Ciência e Saúde

Artigos reúnem descrições do corpo celeste no qual sonda Philae pousou

Além de dados sobre a estrutura da rocha, os estudos reforçam a teoria de que esses objetos forneceram os ingredientes para a vida na Terra

Roberta Machado
postado em 31/07/2015 06:06

Em novembro do ano passado, o mundo testemunhou um avanço histórico para a exploração espacial. Uma pequena sonda do tamanho de uma caixa de sapatos pousava na superfície de um cometa que cortava o céu a 55 mil quilômetros por hora. Esse era o clímax da missão Rosetta, que levou uma década para colocar o primeiro equipamento produzido pelo homem sobre um objeto desse tipo. No entanto, os gritos de comemoração foram interrompidos por um susto: a manobra não tinha sido executada como os pesquisadores planejavam. Philae, a sonda que levava consigo os instrumentos de exploração científica, quicou num tipo de terreno extremamente poroso e seus pés não se fixaram ao solo. A máquina acabou flutuando por duas horas até cair em segurança num piso mais firme a 1,3km, onde realizou seus experimentos científicos e enviou os dados para a Terra.

Um especial publicado hoje pela revista Science revela os primeiros resultados dessa empreitada espacial, com sete estudos que formam o retrato mais completo de um cometa já produzido. O objeto de 10 toneladas conhecido como 67P/Churyumov-Gerasimenko é uma rocha porosa, marcada por uma série de fenômenos que moldaram um ambiente heterogêneo e rico em compostos orgânicos, como a água. A partir dessas informações, os cientistas podem compreender melhor que tipo de elementos estavam presentes no início da formação do Sistema Solar e como eles foram trazidos para planetas como o nosso.

Um dos artigos da série descreve a verdadeira acrobacia que os cientistas tiveram de fazer para contornar os imprevistos da missão. Como o terreno onde Philae acabou se firmando era duro demais para o funcionamento de um dos instrumentos, os pesquisadores decidiram aproveitar os dados do incidente para calcular as características do cometa. ;Nós usamos vários dados dos instrumentos e da engenharia, assim como de detecções ópticas e do radar, para reconstruir a trajetória, os vetores de velocidade antes e depois do impacto e a profundidade das ;pegadas; nas imagens;, explica Jens Biele, pesquisador do Centro Aeroespacial Alemão (DLR) e principal autora do estudo. ;Nós tivemos sorte porque o lander não caiu em algum lugar de cabeça para baixo, o que cortaria a comunicação do rádio;, conta.

Heterogêneo

A reconstrução do acidente mostrou que o local previsto de pouso era uma superfície granular de apenas 25cm de espessura, cerca de 2 mil vezes mais macia do que o material sólido onde o equipamento se ancorou. Os pesquisadores acreditam que essa pode ser a evidência de um fenômeno de acúmulo de poeira em certas regiões, onde o processo térmico forma uma fina camada dura sobre o cometa poroso. ;Apesar de estarmos muito conscientes do nosso conhecimento limitado, o fato de que parte do material seja tão duro, e a superfície tão heterogênea foi, de fato, um pouco surpreendente, e tem de ser devidamente explicado por modelos termofísicos e experimentos laboratoriais;, ressalta Biele.

Imagens panorâmicas registradas logo depois do pouso revelam a existência de rochas que variam de poucos centímetros a 5m. Os sedimentos variam de pequenos grãos a grandes pedras com formatos diferentes. Enquanto algumas rochas são lisas e arredondadas, outras são angulares e poligonais, provavelmente fragmentos de um corpo maior que ainda não foram desgastados pela erosão. A estrutura irregular, acreditam os cientistas, pode ser resultado do processo de formação do cometa, onde pequenas unidades acabaram unidas em um só objeto.

Fotos tiradas pelo sistema ROLIS enquanto Philae descia sobre o objeto também mostram os efeitos da erosão sobre o 67P, sendo possível notar várias depressões e marcas deixadas pela cauda de vento que corta o cometa. De acordo com as simulações feitas pelos cientistas, parte dos buracos também pode ser formada pela ejeção de partículas do interior da rocha, ou até mesmo pelo impacto de projéteis que atingiram o objeto.

Gelo e ar
Outros instrumentos confirmaram que o cometa é feito basicamente de gelo e ar, com uma porosidade que varia de 75% a 85%. Mas o raro solo do 67P também esconde outros 15 tipos de compostos orgânicos, quatro dos quais nunca haviam sido vistos em cometas: acetona, acetamida, propionaldeído e isocianato. As substâncias, explicam os cientistas, são parte de ;famílias; próximas que formam novos integrantes por meio da combinação de elementos mais simples.

A descoberta apoia a teoria de que os cometas são a fonte da vida na Terra, tendo trazido consigo os compostos orgânicos dos limites do Sistema Solar, e também indica que o mesmo possa ter acontecido a outros planetas habitáveis do Universo. ;É concebível que os cometas levem tanta carga com eles que despejem esse material em bons planetas, que possam ter água líquida, um ambiente onde o material poderia se desenvolver facilmente;, explica Fred Goesmann, pesquisador do Max Planck Institute for Solar System Research e um dos autores dos trabalhos.

;Se o ambiente é ideal e úmido, você tem essas pequenas moléculas que podem ser usadas como blocos de construção. Se a sua caixa de blocos está vazia, construir algo é difícil. Mas se ela está cheia, não significa que você vai conseguir construir um castelo, mas o ambiente é o correto;, ilustra Goesmann.

A matéria completa está disponível , para assinantes. Para assinar, clique

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação