Ciência e Saúde

Filmes e livros de ficção sobre aquecimento global podem conscientizar

Para especialista dinamarquês, filmes e livros que abordam os efeitos do aquecimento global ajudam a conscientizar sobre o problema, apesar de, às vezes, transmitirem informações erradas

Roberta Machado
postado em 04/05/2014 08:00
Em 2004, o filme O dia depois de amanhã informou o grande público sobre os riscos do aquecimento global

O debate sobre as mudanças climáticas não é novo, mas foi em 2004 que o assunto ocupou as manchetes dos principais veículos de notícia do mundo. O responsável por essa alteração de pauta não foi nenhuma prova cabal do aumento da temperatura terrestre, nem mesmo um estudo que finalmente convencesse os céticos da responsabilidade humana nesse fenômeno ambiental. O motivo da popularização do assunto estava nos cinemas, em uma aventura estrelada por Jake Gyllenhaal e Dennis Quaid: O dia depois de amanhã. Se as conferências científicas e constantes alertas de pesquisadores não eram o suficiente para chamar a atenção do público, as imagens dramáticas em alta resolução de uma Nova York inundada e destruída por tufões e nevascas certamente deu conta do recado.

Seria a ficção mais eficiente para ensinar sobre os perigos do aquecimento global que os encontros, estudos e debates promovidos por pesquisadores? Para entender melhor como o faz de conta trata desse problema real, um pesquisador dinamarquês analisou 40 textos e filmes que, como o blockbuster lançado há 10 anos, usam narrativas ficcionais para retratar as consequências de um mundo com a temperatura alterada pela ação do homem e imaginar como a sobrevivência da espécie será afetada por esse fenômeno. ;Basicamente, a ficção sempre cumpriu o papel de vigilante da sociedade. É, por assim dizer, um espaço no qual a crítica pode ser feita com liberdade;, comenta Gregers Andersen, especialista em literatura da Universidade de Copenhague e autor da tese.



Esse gênero de narrativa é conhecido como cli-fi ; uma mistura das três primeiras letras da palavra clima e a expressão inglesa para ficção científica (sci-fi) ; e, na verdade, existe muito antes de o assunto virar moda. Em 1977, o escritor norte-americano Arthur Herzog já escrevia Heat, uma história sobre um químico que descobria um estranho aumento de temperatura no oceano causado pelo excesso de dióxido de carbono na atmosfera. Hoje, a urgência do tema levou alguns pesquisadores a se aventurarem pelo mundo das letras e incentivou autores a aprenderem mais sobre ciência para retratar um mundo abalado pela elevação da temperatura no planeta.

Temas

O pesquisador literário acredita que as obras ficionais podem dar um tom mais humano para os frios números e gráficos científicos. ;Eu prefiro pensar nelas como um suplemento ao trabalho feito na ciência climática e aos relatórios do IPCC. Nesses documentos, nós apenas temos um vislumbre do que o futuro será com o aquecimento global;, destaca Andersen. O mundo de mentira serviria como um ambiente de ensaio, em que a humanidade poderia considerar diferentes possibilidades e ver como elas afetariam efetivamente suas vidas. ;Na ficção, vemos pessoas que sentem e agem em um mundo com clima modificado. A mudança é uma atmosfera afetiva, uma condição para o engajamento social;, reforça.

Quarto perguntas para Sarah Green, professora de química na Universidade Tecnológica de Michigan e colaboradora do site SkepticalScience.com:

As histórias de ficção sobre aquecimento global são melhores para entender a ciência desse fenômeno, ou como uma forma de chamar a atenção das pessoas para esse assunto?

Alguns autores fazem um sforço para explicar a ciência da forma mais fiel possível. Um exemplo é Forty Signs of Rain, de Kim Stanley Robinson; Flight Behaviour, de Barbara Kingsolver também procura a precisão na ciência climática. Esses trabalhos certamente têm o básico da ciência do aquecimento global explicado corretamente. Claro, a ciência climática só pode projetar probabilidades. A maior parte da ficção precisa devinir um ambiente fixo, então cada história ou romance de cli-fi seleciona um dos possíveis climas futuros como cenário. Estórias que se passam no futuro também precisam projetar as respostas dos humanos e da sociedade a um ambiente modificado, de fato para muitos, esse é o principal objetivo.

