Ciência e Saúde

Pesquisadores do Canadá desenvolvem tecnologia de reparo do coração

A técnica, segundo eles, poderá ajudar no tratamento de infartos

Vilhena Soares
postado em 29/08/2015 08:05

Recuperar um coração que sofreu infarto é um trabalho difícil, já que a complicação, caracterizada pela diminuição ou pela interrupção súbita do transporte sanguíneo, compromete o funcionamento do músculo cardíaco, responsável por bombear o sangue pelo corpo. Para resolver esse problema, pesquisadores do Canadá desenvolveram um material biodegradável que simula o tecido do órgão vital. A nova tecnologia, detalhada na edição de hoje da revista Science Advances, poderá auxiliar no tratamento da principal causa de morte no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Os autores do trabalho buscaram desenvolver uma solução que imitasse o tecido cardíaco sem a necessidade de uma cola, alternativa até então não atingida. ;Em engenharias voltadas para a criação desse tecido, há uma limitação de design, com grande parte de projetos desenvolvidos com uma camada única. Com isso em mente, a nossa tecnologia de velcro, inspirada nesse tipo de tecido, pode permitir o empilhamento das estruturas sem o uso de um adesivo;, justificou ao Correio Boyang Zhang, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Toronto.

O material é chamado de Pomac e funciona como uma plataforma para as células. Em cima dele, são colocadas estruturas que compõem o tecido cardíaco, como cardiomiócitos, fibroblastos e células endoteliais. Elas se desenvolvem e ficam unidas, formando um grande tecido colado pelo polímero (veja infográfico). A forma de junção das estruturas é o grande diferencial do trabalho, reforça Zhang. ;A vantagem principal dessa tecnologia está na facilidade de uso. Tecidos multicamadas podem ser construídos por encaixe à pressão, utilizando camadas individuais que podem ser rapidamente formadas enquanto se mantém a integridade deles. Essa técnica é algo que acreditamos ser única no campo.;

Nos testes iniciais, os cientistas também observaram que o novo material é capaz de se contrair em resposta à simulação de um campo elétrico, o que indica que ele pode ser estimulado utilizando uma corrente eléctrica, fazendo, assim, com que o polímero flexível reproduza os movimentos do tecido cardíaco. ;Assim que você os une, ao aplicar a estimulação do campo elétrico, vemos que eles se movem em sincronia;, explicou, em comunicado, Milica Radisic, líder do projeto e professora da Universidade de Toronto. Como é biodegradável, o polímero, com o tempo, se desintegraria sem causar problemas ao organismo em que foi implantado.

Sistema complexo

Mauro Paes Leme, cirurgião cardíaco e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta que a reprodução de tecidos cardíacos tem sido o objetivo de muitos pesquisadores desde a descoberta das células-tronco. ;Quando esse advento surgiu, muitos trabalhos tentaram utilizá-las de uma forma que pudessem ser injetadas diretamente no coração, com a esperança de estimular o músculo cardíaco para ele se recuperar;, conta. A dificuldade nesse processo, porém, está no fato de a área infartada sofrer uma necrose. ;Em vez de virarem cardíacas, as células-tronco se transformaram em fibroblastos, que surgem para a cicatrização do coração;, explica o especialista.

Leme destaca que o tecido cardíaco é muito complexo e precisa da interação de diversas células para funcionar corretamente. ;Para recriá-lo, precisamos de cardiomiócitos, fibroblastos e células endoteliais, que o formam, interagindo. O que os pesquisadores canadenses fizeram foi isso. Juntaram, como se fosse um biscoito recheado, cada tipo dessas estruturas por meio de um sistema biodegradável com o objetivo de imitar o coração da forma mais idêntica ao original. Isso parece ser a melhor estratégia;, avalia.

O cirurgião cardíaco destaca que, caso o projeto canadense possa ser aplicado em humanos ; os testes se limitaram a camundongos ;, seria de grande ajuda para o tratamento de uma complicação que tem crescido bastante no mundo. A aplicação clínica, porém, estima Leme, demanda pelo menos mais uns 15 anos de estudo. ;Seria de grande valia, já que as doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo. Em 2000, foram feitas cerca de 600 mil cirurgias (onde) de ponte de safena, e muitos especialistas já especulam que a insuficiência cardíaca deve ser, na próxima década, uma das doenças mais importantes do planeta. Um sistema ajudaria a salvar milhares de vidas;, acredita.

O próximo passo dos autores da instituição canadense é analisar como o material funciona em outros animais. Apesar de dar foco ao problema cardíaco, uma vantagem futura do sistema de camadas é que ele pode ser aplicado em outros tipos de órgãos, como o pulmão e o fígado. ;Usamos três tipos e células nesse trabalho: cardiomiócitos, fibroblastos e células endoteliais, mas, conceitualmente, não há realmente nenhuma limitação;, garante Radisic.

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