instituições que lutam pelos direitos femininos.

As 92 mulheres que contaram suas histórias para Rachel também abriram memórias íntimas com surpreendente confiança. Entre os contos, o mais intrigante e dramático é o da própria tia-avó da autora, Nina Bassman. Judia, ela fugia da Polônia em um trem, em 1942, quando os nazistas pararam o comboio e começaram a revistar a todos em busca de bens preciosos escondidos. As mulheres foram despidas e brutalmente inspecionadas em suas partes mais íntimas. Quando sua vez estava chegando, Nina sentiu o sangue escorrer pelas pernas. A sua primeira menstruação a salvou da violenta vistoria nazista.

A história de Nina Bentley também não fica muito atrás. Ela estava na aula e sentiu a saia ficar úmida. Virou o tecido e viu uma mancha redonda de sangue. Com toda a naturalidade do mundo, usou a bola como miolo e desenhou ao redor dela uma flor. Durante o dia, foi girando a saia e fazendo o mesmo com cada um dos novos borrões, até conseguir uma estampa completa no pano. ;A menarca fala mais sobre a personalidade das mulheres do que se imagina. A história da Nina é um grande exemplo. Quando cresceu, ela se tornou uma artista;, comenta Rachel. E o que será que a história da escritora ; que estava em uma lancha, de maiô, quando foi surpreendida por sua primeira menstruação ; diz sobre ela? ;Eu não quis contar para ninguém sobre o problema que estava passando e tentei cuidar de tudo sozinha, sem desistir do passeio. Quando olho para trás, reconheço uma independência teimosa que continua ferrando comigo a vida inteira;, ri.

Meg Cabot, escritora bestseller que também contou sua história em Meu livrinho vermelho

Na sua opinião, por que existe tanto constrangimento quanto à primeira menstruação?
Não sei, mas isso não deveria existir. É algo natural que acontece com mais da metade da população mundial. Se os homens menstruassem, sua primeira vez seria celebrada em uma grande festa, e OBs e absorventes seriam distribuídos de graça nas escolas, como papel higiênico.

Como acabar com a vergonha, então?
Celebrar a chegada da primeira menstruação com um grupo de mulheres mais velhas que pudessem dar dicas e conselhos seria um belo fim ao constrangimento. Muitas culturas já fazem algo do tipo. Minha melhor amiga da adolescência, que era judia, foi levada a um jantar especial com sua mãe e tias e eu invejei aquilo. Mesmo que minha mãe tivesse sido muito compreensiva quando tive minha menarca, não houve festa e nenhuma de minhas amigas tinha menstruado. Eu me senti terrivelmente sozinha e até envergonhada. Foi como um grande segredo que eu não revelei a ninguém por meses.

Por que você decidiu contar seu depoimento neste livro?
Porque esse tema pode ser um tabu tão grande em certas famílias e culturas que é importante que as garotas saibam que é OK falar sobre o assunto. Acontece com

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