Que filmes, livros ou estórias você recomenda pessoalmente? Você poderia mencionar também alguma história de cli-fi que é um mau exemplo para entender como o aquecimento global está acontecendo, ou a gravidade das suas consequências?

Eu realmente gostei de um livro astuto de karen Thompson Walker chamado The Age of Miracles. Não e explicitamente sobre o aquecimento global, mas postula uma diferente catástrofe lenta planetária conforme a rotação da Terra começa a ficar mais lenta. O autor considera como seria a vida para uma gartoa crescendo nos 20 anos em que esse desastre acontece. Odds Against Tomorrow, de Nathaniel Rich também usa uma segunda abordagem, acompanhando uma pessoa em Nova York durante e depois de uma grande tempestade; ele foi escrito logo antes do (furação) Sandy, e imagina um cenário similar, mas sem a recuperação.

Já que eu já entendo a ciência, eu não preciso de ficção para ter essa perspectiva. E eu não me preocuparia em ler muito de um livro que mostrasse ciência incorreta como real. O maior exemplo desse tipo é State of fear (2009), de Michael Cringhton, do qual eu só li um capítulo. Eu achei o filme O dia depois de amanhã muito bobo e bastante enganoso. Um dos aspectos mais difíceis da mudança climática para as pessoas compreenderem é que é uma progressão lenta e inevitável. O filme mostra um congelamento abrupto acontecendo em horas e dias. Estamos vendo mudanças reais na escala de décadas, o que torna difícil para compreender e difícil para definir as respostas urgentes de que precisamos.

A senhora é autora de uma pesquisa que mostra que a maioria dos cientistas concordam que humanos são os que estão causando as mudanças climáticas. Mas as pessoa não parecem entender isso ainda. Por quê?

Estamos cmpreendendo esse fenômeno. Enquanto 97% dos artigos publicados e revisados por cientistas sobre o clima concordam que humanos são a causa, uma porcentagem muito menor do público entende isso. A atual porcentagem depende do país, e do clima recente. Um aspecto é certamente o investimento da sociedade no status quo, que toma muitas formas. Há os interesses financeiros óbvios em continuar a nossa dependência em combustíveis fósseis. os esforços deles para confundir o público nesse assunto foram documentados. Em táticas que são usadas para atrasar a regulamentação do tabaco por décadas, o interesse desses grupos é convencer o púlico de que "a ciência não estabelecida".

As mudanças necessárias para limitar as mudanças climáticas são substanciais e os benefícios somente serão notados lentamente, no próximo século. É mais fácil negar, ou simplesmente ignorar, o problema do que realizar essas mudanças. Então parte da falta de reconhecimento deve ser psicologicamente defensiva. "Eu não quero agir porque é muito difícil" torna-se "eu não quero agir porque não e um problema grave". O livro Flight Behaviour examina os aspectos políticos dessa questão em temos da aparente separação entre as populações rurais e urbanas na compreensão da ciência.

A senhora acredita que livros e filmes são importantes para explicar esse fenômeno e convencer as pessoas a mudar seus hábitos para impedir o aquecimento global?

Eu denifitivamente penso que a ficção é essencial para as pessoas imaginarem mundos em que eles poderiam viver, e para nos ajudar a guiar nossas ações em direção ao futuro que preferimos. Ficção, incluindo filmes, nos permite testar diferentes cenários e sentir o impacto emocional deles. Como você vai se sentir quando o último urso polar morrer? Quando a floresta amazônica se tornar uma coleção de gravetos ressecados? Quando Miami Florida estiver submersa? Como você vai receber os refugiados do clima do Texas? De Chad? Como será viver em uma futura eco-cidade/ Que tipo de trabalho você fará ali? o que você vai comer? Como a história vai se lembrar de nós?

Os problemas que enfrentamos são imensos e exigem que todos os tipos de pessoas criativas os resolvam. Cientistas e engenheiros são apenas parte da solução. Nós precisamos questionar e reimaginar todos os aspectos da vida humana. A questão final é: como vamos viver nesse planeta?


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